Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

Cancão Rornanlica . ~ r.z, ', 'As l ' Virgens Loucas Éreis tão flúidas, tão inquietas, 1 que, diante dos vossos caprichos, pensava-se em rios, em frondes ao vento, por jardins•floridos. · Sofria-se por vosso encanto, om remota felicidade: éreis uma longa esperança, éreis o amor para mais tarde. ' E não fostes ! Vossa inquietude 'rra de rios sem destino, ~e vento, sem jardim de flores .•• Puro pensaménto perdido ! . Quem vos amava no passado . recorda o tempo dos amores .. ; íeis, vínheis, fluidos fantasmas, ·- e nunca soubestes quem fostes. E morrereis levianamente, .~do ouvido falar por alto do amor, da tristeza, da vida ..• Como quem ouviu, longe, um pássaro. · Meus olhos ficam neste parque, minhas mãos no musgo dos muMs, ra o que um dia vier buscar-me, ,tre pensamentos futuros. ão quero pronunciar teu nome, que a voz. é o apelido do vento, e os gráus da esféra -me consomem_ , a, no mais simples momento. São mais duráveis a hera, as malvas;· que a minlia face deste instante. ~as posso deixá-la em palavras, ravada num tempo constante. Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solitá.ria, perfeita e pura. quí estão meus olhos nas flores, 1 meus braços ao longo dos ramos: · ' , no vago rumor das fontes, de amor que sonhamos. 1 antarão ·os Galos tarão os galos, quando morrermos, uma brisâ leve, cde mãos delicadas, ará nas franjas, nas sedas 1 ortuárias. o sono da noite irá transp4'ando · bre as claras vidraças. os grilos, ao longe, serrarão, silencios, os de cristal, frios, longos, êrmos, o enorme aroma das árvores. h, que doce lua verá nessa calm. . _ ainda mais calma que o seu grande êspelliô prata 1 e fresc~ra espessa em nossos cabelos, res como os campos pela madru.2:ada I " Esse ''grande poeta'' que é Cecília Meireles ... nó dizer de Cé1,1'los Drummond de Andrade - acaba de publicar, na editora "Livros de Portugal'.', do Rio. o seu novo livro de poemas: '.'Retrato Natural" - título verdadeiramente exp!essivo p_ara a poesia pessoal e sim.pies de nossa maior poetisa. Nesse li; vro se encontra a mesma pureza, a mesma músi– ca, a mesma originalidade a um tempo feminina e poderosa de "Vaga Música". '~Viagem''. e "Mar Ab– soluto", principais livros anteriores de Cecília Mei– reles. O aparecimento de "Retrato Natural" pre•. n1,Jncia-se um dos maiores, ~alvez o maior. aconte– dmento literário de 1949 no Brasil. De seus oiten• ta e três poemas, quase todos i~éditos. publicamos ~ hoje o seguintes, pa~a conhecimento de nossos lei- - ' tores, a cujo alcance dificilmente poderá chegar a edição reduzida de "Retrato Natural". ,; C..2-\·MINHO Pela estrada de Santiago, dura· estrada 1 vou caminhando em meu ~l1gtlA como quem vai a cavalo . . Ordena-me a estrela que, ande; alta estrela 1 Ai, por ordens de bem longe morremos a cada-in6tant Sonho, sonho, e ninguém me ouve. Longo sonho. O mundo inteiro està dentro de uma redoma de bronze. Mesmo o Apóstolo em silencio, em silencio, deixa passar as sombras, · pequenas formas do vento ..• Levo mãos em vez de conchas, mãos pacientes, onde verto, de olhos grave~. minnha vida em ·verdes ondas. Faço .tudo que me dizes, faço tudo 1 Estrela do cêu - e apenas de esquecimento me cinges. E eu com chapéu de obediência, de obediência. ~la estrada de Santiago, espor·as de amor nas veias, • '' Das Bailarinas · Do· ·Q:tsino Dez bailarinas deslisam por um chão de espelho. ,, Têm corpos egípcios com placas douradas, nálpebras azuis e dedos v:etmelhos. Levantam véus brancos, de ingênuos aromas, P. dobram amarelos joelhos. Andam as dez bailarinas sem voz, em redor das mesas. Há mãos sobre facas, dentes sobre flores e os charutos toldam as luzes acesas , Entre a música e a dansa escorre uma sedosa escada de vileza. As dez bailarinas avançam como gafanhotos perdidos. Avançam, recúam, na sala compacta, empurrando olhares e arranhando o ruido, tão núas se sentem que já vão cobertas de ima_ginários, chorosos vestidos. As dez bailarinas escondem nos cilios verdes as pupilas . Em seus quadris fosforescentes, 1, passa uma faixa de morte tranquila. Como quem leva para a terra um filhó mortó, · levam seu próprio corpo, que baila e cintila. ... Os homens gurdos olham com um tédio enorme as dez bailarinas tão frias. Pobres ·serpentes sem luxúria-, que são crianças, durante .o dia. Dez anjos- anêmicos, de axilas nroíundas, embalsamados de melancolia. Vão perpassando como dez múmias, as bailarinas fatigadas. Ramo -de nardos inclinando flores azuis, brancas, verdes, douradas. Dez mães chorariam se vissem as bailarinas de mãos dadas. Declaração De Ainôr • En1 Tempo De Guerra Senhora, eu vos amarEli numa alcova de seda, ·entre mármores claros e altos ramos de rosas, . e cantarei por vós leves árias serenas : com luar e barcas, em finas águas melodiosas; (Na minha terra, os homens, Senhora, andavam nos campo$, agora). . Para ver vossos olhos, acenderei as velas ., que tornam suaves as pestanas e os diamantes. r Caminharão pelos meus dedos vossas pérolas, • por minha alma, as areias destes limpidos instantes. (Na minha terra, os homens, Senhora, começam a sofrer, agora). por meu coração cavalgo. :Ai, coração ..• Quando meu sangue fôr poeira, então, Apóstolo, paro. · 1Estaremos tão sós, entre as· compactas cortinas, e tão graves serão noss~s profundos espelhos Que grande sossego, sem falas humanas.. . sem o lábio dos rostos de. lôdo, · sem ódio, sem amor, sem nada ! Como escuros profetas perdidos, conversarão apenas os cães, pelas vár:Leas. 1 Fortes perguntas. Vastas pausas. Nós estaremos na mort~ com aquele suave contorno de uma concha dentro dágua. que poderei deixar as minhas lágrimas tranquilas pelas colunas de cristal de vos~os joelhos. (Na minha terra, os homens, Senhora, estão sendo mortos, agora). .... Y ós sois o meu cipreste, e a Janela e a colu.nà e a estátua que ficar - ~om seu yestido de her;; e o pássaro a que um romano faz a última pergunta, e a flor que vem na mão ressuscitada da primavera. . - ~. (Na minha terra, os homens, Senhora, apodrecem no !!ampo, agora). 1 ) ,. ' ,

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