Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1948

• • • • • ...................................... ~.....,. ................................ .,.,,.,...,,. ...... t EUCLIDES ""''#-~-~--- --~J Homem Pequenino AUGUS'J:O FREDERICO SCHIMIDT ALFONSINA STORNI Homem pequenino, homem pequenino, solta teu canário que ele quer voar .. 1. ~ • n (Copyright E , S. I- com exclusividade para a FOLHA ·DO NORTE, neste Estudo) sou eu o canário, homem pequenino, deixa-me saltar. CARI.CS DRUMMOND DE ANDRAD~~ ~ R I O - O livro do S r. Sll'v io R:ibelo. sôbre l:uclldes da Cun!1a, recente1n.nte pu.. b l.c.:do, ~tá longe de s,r urnc1 obra desinteressante ou imp~ovisada. Trata-s~. ao COLHá:·io. de trabalho sério, m'!dit.:ão e documiantado. e que vem tornar atual o au– t or ,:los "Sertões". Euclides. at~ aqui, não insplrara um estudo de conjunto, em que lllllí \'ida e o sentido de sua o'b· a ,ofccsi;em a análise e interpret,u;ão de que ta.nlo cat'eci·:m. A íigura do ho_ rnem dlficil que s .nti1,1, como ne.n1,um oulro, o drama da vid:i. bra,.ilcira, no seu as;:,e_ cto d~ conflito entre a terra e a riça, rssa fi~ra. d1J Eu– cli,ts meio bárbara. que não p ertence apenas à literatura b r::sLl~ira . .l):'las também ao ci.ue é a própria cronscie:ncia. do Br:tsll. não tiv:ra. por a~– si.m dizer, a i,un Ih.::ação an,_ pla em um Uv1·0. que fôsse algo mais que un,a blograiia, qu~ uma história linear - sucessão de iaios, culminan_ do no oconl~cimmlo dramá– tico. O Sr. Sílvio Rab lo e.s– crev1.>u o ~eu 1iv1·0 à luz de u m duplo ioterêsse, que é o dtt identiticação de Euclides d1 Cunho. personag m com a sM obra - o autor e o dr-a_ nl:i, caminhando num mesmo llfUlLid:; e, e1n segu;õa. o dl 1'eslirui~iio de Euclid~s a u~a zona de compr:ensao 1na1s co1Te1,tl con11 r' ndo essa tendcocia de d lrluamet1to da obra e da pessoa hum:l!13. dês.se -cscrílor que tem 1·~?:11S.– tido. oté hoJe. às aproxuna– ções e u1t.lnlidades. • • • O riue distingue a contri– buic;1Io d~ Euclides da Cunha, em ncss::is letras, é ê_ss; sen_ titio de deserto brasileiro. a que alude o Sr. Sllvio. Ra_be_ lo, s~nlido não .apenas llt?– rár;o e configurador, mas subilt9I\CiJ1 e lrú-giço. Eucll– ces sê sptoximou de urna na– tureza cont:ircida, ásper.i e d..ilicil. de uma 1mlur,za ain. da virge1n e que não suscita– ra n;q palavras para dese1·e– vé-1a e fez dessa natureza, dé.ss.c' mundo, d'SS!I. renlídade .. ,1 • • ignorada, a propnll ma1en:1 da sua criação. Não aconte– ceu com Euclldes o que acon– tece invariãvelmente com os noE.Sos escrilorzs. principal– mente con1 os pálidos que :Calaram di terra - essa in_ capacidade de domínio da p:üsagem. essà mistificação iinvoluntãria, essa d~licade7a artificial. Falindo do mitr:d> t isico. dêsse inundo que ele via nas sua$ per~grinações a Canudos e à Amazônia., E,u_ elides é u.nt galo Q.e cau1ptn::>. Crista a~.s1, -posição •d? lu– ta. Sua palav,a, por vezes p edan·te, provoca a pa isa1-1e111, e nP\'enta, _ corajosamente, a p ob1·e7.a das ,.st:radas desajus– fadas,, d:i yegetação r:).,•~;ra, <los cactos, dos arvo1·edos es– torrlcâdos ou o d~mantêl'.l, a "desordem. o bá rba-i·o e in :t:.-:i_ bado ·do luxuriante amazôni– co. É 11m ho.m:?m que respon– de agressivamente às im.. p ressões agressivas de. paisa– g ens ári-das ou excessivas. J:'Tentl1m1 outro ll'SCritor in– ~ tiria c;on l'ta a terra, con1 as pretensões <lominador3s de Euclides. sern s ~ perdei·. Seu estilo é u m desafio per– m anente, es'.á nas fronteir:ls do ridfculo. l\1as, na verdade, fica sempr.! aquém dêsse de– sequilíbrio. dessa pedantaria, d ês.;;:! ridículo. 