Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

ENTO .A Rl [ _ . 1 LITERATUR~ '--------· Para-Belém Domingo, 28 de Agosto de 1949 N. 133 Acaoa cte sair a quart.a edl- 'ãe aa IUsiória da. Liter.;,tura · UM rasilrin do mestre Sílvio omero. Não vem aqui por caso. para arredondar a fra- e, a l).¾la vra mestre: um ad- MESTRE JOVEM bretudo a arte . de exprimir com belas palavras a fantasia ou o sentimento, Certo de que as idéias in• fluem na evolução . social - nis.so escapava ao determi– nismo de Taine - sentia-se no dever à.-1! através da lite– ratura, atuar sobre t-0da. a. vida brasileira, e a e:s~a ta– refa de renovador, ou mesmo de revoluclonarlo se deu to– talment.e. "Todo escritor na– cional na hora pres-1:nte estú carregado de um duplo de– ver: o dever comum a tcdo3, de dizer a verdade. e o de– ver, ainda mais urgentt, C:e 11ão guardar compla~ê'1cia. àe ser cruel pal'a com este po– vo doenbe, que prec:sa ver batidos todos os seus preMn– ceitos, de alto a baixn. <':es– de os governos com toõas as suas misérias até a plebe com a sua falta de coragem e d,e bons ~ timulos", é o progi·a– ma. que traça na Introdução. E que cumpriu a risca. ct!V'J w. sendo, esse sim, es– 'rito distraidamente, por ou– .-lo quase sempre aplicado ao ande critico: velho. Reco– tu-o em tempo, que mestre oi Sílvio Romero, mas mes– .re. jovem com as melhores racte stlcas da mocidade. ra-o de fato, ao redigir a rte essencial deste livro, e ntinuou depois a sê-lo, psi- ológica senão cronologica, ente, enquanto escreveu, o 1ue é o mestno que dizer en– uanto viveu, pois tem a data e sua morte. 1914, o último vro que p ublicou, l\:linha.s ' ontra.diçóes. ' A primeira edição da Bis– " ria da Literatura.· Brasileira. · de 1888, ano em que o a,u– r completava trinta e sete. as já se continha, em esbô– ço, na Introdução à História da Literatura Brasildra, co• o a estampou, em l 881, a Revista Brasileira". "Em 1880", scr,eveu outro critico Jo~·em. Antonio Cll.ndido, numa tese sobre a Introdução ao mé– tedo critico de Silvio Romero, que deve ser reeditada e co– llheclda fora dos meios unt– versitarios, pode-se considerar completa a sua formação cri– tica e o arcabouço da sua ..t1vidade intelectual. Tem quase trinta anos, -e onze de atividade literaria. Já formu– lou os seus pontos de vista ~rca do problema da poesia, 41, filosofia, do folclore, da etnol gia brasilelra; baseado G e :ido dos elementos da ossa formação social e ét– ica, traçou as diretrizes da ua obra critica - daquilo ue ele chamaria o seu cri• cismo". Sem dúvida, muito produ• iu mais tarde Sílvio Rome– • em regra, porém, desen– olvendo, reafirmando e sis– mat!zando teorias já elabo– as . Pode-se por isso, sem xagero, rotular de obra de oço a sua. Por isso e pelo ntusiasmo, pela. paixão. pe– generosldade que demon.s– a. O que não significa. t,o– via, que seja de modo al– m, imatura. Ao contrário, ó vale notar a circunstancia e ter rido em boa parte es- rita -,, delineada na mocl– ade, para lhe conferir maio:::– ~ievo e solidez. E também lvez para explicar-lhe cer– injustiças. O caso de Ma• ado de Assis é sintomático. ão o tra.tou com severidade, e que se arrependeria, se– ão por sentir-se ainda ma- do pelas restrições aos antos do fim do século, seu vro de estreia . E não era novo apenas o omem, mas também o gêne– . A verdade é que não ti- emos critica nem hlst6ria ll– r:\ria antes de Sllvlo Ro• ero. ~ Em 1873 . lamentava achado de Assis "'á ausencia "uma critica doutrinaria, pla, elevada, corresponden– a.o que ela é em outros !.ses. Não a temos. Há e m havido escritos que tal e merecem, mas raros. a aços, sem a influencia co- A pa.,sagem dos anos não m atenua.d:> mUito a hosti– .dade do grande público em e:ação à arte moderna, que ui mesmo é combatida, em– 'ra ~cnos P-llcarniçadamente que no primeiro quartel do · ·ulo. E a. verdade é que, a peito de Picasso, verifica. e ainda um desacordo com– leto no car.ipo d-a critica no da história da arte utemporar.ea . Há, de um o, os ou~ o consideram o aior pintor vivo e um dos .aiores de todos os tempos. lado oposto estão os que classificam como uma espé- e de flagelo das artes, um tila ou um Gengis-Khan i:ta !i:tura. Eµtre essas duas opi– ões extremas e, até certo onto, meoonciliáveis situa-se LúCIA MIGUEL l>EREIRA (Copyright E . S . 