Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1948
• RIO - A S uécia e o mun. do preparam-se para cele. b ra.r o centenário do nasci.. menio de Augusl Strindberg, q u e f oi um d os maiores es_ • p íritos d o século XIX, homem. enciclopédico, espécie de Goetne inq uieto até a loucu– ra,, após tol o, cienUsta e mis◄ tico ao n, esmo t empo: w:n p a radoxo personüioado. A té h oje q uando j á n ão e ncon. t ran, eco as furlpsas polêmi– cas en1 tórno do 1eu nome de 1isocialiata, sw.edeqbo~iano e m isogtno co nl.batidiiss ímo, os ' equívocos o. seu r-espeito ain.. • • Dolllinco, 15 de feYe.reiro de .19U Diretor: PAULO MARANHÃO S f rindberq - E O • Teatro novo p rimiHvi~mo em tem. pos de r equi ntes mentirosos e crepusculares ? Hoj e, mui– tos escolher iam e, segunda h[p6te~e; e disso depende a interpl'et!lcão da obra . Al.ém de contar em 6 volumes sua v ida, Strindberg encheu as s uas obras t odas com in úme_ ros d etalhes a uto-biográtit os, . . . 1ncompreensl ve1S sem o c~ nhecimento da sua tragédi.a pêssoal. A'quela. seglllldíl hi– pótese, considerand.o-o como espécie de Pror;neteu moder– no, represei:,.tante sQiredor da human idade contemporânea, de.,cobre :naquelC$ ponneno. res J)l?ssoa is tantos siníbolos sign ificativos que a obra de Strindberg se apresen ta , en. tão, e;omo Suma da nossa (iPoCa, como espécie· de "Divi – na Tragédia" do 6écUlo XX, OTTO MARIA CABPEAUX (Copyright E, S. I .. com axcluairidade para a "TOLH.&. DO NORTE, neste. Estado) Ou então, os seus r omances. contos, clramas, poemas te- 1·ia m sido ap enas r e.ações subj~livíssimas d e um génio e nlouquecido em face de um mund.o fatalmente hostil, aL g,o com..o uma "confe-ssion d ' un ::!ou" em 55 volumes, singularíssimo ~o patoló– gico sem importânci11. perma. 11ente para nós outros ? As obrlls mais "opjetivas" de S trind~~g, as pret.em :â.s ogras científicas, são justa_ mente as mais &ubje liva s, i nextricavetmenle ligadas ãs fases d1o luta e loucura. Os eeus romances nã,o passam de pan fletos v igorosos. cheios de ódio contra a sociedade con temporãne.a . Nem se po– de esper ar outra coisa d a s ua atttobiogra ü a, embora o vo_ l ume Inierno já provocasse a. ad1niração dos p siq uiatras, pera exat íssima descr ição dos sintom:as paranóicos. Até nc,. gênero q ue requer o maxL mum de objetividade, no tea– tro Strindberg é subjetivo; tod,as as suas obr as dramáti.. cas 1·eferenu;e d iretamente a a contecimentos da sua vida; a té o ciclo P.e tragédias da hist6r ia su~c:a est á chei.o de alusões anacrónicas no mes– mo i.en1ido. · Contudj>, é no teatr o que Strlndber g ,e en. r ,I :NUM, 6S . - ·- - ·- oontrou com 06 anseios da é poca, criando um d rama no. vo d e repercu liiSâO un iversal e cuja influência ainda abri– r á bo1·izonles novos. S trindberg conquistou o teatro universal com suas ob ras da pr'...meira f ase, cha– m;a'<'la na turalista porque os a.inbien tes. a maneira d e tra... t ar o dial ogo e a prevalência d e te.ses soc'iais lembram o con.t:mporãneo Ib"sen. O falo d e q ue as t endências de stt,indbérg são, às mais das vezes dc l ibe1·adamente anti• ib.senianas - em O Pai opõe ao f eminismo de Ibsen as acu,çai;ões mais · \)UDge r.,tes contra o sexo !emlmno, e ~m Senhoril• Julla substitui a idéia da "elite aristocratica", tão cara ao autor de Ros– mersholm, pela ascensãc> vi. • • to.riot a do p roletário - êsse falo não invalida as dt?lini• ções est ilísl icas. Outra. dil'.e. r en~ é, porém, mais maroa. da: em I bsen, a construção cênica do enrédo está no prl– n1eiro p la no; em S trindbe.i:J, são os cara-ctN'es, ao ponlo d,e os a contecimen tos exterior es só lerem importância como refiexos d os mov imentos psi. col6gicos Cleut:ro d os p ersi,. nag~ns. A mesma observação io1p6e-se com respeito a psL cologia d os per.sonage113 n01 dramas históricos . Mae1·õni. c a e n G entanto tão verdadei. r a : a rainha C1istina d« Strindberg n ão é a do séclllo XVIJ, ma&i um cará ter de v erdade perma nente. Depois, St rindber g não tei outr a coisa senão p rogredir no caminho da interior.iução. Na poderosa biolo,gia, Dapça ma.cabra não acontece pro. priamente nada: a. peça abte, mostran do um casal isolad~ de vorado pelo ódio mú tuo; e te.rmina assim. Os aconteéi. tuentos em Advento e Pas. coa são d e todo i r reais. sim– !