1} que no es– critor rico e têso. o homem grande, o homem ,era um orte, realmen te de - u.ma . fôr – )ea diferente, mas autêntica, ~ nos ,quadros descritos, nos lllesertos e ns:s desmanteladas ,terr.is , havia um ponto de r eferência-, uma n ota de sii1- lcera emoção - a d o homen1, .b1c110 realmente per~~guido /ttitw-ado, em luta. com os eJ..einen.tos ou. no maior e mais ,trágico dos abandonos, dos esq:ueei,roenlos. nú, no gran– ~~ deserto, desprovido de r~cnrso.s para a sua gr•,... .. '! an~ão de povo3.,r. de ~ ulstir o ~u plis ern ~odos OS f'IU<tdr~'11 I"', (Exclus ividade d:i. FOLHA DO NORTE neste Es tado) • ..__ O Sr. Siivio Rab~lo se re.. :f re a n1u l!.UclHles i,:t • .'.~sa– do no enriquecimento do seu i n.st ~umental per.,egu.ndo p1- lavt'as, anot:indo fras~• que lhe pareciam novas. procu.. rando, nos simpl1?S. o flcmen.. to na.lura! que éle iria, na hora. da orquestração, misLu– r-ar, compôr e (undlr com o seu modismo clenl!fico. com a sua ü·aseologla por vezes suspeita de tão \' rde. A história de Euclides es– critor é uma grande vhória, e. 1naior vil~l"la, a 1nais es– tranha v-ilór1a de nossas le.. tras. Não sei, cão me lem- (Contlnúa na 2. 1 pág.) Estive em tua jaula, homem pequenino, homem pequenino que jaula me dás . Digo pequenino porque não me entendes nem me entenderás . A inscr1çao comoveu-me inlensameo~?. e dei conta a Joel de 1-1,inha perturbação . - Você está venao? Apnrentemenle Joel não s~ deixara. invadir pelo sortih:_ . i gio das pal.llvras. Sua !!ll_pe- ~ rioridode! - "Delic:oso sorvei,e d~ Tamp...,uco te entendo, mas enquanto isso abacaxi. .." Nunca tomai isso. abre-me a jaula que quero escapar; - Eu também niio. resoon_ I · deu o fortissimo Joel. Deve homem pequenino, amei-te meia hora_ i ser uma porcaria - • 1 ., Eu sabia que Jo.l falava ... nao me peças illél.1S • t de boca p-0.r:1 fora, e que a .. " idéls. de sorvete, exposta de } TRADUÇÃO DE MARIO FAUSTINO i ~~~~ tã~ iY~ 1 tªqua~to tã~ J , mim pr 6pr1o, -não lhe podtn ,....,,.~.,.~.......,......,.~...,.........,....• .,............. ..# ........... ~ ser tndif-ere:nte. e muito me 4 --------------------------------------~---------------- - -- • • Domingo, 29 de fcvcreiri> de 1943 BELt 'M-PA.RA ----- ------ ~1. G8 ~w~~..,_..,.,.~~~~....,..,..,..,,.,,...,,..,._.,.,.......,,.....,..,.~.,..,..,,o,,...,~~..,...,...~~ ,. ,. t (, .. , • . i ~-##'~##-#<#~............,,~ ~~.H'###'##-#####~~ R I O - E..tou convencido de que os amadores que não &~ deixam penetrar pela. mú– sica moderna assim o fazerr1 em grande parte porque não ouvem os autores atuais com a m.ismn assiduidade com que ouvem os clássicos e os r omántícos. No Bi:-3sH. na v=rdade, o ambiente não é Cavorã,·el, pois não possuin1os ainda organizações culturais capazes de ie.ducarem os in– teressados no assunto - ape– sar do es'fórço isolado de aL guns verda-deiroSc heróis. Há meses. pregava o co_ nhecido critico m~cal Sr. Eurico Nogu:ira França a necessidade de se fundat' uma Sociedade de Música. Modarna. Só pode,en1os aplaudir sem.lhanle idéia, QUê desejamos se torne em breve concretizada, - sa bem que p :ssoalmente achemos qµe a etiqueta moderna obedece mais a um critério prático de r eferência. do que a uma rea– lidade 11:slética ~ filo!ófica... De (alo, poderemos cha_ mar, por exemplo, Debussy, de músico moderno? ll:le j á é para nós um clãssico. E que é clru::;ico. no nos~o concei_ to? Clássico é o aut.o,r qu.i) permanece. cuja obra se t l"ansmit_e de geração ~ gera• ção, com inte.