1 . , com exclusividade -para a FOLHA do NORTE, neste Estado) ticliana e profurida que de– veriam exercer". Essa falta, ele próprio, Machado, a po– deria ter preenchldo, que te – ve dons de grande critico, critico, como a. pode.ria ter preenchido Capistrano de por' maiores q1.1e fossem as Abreu, outra promes•a de qualidades destes homens re- 1 almente notáveis, é de crer ci:itico completo. Pe os seus que dificilmente qualquer cLe– trabalhos d& erudição literá- o seu espírito de luta, a sua visão da literatura como fe– nômeno cultural (no sentido sociológico) . ria, vê-se que teria sido v~r- les viesse a irealizar obra com• nhagen, se O quiser, um hlS• para.v~l a d~ Sllvio Romero. torlador Uterarlo. Mas outras Posswr!am fmuras • qu~ lhe atividades, outras preferen- escas~ª':ª~· mas nao .~mha.m elas desvlanm a todos, os três a sua pa1xao pelas i~eias, _a das funções criticas . Aliá:;, sua capacidad~ _de af1rmaçao. Não se confinou ele em preocupações exclusivamente estéticas ao fundar ·entre nós os estudos de doutrina lite– rária: v endo sempre a lite– raLura em função do meio, a Nada de . mais antipático que um critico, quando re– solve dedica-r todos os seus esforços a denegrir, a desvir– tuar, a amesqu~har delibe– radamente, e muitas vezes de má fé, a obra de um verda– deiro criador. Foi o .caso, por exemplo, de um Pinheiro Chagas em relação a Eça dê Queiroz . E' o ca.so de um Henri Massis, em 1·elação a André Gide . Segundo Massls, o autor do "Immora1iste'· seria., pela po– sição que ocupou em face ~a geração de intelectuais iJne– d.iatamente posterior à pri- o ANTI -GIDE ' LUIS MARTIMS dw.bo . O demoniÓ, para ele, não é uma e::icarnação simbó– lica do Mal, mas o p1·ocesso de incor poração, adaptação e possessão do Mal em cada sêr humano. O :iemon i.o nOIJ ten– ta agindo em nós mesmos. Ora., Gide sante certa vohi- ACHUVASOBRE ACIDA,DE meira grande guerra, o anti- Chove sobre a cidade Barrés, por excelencia. Mas– si.s quer sei· o anti-Gide. . Com uma diferença, porém: Gide dlSCOrdava dlf idéias de Mau– tice Barrés de forma impes– soal e critica: ao passo que o ataque de Massis é frontal e dire to, atinll' ndo, não raro, a própria. individualidade do es– critor que é, indiscutivelmen– te, a sua "bête noire". Dir-se-á que o próprio Gide se presta complacentemente a essa anãl!se indiscreta e cru– el, pois é o primeiro a, se despir diante do público, nu– ma ostentação bastante cíni– ca de seus pecados. Mas se é i!<.~o precisamente que Massl.s lhe censura, como se com– preende que entre no seu jo– go, tratando-o da mesma for– u1a? e a chuva inunda o asfalto, difunde o desastre e o desencontro e procura abater as palmeiras que do fim da tarde queriàm apenas - graça plena - as estrelas, Os trovões reboam, espantando os pássaros que vieram refugiar-se no meu quarto. Os relâmpagos, fotógrafos do absoluto. ilÚminam as pessoas que passam - sã.o outros rostos, minha irmã, são as faces revoltadas porque as divindades impossibilitaram os idilios, a chegada pontual a uma casa, o já adiado trespasse com o inefável. As sarjetas recebem finalmente a Poesia. Como são belos e nítidos os barcos de papel que navegam buscando os reinos fantásti~os, os 1nacessiveis ! A chuva tem uma canção. Jamais uma elegia para saudar sua gentileza. Jamais uma ode, um himeneu, uma écloga deploratória. este primeiro estudou, e só quando se sentiu seguro Dj-S suas teorias sobre a nossa formação étnica e social é que empreendeu a sua História da Literatura. "Todo