Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1949

AR E Pará-Belém Nauuco foi tão harmoniosa– m 't'ut!! grande nas feições co?r~iexas de sua vida, que lim pussivel seria opinar em qual delas, isoladame., ·e, foi (ma ior. l'ara mim, q· apre - cio nos homens e:r · todas as virtudes - a v,_ .1de di– vin:i, das lelras - conquanto cul ~úe a obra politica do li– benador, a ação h umana do imr,loma ta, fôra sobn -tudo ao ai:tkta , ao escritor, ao litera– io que levantaria a grande e ·tt,t-.,a. - 'Ião radiosa a sua figura, tão profunda a impressão do !homem e do orador, que do– minam a impressão da obra escrila. Entretanto nenhum tempe– ramento guardou fidelidade ru ais ardente ao culto da arte . UP graça n obre dos movimen– tos, a correção aprimorada da ügura, feita para sobrepairar às multidões, e um enleio inexprlmivel que se exaltava do seu todo sem ele o sentir, eram como a luz de um as• tro. · En tre todoo a sua pessoa era a mais distinta; sua es– tatura, a mais .Iirme- e ha r– moniosa; seu sorriso, o .Jna1s doce; seu olhar o mais ex .. pressivo; sua palavra, a mais luminosa; seu gesto o mais encantador ; sua cabeça mais bela, a mais adorável. No., arredol'es da luta seu combater era o mais galhar– do: suas armas as mais rigi– das; suas aspirações as mais abnegadas; sua serenidade s. mais heroica, sua verdade, a mais !impida; suas idéias as mais subidas e puras . Deste conjunto nasceram as suas facilidades, as suas vi– tóri as, os seus êxitos . Sobre– t udo a sua grande felicidade: Domingo, 21 de agos to de 1949. u OLIVEIRA VI ANA diante dele senão havia obstã– culos, que todos pareciam a– ll1anar-se a só presença do predestinado. Eu diss 0 de Na– uuco que foi até cel'to ponto o mais feliz dos :Jrasileiros. As fadas cantaram-lhe no berço todos os hinos: - os do amor e os da glória, os da beleza e os êla força. A sua mocidade foi alegre e triun– fan te, como a dos jovens guerreiros que a ~itória aca– lenta e as mulhê.·es adoram. Sonhos da adolescência to– dos realizou-os. idéias que lhe nasceram, todas exprimiu-as. Oesde estudante &entiu a.s roercês da popularidade e da fama: - o culto cic.s cidadãos, as flores das crianças e o olhar das mulheres. :!!;. eti– quanto o mundo lhe iior<~-s– cia em atrações, o seu i.ünl– so conlin L1ava bom e as suas Idéias claras como as dos deuses . Nes!ie corpo apoliuio cantava uma alma aligera de boêmio discreto, de compa– nheiro jovial, cuja in timida– de era ca tivante. Um couJun– to maravilhoso. No espirita de Nabuco pen– so que a justiça e a liberda– de, as suas grandes asl)ira– ~õies e os dois fundamentos de sua ação politica lh e sor– r11'am numa irradiacão de be– leza. Todas as suas Imagens do inundo. t0d'.ls :is suas id ea– liza(.'ões de prc.::ador se lhe tra11sfig•1ravam n am sonl:o de _ T :UTER TU h armonia. Nele o mundo substancial sob as aparenctas elo , estadista, ei-a o do esté- 1a. Como tal foi ele o pen• sador, o critico, o historia– dor, o estilista. E, coisa cu– r iosa, em !;odas as modalida– (les da sua obra, Nabuco, que era orador de nascimen– to, não fez oratória . Outros há que o são, a to– dos os momentos - oradores ao pensar; oradores :io escre– ver; oi-adores ao agir. Escre– vendo, Nabuco, que tinha o gênio da eloquência, não foi um r etórico. Enquanto pen– sador, as suas ~éias são 1,,,, de um cético nostalgico <!a religião. N'.l.seeu-lhe a- crença não aa sensibilidade, mas da r azão. Ele cria na"- eficácia do ideal religioso como os gr egos dis– cípulos de Sócrates. P ara mim a elaboração do pensamento em Nabuco, a ntes se :Cazia por ld~ias do que por ima!