êsse e vulor sempr, renovador e univer_ sal, Não rei,ta dúvida que Debussy "fica". Portan.to, é um -clãssico. Não devemos observar os códigos convcn_ cio,nais de classificação se– ~do ê'pocas: Bach, por exempto, é clássico, porqu~ permanece; é também mo– derno porque prod uz vastas ressonâncias no homem do hoje: é m1lis mod~rno do q UTi) Slbelíus, por exemplo, que ainda está vivo. Os recalcit.ra ·ntes precisam abandonat· a falsa concepção de qlJi~ .a música moderna foi fe( ta da noite para o dia, por meia dúzia de ma tuco,s q ue só se preocupam com ex.. teriorld11des e s :nsacionalis– mos, fazend{) ba1·ulh.o com elementos do "jazz", ou es. pantando o burguês com di9- sonâticias ásper~. A música mo<ierna,, ao eontrãrio, só podê ser compreendida 'l)Gr ql.l'ém a.profund àr o espirita da velha. música da polifo. •nià e da música i'omânbica.. . Da~ t~~rlções. ali.ás ~m MURILO MENDES • (Copyright E .S . I ., com excluslvlttn,le para a FOLHA DO ne•lQ Estado) NORTE, bas~ certa podem ser f-elt..s à música moderna: 1. 0 - corresponde a uma .rase de transição social, aceleração da luta d, classes e dtminui– ção do pâpel h.istóri~ do • Só o efêmero da beleza é eterno, o mais, tudo é fugaz e se escoa entre os àedos como o vento. Uns mais velozes. Ao céu, seria como retornar à infância sem a sombra parda do abutre~, Não só os olhos, fenecidos o~ seios desfolhados, jazem • apenas, como vestígios de que. foram ,. • • , ,oi .. e em ansia, Ja nao vivem. :.., Entupida a ampulheta mas, de fino, em agonia, - as horas escorrem. ,, • O tempo é o horizonte de todos os caminhos: E a beleza que à fonte. vai, não volta , • FJ:JR,NANDO FERREIRA D~ LOANDA 1 • • ' individuo: 2, 0 - ·api:e-5enl.aJ ' um excesso de pesq111sas e ele complicações leóri~, pat·d,;ndo em ingenuidade ou espontaneidade. Estas resLrl~ões, rep,ito, lêm base. na realiiiade: - mas o fato é que nenhum composi– tor modi.rno tem a. culpa disto, individualmente.. Sem_ pre achei, e continuo a achar. que o inclivíduo (sobreLudo o individuo de fôrça criadora) reage sôbrc a. sooL !da.ie ; mas não há dúvida que mo_ denl.81Dente o grupo social pensa demais sóbre a forma– ção e as reaçõ-,s d? indivi– duo: tal fenõn1e.no de fácil observação, intlui poderosa_ mente. sôbre a criação arti..s. tica. A tragédia social envolvi! d,e todo, os lados a pessoa mais desaLenta e dístraida do mundo; a tragédia social for– ça. a consciêncla dos incoru– cie.nt ~s e desencadeia possL bllidades ado,rmecida,s en1 p,riodos de maior trànqui!L dade coletiva. É por is,o que de há muito acho aca . dêmi-co discutir a participa– ção dos artistas na lula soei_ al : queira ou não queil•a, to- do mundo h oje par ticipa. Não é preciso entrar em ne– nhum partid{) polilico, basta entrar numa. tila •. , Quanlo\à p i-rda. da espon– taneidade ou da ingen\lÍdade: isto e devido a um encadea_ miwto de motivos muito complex-os, que cerlam; nte não iremos desembru.lbar n-quí; mas basta, reflll lLr no carâ~er eltcessivamen~ polê_ mico da nossa época de a– gressão e de incomparável mal-est ar social, para ver que ás duas 11:strições pro_ cedem arinal da. mesma orL gem. Existem, entremnto, mui– tas tentativas d.e recupera– ção da sitnplicidadi~• .isto é, de captação do que ex:iste de essencial e permanente na alma humana; de qu..