homem que empunha uma pena no Bra– sil deve ter uma vista assen– tada sobre tais assuntos, se ele não quer faltar aos seus– deveres, se não quer embai"r o povo", diz no prólogo da primeira edição - e por aí se vê -:-omo estava. longie da men– talidade reinante em seu tem• po, que via na literatw-a so- pia em se entregar ao demo– nlo e o defeito capital de sua obra é mesmo uma certa in– sistência patética em. nos con– :fessar, em nos exibir, com de– masiado cinismo a sua inti– midade com o amável e es– prrituoso Satã. Oecorie dai que a grande censura que se lhe pode1ia azer não é l)re– cisamente de ordem moral, mas de or d':.m estética. Pro- fundamente individualista e incapaz, como ele próprio con– fessa, de cril,ção - no senti– do em que um Balzac ou um P roust são criadores - ele 11~ dá, em seus livros, uma interminável coleção de Gi– des. que discutem, defrontam– se. ge!iticulam, antepõem-se sem jamais deixar de ser Gi– dei; CGides adolescentes e Oi• rtes matures), como se toda sua obra fosse um imenso sa– lão coberto de espelhos - uns mais, outros menos de– formadores - onde uma só 'personagem recita. um inter– minável Ce maravilhoso) mo– nólogo. Dai a decepção que nos causa essa estranha cole– ção de tipos deformados, mór– biuos, anormais, que pM"ecem ter marcado um imprevisto .. recdez-vous" em seus livros. o seu erro é não compreen– der que a perversão é uma exceção (senM> não seria per. versão) . Expliquemo-nos me– lhor: todos os homens podem conter formas diferentes de pen•ersão (mais ou menos disfarçadas), mas não a. mes– n-.a, e sempre a. mesma, apre– sentada co-:no se fizesse par– te do desenvolviJnento normal de todos os individues. A fra– se está mal consu·uid;i, mas exprime bem o que quero cli– lUJ.'. Assim, o que me leva à in-itação, na obra de Gide, uão é nenhum preconceito de ordem moral, mas a. certeza dt! estar sendo mistificado. E' pena q-:1e Henri Massis tenha transformado em finali– dadf! principal -ile sua vida ll• A grande fraqueza de Mas– sts é o seu " preconceito ca– tólico". A gente se surpre– ende um pouco ao verificar que, no functo, o que mais o choca no autor dos " Faux– Monna.yeurs", não é tanto o seu ateismo, quánto o seu protestantismo ou antes, o fw1do protestante de sua for. mação moral. Glde chega con. traditóriamente ao ateismo através de uma concepção de Deus em qu~ ent1·a grande dose de pa.nteismo. Se Deus estã em toda parte, não está .em nenhuma - o que é um caminho tortuoso para se che– gar à conclusão de sua inexis– tência . Para Massls, porém, não hã. Deus sem a liturgia e o dogma,. Não há Deus sem a IBreja. No · fundo, completa terária a oposição intre.nsl– Meu irmão, deixa que a goteira molhe tuas últimas gente e obstinada que sempre mcveu contra Gide; isso 'pres– Poesias, Pouco importa que amanhã te reconcilies supõe uma dooe de má. von- d t 't' . t.ie - e de antipatia, que lhe com os gran es emas poe icos · · diminui a autoridade e a ela- O amanhã é inconsumível. A chuva te ensina .rlvidencia.. E ' pena, porque, inc:..pacidade de abstração. a ser invariável sem se repetir. Se Gide não a:credita em Df;us, todavia acre<llta no L:tDO IVO onando não se deixa levar pe- (Coniinua. na. 2.• pigina.) • UMA EXPOSICÃO DE PICASSO ..::.> a apreciação da critica ma.Is • ol.ijetiva. e serena, que o tem ANTONIO BENTO como um dos artistas real- Dlt'nte representativos de sua géclias e loucuras que, desde nhi condenar ou glorifica.r época. Nenhum romancista, o começo do sécuio, agitam sua obra. E' mesmo possivel escultor ou compositor vivo a sociedade, trazendo-a em que, no futuro, outr011 pinto. pode disputar-lhe a gloria de permanente convulsão. Picas- rea sejam tidos como os malo– eucarna,r o próprio mito da so é apenas um aparelho sen- res desta época, do ponto de a-rte moderna. Picasso é o .;lvel, que regJstra tudo o que vista da qualidade de ,uas simbolo do irracion.alismo ar- tem de dra.1.!