\'ens. Seu espirita era ruais abstr a~ N. 132 to que objeti vo. Veja-se CO• mo exemplo os "Pen,Sées dé• taohées" e certas pãginas da "Minha formação". Nã-o obs– tante os conceitos, as vistas de conjunto, os transuntos objetivos do mundo, .,claros, perfeitos, transluminosos muitos há nas pàginas mag– nificas de pura criação sub– jetiva. A grande alma exalava-se na limpidez de uma jmagina– ção onde a refrangência da vida por mais aisada, revela em muito, matriz pessoal do pensador . Assim o a<lmil·o e o con– templo em todos os instantes da sua carreira - desde os a>rimeil·os versos, no Reeife, até os últimos discursos em Washington, autênü co homem & letras, rdrangendo todas QS !:ensações, partilhando, dis– entmdo, assimilando e cola– lborandô na civilização de seu l\empo, com a paixão de um JOAQUI/\~ NABU CO Das influências que nele agiram até a última fase, preponderou sempre a de Re– nan. Foi talvez seu único mestre. Sua ú nica in tensa paixão literária. Ponto em que me quisera deter , a ,·i impossivel, fora o de Joaquim Nabuco h.L~loriador, porque no gênero do "Um estadista do império" ninguém o excedeu em nossa lit.eratura. A nar– rativa aí a-tinge às vezes tom de uma eloquência e de uma g1'andeza que não conhecem maiores em nossa lingua. O desenho das figuras, a re – construção do cenãrío, a cri– tica da época e a precisão scrilor univ-ersal em cuja •rganização houvessem as as- Naf>~oo pertencla já à til • 1>i.rações do século e de cujos tim geração de parlamenta– ,eru;i:.. ,mentos se inspirassem J-es,, em que os oradol'es, s~,:timentos e as idéias de mantendo embora a linha • e>.:$ cuutemporâneos. •. tra<licional de nobreza e àig- f·;, m ele não havia restrln- :n.idade, não afetavam mais a «ir a vi<>ão ao ambiente, à pai- toada intencionalmente, solene 9agem, ao horizonte que o d d d 1 I é · tin: mdava . Subia a monta- os ora ores o o. mp no e da maioridade . O seu alto ,>ha, e, nivelando as frontei- sentimento estético, o seu bom ras. o seu olhar distendia-se gosto con~erutal 0 afastavd, IObril o rr.un do e os seus pen- aliá$, desse gMero tribunicio, lamentos sobre a. humanida- cujo maior representante, por ~e. Daí o não ter sido o que 1· ãr. · J:t le chama um escritor brasi- mais iler 10 e mais cu o. foi , por certo, Sales Torres - leira . Por mais penetrado do Homem , Nas suãs ar.raneadas ,ne:o, não havia nacionalizar aquilinas _ou na veemência .., seu espírito . Devemos-lhe das suas apostrofes, nunca aia ·•Minha formação", uma d escaiu nos preciosismos da eon.fiss:i-0 esclarecedora: "Sou ênfase e pode manter, de an te~ um espectador do meu uma forma invariavel, nas -.;é"1:lo do que do meu pais". suas or ações, esse equilibrio 1?;,ra destas considerações, o atico, que os temperamentos crY·~o que &e der a um es- verdadeiramente artísticos sa- ituc.J completo da personalida • t ae e da obra !iteraria e social bem sempre encon rar, m es- m-0 nos maiores la nces, de "1e .Joariuim Nabuco (o sr . inspiração e entusiasmo. 3osé ·v erissímo a teve-se _ ao Este dom, e 0 esplendor dU comentário por assim dizer suas metafôras, e a sonori– formal do escritor, processo de dade da sua voz, ampla, eomposição, tema das obr ;;s e cheia, de uma du1·eza de tim– C!arater do estilo) e tentar a- bre incomparavel, destaca– p reender nos traços da bio- varo-no vivamente e 0 singu– rrail'l. e psicologia integral do larizavam entre os seus com– •emperamento, as conqUlstas panheiros de parlamento, a - triunfos do homem público, queles oradores lúcidos e fa• llá de conceder, por força. ceis, que dominaram os últi- uma lar ga par te do conjunto mos decênios do Império ce privilégios que deram a Cotegipe, Murtinho campos, Joaquim Nabuco in cÇ1II1-para- Ferreira