~ são testemunhos as sucessIV'lls "voltas" a. Bach, a Scarlatti, ri Mozart, a Pergplesi, etc., lontativas estas, de reslo, não Isentas de p arigos, visto os compositores se entregarem muitas vezes a pesquisas de laboratório quo pod-m re_ dundar num ri.rti!i.cial:scmo in. (Contínú.a na 3.n pág.) nos repugnante,. Eu, como os delicados, p rocur:i va ca1i _ vá-lo no lnterêss,? de uma pt·ofunda alteração do nosso programa . A saõer: c3nccL:L_ ría n1os a sessão do· cineni!I, e com os (und<is disponLveis atac::riamos o sorv~te de a– baea."' i. Notei qu~ outra cojsa não desejava Joel. mas ê da psi_ çologia do chcl,e. que muíta.s vezes pre(er~ cor.e d.?r ),or magnanhnidade o que contavt f.izer de YOnl::de pi·ópria. Na realid1,de, o ch"fe não concede nuncJ, d\;.,, parece ests.r semp!'e se dob'r:n•do: e assim cultiva ih.:sões úteis. Meu de~ejo d , lràcar o cln.e– m3 pelo sorvete era porém lão evidente, que J o~l l'sceou talvez satisfazer o seu. de U.J'l.\ modo qll-e p5-rece!9~ cepitu_ lação r:ial a u111 subord.wsdo. E~ l.as c;o ~"~ im-ag.no hoje. porque então não ncb 0 i sen. tido na íiuneza cem que <?te con1andou: - A g nte já tinha resol_ vido ir ao c1nen,a. agora o j eit-0 é il'. O sorvi?te fic:i. pa– ra domingo que vem. 4 Sem Joel, eu não n1e arrt<;_ ,-_u4 à nventu.r~ do sorvet,.:-, Entre duas privaçõe.;. a do sorvel:? e a de Joel, re.iign"i– me àqu.l:i. E a ca1npainh:1 da porto do c:ne1n:i, como um~ ç igarr .:i zi:l a. Pois V'3- mos! l\llas, quE m dis..:e que o de– senho anim<tdll, com l\Ju\l l' Jeff engatinhando nas prl. melra,; tent:ilivas d~ fixzçâo da person,111,i'm ideal. ~m pr-<'to e branco, logravan prend-er-nos? Quem dls.,e qu_ a comédia de Carlito ... ? A mais simpl~ comparação 01 dois prazeres delerior11 o qu1 tstamcs depfrutando. e ofere. ce o risco de corron1p~r o se, gundo; se chega.mos a. atingL lo, pela indisposiç:io em que nos deixou o fracasso ão pri. meiro. No escuro, >EU pro_ cura.va encontrar no rosto de Joel a tristeza do sorvete irustrado. e so lal sentimen– to não s.~ manifestava de u.ma nlaneira irrecusável, a. verdade é que pelo menos tivera suücicnle poder para. cli1ninar todo lndfcio de sa_ tisfaçã-0 ante .as proesas es-pc– taculares que William Fra. num desenvolvia na t~Ll. 6a1vando Louise Lovely - ou ser,am tatv~z outros as– tros o outras esLrelafo Arr,.pendimento da prolbi• ção imposta a mim 1nesrflo e a t1m amigo. Insatisfação. es. pirita de a.ventura, volubilL dade da alma humana · ou qualquer outr❖ móvel não es_ clarecldo, o certo é que Joel culucando-m~ o braço, ll\Ut• murou: - Vamos lá, vamos? .• • Eu sabia que ''lá" era 11 confeitaria, pois o sorvele de abacaxi entrara comigo no cinema. sentara..se na mi11ha cadei{a e. embor.a. o soub.~sse frio. queimava..me. Fomos à conJeilnria, tem. plo misterioso onde se escon– dia, na parl~ dos f undos, ve.. dada por uma portinha <te v idro fosco a essência ima• nenfe à coisa ou palavr a sor– vele, e que meus pobres sen– tido.s se aguçavam para. in.. terptetar. O garçon rupositou culda– d os1.n1cnte sôbre a toe.lhinha alvu. dois copos cheios dágua, do.is guardanapos d.e ,pap el, com .florzinhas pálidas, e duas tacinh.ns de vidro, con– te11áo, cada uma. delas, ttuia esfern de um.a substância al• va. e bi'ilhante.. • Crianças– de cinco anos de,tprezarão a minha. narrativa; e' já ouçc> um l eitor m-llduro, que :m.e lnterrotnpe: "Afinal és-te su– j eito quer transform-ar o ato de tom.ar sorv~te nwna, cena hist6rlca!" L ~tor irrit.ado não é bem fsso. P .eço n_penaii que te de.bruc09 sôbre. esta tnesa a cuja ,roda h4 dois me4 ninos do mais longe sertão. Eles nunca haviam santftl <Con~(núa ntt 2-.ª 11W. •

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