á.tico o mundo Cl'.!ações. Ainda assim, não se– tistioo que tão profundamente atual. Muitos artistas prefe- ria licito deixar de reconhe– marca este século. Justificam- rcm não t.oma.r eonheciJnento ce::- a extensão da influencia. se por isso mesmo suas extra- daquilo que torna esta época que esse artista realmente vaitânclas, audácias e experi- diversa da que a precedeu. exerceu na primeira. metade encias, que estão em harmo- Picasso está à. frente dos que deste século . Era natural, por nia com o· espirito do tempo. se propõem criar uma a.rte no- tudo isso, que os crlticos de Não brotam evid~ntemente da va., embora. seja. certo que o arte agora reunidos em Paris cabeça desse espà.nhol as tra.- juiw da ),ústória poderá ama- tivessem a maio.r curiosidade em visitar a Exposição Picas– '°• na qual estão apresentadas il1'1B pinturas feitas no.s úl– timos anos. Antes mesmo da in:-.uguraçáo final foi feita. uma exibição privada para a critica, que tinha interesse cm.. verificar se o artlst-a passara de fato a adotar o realismo, em obediência a ditames de ordem polltica. Era isso pelo menos o que se vinha. propa– lando, sobretudo depois de co– nhecido seu cartaz de propa– ganda do último Congresso Mµndial Pró-Paz, aqui reuni– dó há meses. Toma4'ia Picas– so posição ::ontra os abstra- Talvez hajam envelhecido algumas drui teorias em que assentou a sua obra, talve21 _precisem ser revistos varios ·dos seus julgamenoos. Mas na orientação, nas linhas mes– tras, o livro continua indis– pensável a todos quantos pro– curam compreender a fo1·– mação do nosso povo . . Espz– clalmente, para. qualquer es– tudo de história literária é e Slerá ,c:em10re uma base rica. - de sugestões. Mafa do que as arui.lises individuais de escri• tores, atraiu a Silvio Rome– ro desvendar o nuno dos a– oontecimenlos literarios e sob eles, os fator~s sociais '.lu e.::o– nom.icos de que resultavam. E fê-lo com tal senso da reali– dade, com tanto desassombro, oomun!ca.ndo tanta vibração e vida ao que escrevia, que se torna d'-! algum modo con– temporâneo do leitor, estabe– lece com ele um debate sem– pre estimulante e fecundo . l!: um mestre, mas um mestre moço e comunicativo que não nos cansamos de consultar, ainda quando dele discorda– mos. Revela aliás a história da.s edições deste livro a sua vi– tallda<le. Só teve duas fettas pelo autor, em 1888 e lOM. Depois. devido provavelmente à timdez dos editores na– cionais, que nã.o ousava,m lançar obra tão curiosa, pas– sou largo per1odo esgota<lo. Constitula raridade biblio– gráfica, disnutaàa nos "sebos" pelos estudiosos de literatura. Em 1943, é afinal novamente impresso pela Editorá. José Olympio; cLesta vez. não sai11m a.penas os dois volumes das publicações anteriores. ma.e; ctnco. por que o sr. Nelson Romero tomou a si a tarefa de reunir t-0dos os escrioos do pai aue pud,essem completar a História da. Literatura. Parecia empresa arrojada, já que ao aumento da. obra, que f-0rçosamente a encarecia, se somava. uma grande tiragem. A salda, agora, da. quarta edicão. ve-m provar que, ao con.trário do que se suo1mh11., nada havia de te!lllerárlo no empreendimento, gue no Bra• ail já há públieo para enten– der .Silvlo Romero. tos ? Era o que todos dese• javam saber. Pelo que pude verificar, em con.versa com diversos criti– cm:, d& França como de outros países, não foi boa a impres– são da ma!ori'I.. Picasso conti– nua a fazer experiências, ex– pondo trabltlb.os que não de– veriam aparecer em público. E a proporção -dos quadros de valor secwidal'io é sempre maior que a, dos bons, como tem acontecido em su.a.s ex-• posições. E mostra-se aínda. versátil e eclético, passando do estilo abs•.rato a.o figma– tivo, sem a menor cerimonia, Desta vez, não hesita mesmo em imitar ao próprio Matis– se, num quadro 'tle qualida,a ContiDúa na 3ª. pagina I

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