Viana e Lafayete . v el superio1·idade pessoal no Neste ponto, a contribuição seu tempo e no seu pais . das provincias parece ter sido !Nesta indiscutivel superiori- especifica, cada qual ao seu dade colaboraram as seduções jeito e indole. o sul, como ele seu !lsico, o vigor da sua Minas, São Paulo e Rio de lnteligencia e o equilibrio de J aneiro, deu-nos oradores 1uas virtudes integração ma- graves e sensatos, como Euzé– ravilhosa de elementos que o bio, Itaborai e Uruguai, dis• 1txtremp.ram e lhe deram en- d ·ed d tre os contemporâneos O sê• cutindo com gran e seri a e lo má<rlco de obra prima. as a tribuições do poder mo• b • derador e a fala do trono . Tals privilégios naturais a.!• Pernambuco, ao contrario, aegu.ram-lhe, de principio a 1ua carreira, a direção ova- trouxe para aquele ambiente cional. Tihha de subir, natu- austero as audacias, os en, talmente, por determinação tusiasmos, as impulsividadcs llllerente ao seu feitio, como do liberalismo radical. Na 11.m rio corre, uma árvore bancada baiana, os seus ora- r.resce .. . dores primavam pelas decla- A sua missão de orador - mações cintilantes, os remo– •eleza lúcida de grego - a ques, ironia âclda., a elegancia Pois bem, dessa literatura imperial seme da, tratada, crescida na estufa do Parlamento, a flor ,nais pura e mais bela, a flor mais fresca também, a derradeira, é a obra de Joaquim Nabuco . Flor de es1ufa, sim. não se pode negar . Flor de um longo artificio imperial e parlamentar. ainda imperfeita• menfe radicada em nossa gleba informe e rude - mas flor de um longo calor de equilibrio moral e de serenidade de carater, de cultura da lnteligencia e de educação do gosto . Joaqui~ Nabuco não foi um artwa total e apaixonado. como Castro Alves, nem um puro parlamentar, como Nabuco de Araujo, nem um amargurado. em quem o senso poliiíco e senso tsié:tico se disputavam como Raul Pompeia. Nabu– co foi o último momento feliz de uma raça e de uma instituição . Ele veio como expressão literária p alpável e viva. dessa longa inspiração des– perdiçada para as letras entre as paredes das duas Câmar as. Nabuco foi uma fusão, uma sin• GILBERTO AMADO e a sutileza da dialéllca, o~ sofismas esco1Tegaclios e essa estratégia desconcertante dos vocjs, em que era mes~e o velfio Coteglpe. trocadllhos mentaü;, dos du- · O que, porém, mais nos en – ploo senti-0os, das frases eaui- canta em Nabuco é o artista NABUCO JOAQUIM NABUCO TRISTÃO DE ATHAYDE lese, uma harmonia . Como mostrou Gr aça Aranha. em páginas admiráveis de penetração e de carinho, ele desceu da aristocracia à plebe para melhor rea– lizar o seu messianismo Foi um nobre e um clássi– co. Sua obra de historiador é, até hoje, o que de mais elevado e justo· escreveu sobre o segundo rei– Dlldo. Sua obra de publicista é toda ela impregnada do mesmo sentimento h armonioso da realldade . Sua ela palavra. Dá-nos a sua doou.mental deram a esta p1-osa uma suave ia:npressã.o obra vigorosa um relevo ex• de repouso e de sereniàade, traordlnário. ' i:om os seus periodos flúidos E agora chega a m1nha se– e m ansos, de um andamento dução: o estilo de Nabuco. quase imperccptivel, como o Estilo de ritmos renan!anos, das águas dos grandes rios período curto, giro ágil, so– na 11roximidade dos estuários. nor idade de ouro, clareza, mo– Sente-se ali a. atenção v!gi- vimento, ' relevos brandos, lan te do ·artista, moderando a t ons nítidos, todas qualida– correnteza da idéia, salient-an- des da prosa francesa. do a fl uência do estilo e a Ele próprio a confessa. :::r an – amplltude dos seus ritmos . cesa de nascimento . Mas ain– Mas, de tal maneira o fa z e da, há de coMidel'ar nela ;;. com tal arte, que desses ca- fumesa da expressão, a pro– rinhos de feitura mal se a- priedade dos vocábulos, a vl– peroebe o leitor. véza. da luz, a intensidade tlos Não sabemos se Nabuco te- efeitos e os lampejos súbitos ve reaL'llente uma grande e rápidos soabrindo ao leitor, cultura clássica; mas, as suas em meio a certas páginas ma– maneiras literárias parecem ravilhosas . . . revelá-la. Hã em muita,3 das O trabalho dure estilo re– suas páginas, a pausa, o equl• corda a alocucão do orador, e librio, o claro ritmo tranqui- a frase lhe fluia faci'!, sal– lo das belas obras gregas. tava-lhe em cadencia ou ta– Nenh um dos nossos escrito- gulhava-lhe em ralo, mas r es possufa como ele, um cu- nunca lhe escorria na diflu– nho tão acentuado, essas pe- ência, continua do.! verbosos. culiaridades áticas da forma. Ainda neste estilo o que Sobre esse ·aspecto, ele nos n os seduz sobr etudo é a su– parece único entre os nossos perioridade pessoal do ho– escritol"es, como Renan o é nem, d•e que é nos seus ca– entre os prosadores franceses •acteres, a ex.pressão mais contemporâneos. luminosa, o equilíbrio magni- - n y a de Ia fievre - di- lico do espírito e do coração; zia Zola do estilo de Taine. a consonãncla 1·itmica da ima– Os nossos melhores escritores ginativa com o raciocínio ; da padecem, em regra, como Tal- capacidade critica com a ex– ne, dessa trepidação febril do pansão criadora , e ainda com estilo, sorte de nervosismo ou traços íort~s do caráter o a– pressa, que perturba de eer- - mor, ilustre da glória, o or– ta maneira no leitor a per- gulho de suas ações e as suas cepção integral da emoção es- obras, o culto consciente de tética. Nos seus últimos escri- sua !Personalidade. Estão ai tos, Euclides da Cunha, por neste estilo as gl'andes qua– exemplo, nos dá às vezes, a lidades de Nabuco, excelente sensação de uma rapidez fais- dominador alroso dos salões e cinante, que chega a ser in- das tribunas, libertador de cômoda. Mesr.o Machado de uma r aça, glória de um con– Assá, a despeito das "uas ca- tinen te.' ract~1·isticas de a ticismo, nã:l Tão grande era este Nabu – se pode eximir, de todo em co que, no Brasil, onde não 1i0do, a essa tendêncla, é costum:e fazer j ustiça aos Em suma: Nabuco escrJtol' ~randes homens, todos, abso– era Nabuco gentlema.n . O es- lutamente, todos, se harmoni • tllo era nele, mais do que em zaram na aclamação de que r,ir..guém~ o homem. Ele ve11~ outro não houve assim com– ti a a.s suas idéias como se pleto: belo, bom e sábio: a • ve:!tia a si mesmo: com non- beleza mais nobre· a bonda- <Continua na 3ª. pag.) de, ma.is forte ; á. sabedoria mais fecunda. obra de pensador é toda ela repassada daquele sen– timento do divino que vímos na raiz de toda liter a– tura imperial. Foi uma grande alma . E a inteligên• cia não se destacava nele como atividade isolada. co• mo habilidade especial, o que é tão comum. - mas harmoniosamente· se integrava na unidade interior que sempre guardou . Sente-se nele o equilibrio de todas as faculdades . Não foi um gênio criador. Não foi um espírito inventivo . Não era essa a sua mis– s ão, nem o segredo de sua origem . Mas chegava jus– t amente como a despedida de um regime, como a úl– tima flor do Império e .não como iniciador de uma era nova . A República não podia compreendê-lo, nem ele a ela - apesar de se ter batido pelas duas gr andes idéias politicas que levaram à República: a Abolição e a Federação . Tinha-o suscitado o espiri– to do -Império brasileiro . E foi ele quem veio fechar a porta ao império, com toda a beleza imperecível de um gesto discreto e fidalgo .

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