>ólicos. Em Peça df: SonJ,,o, uma espécie de epopéia tfpic;a da v ida ttumana, conforme os e <t ,n c e i to s pessimistas d& Strindberg, e representada como - ação dramát ica pGr meio de uma. séri? aparente. mente incoe.rente de. cen as simbólicas, usa<ido-Se todos os recursos exteriores do pal- • • • co; mus1ca. que exprune. oi. ' ~a n ão se d issipar am. S ua obra. im<nsa : 55 volumes na edição de Landiquist, t ragé... d ias. comédias, r omances. ,contos aut o-b iografias, livros d e ecÔuon1ia. sociologia, bo. tâuica, química, mislica. his.– tória da S uécia e h istória u nive rsa l - constiluem en~ cicl opéô.ia de todos os inte.. ressei! e preocupações da sua é t>oca; -e d.a nossa. ? A in~o– ê ncia de S lrindllerg n a hte– r a t urà univ~rsal so come?çou n o sée?u1o XX, a té depois da sua morte? em 1912; é s cn,si_ vel no c:xi>r es.sionismo ale_ m ão, q ue ,ioflllênciou, por sua vez o muqdo: O'Neill. • slrin• dl>í!'rglàno convencido. e uttfa legião de outros escrL t ores. americanos, russos, ita_ lianos, dão testemunho disso, a té Sartre. a té Faulkner, Cé– lint>, ?.'!oravia. Maxe~ ce v:m. der Meersch, BaroJa, Gta– h am Gr eene. Apesa r de tu<lo i sso. a influencia de Strínd • barg neles é de 11alureza m: ~ireta. S ua obra é conhecida 110 e strangeiro, mas não ge. 1•ahn&nte conhecida . A p~r- sonal idade impressionante de -...•-•-••••-•••---•-•••........- .. H•--••----- • ~-•••.. H ......._.._..,.......,..., escritor esconde, atr ás de si, ~ ,._., ~ movimentos invisiveis, os tantimentos in~aveis, fltco_ ntt.ões que se transformam J)C.rant e o~ O~,!>S do Pl'.\bll~ para sim,boliur_se o aéôl'de) mú;tico e ntr,e a vida humàn~ e a vida dÕ UniverS<>. entre o microcosmo e o M'llcro-cos- 3 ºobra. O livro mais l ido de S trindberg é d e natureza auto_uio~.áfiea, o relato de uma das suas tragéd ias .ma_ t,rimoni:ais, La eonfession d'an fou. • T J'ês v ézes -Augusto Strind• b erg se casou. e. w r três vê– zeif o m a lrimóllio .fi,rou trp_ gédia. N.i Contessloa ••– f.ou d~creve u •~ convív io conjuga l com um,a aristocra• tà sueca convlvio ôe dois p ossessos ' que acabaram odL .aoo~se nior\alm~nle, foi en– tã_o que S trindberg se tornou ro11SCi• -nte das suas origens p.r-ole liri"1S, aderilldO ao SO– ,cialjsino r evol ucioü á.rio, vL 1 \'~ndo -como um bárba,r.o en- t rê camponese;; maio selva.. _gens, d escrcvc!)dO.lbcs a i.i- 1.uaçã1> .econ6m1ca. O segundo easam~ to. .com • uma .escrL , toi:a at11Slriaoa, trans!orm-c-u• , 1 l~e lo~o o idilio alpino "da lua de mel en, inferno; tugiu .pa.. 1 .ra P;trls. dcd (ca.ttdo..se a :tb• , ,n..rdos eJCperimem:qs de al– quimia - não se r.~~iu ~a ; sua mi4éria, mas desçobriu, ~1te cip,ando Ruttle!orél, 09 t elemen.t.os ni lróide.06 no Ili'. D~tcoberla na qual nit}gu~ 11icreditava. porque o alqw– ,mista e $quisj.to et.íu ao m~- • mo tempo cm gra,vc marua ele pe~eguição que desci,e.. veu, com abundância ~e por– men1>res elinicos. no volume aul9-biog,r°¼ficó~ lele910.~ O irevolueionário, angu.sti.ado ~ _alucin.àçõeg tremeruiaa, ytia mfs.lico. budista, swen.. <le.nborgiano. M.as · Strindberg representa um dos raríssimos ~s ~ uma paranóico r~..: • eúpei-ar a saude mental: es• . creveu depois da experiêncit. • in!ei•nal suas, obras mais im• po1-tantes. Nunc:a, porém, cht'. gou a submeter-se ao convl- ,vio normal dos b,omens. O 1 terttiro casamento, com uma ' atriz suéca, também f racae.. IIIOU. As Ultin1as obras de Sbriudbel"g dão a impressã,o .de 'llma. tempestade remota mas a.inda perigosa. Morreu re~clliado com Deus - com um Deus à sua ima– gem - mas não com os bo,mens. Sua obra imensa pa.. rece.se com uma cidade em ruinas. Suma sem conclusões · dejlnitívas; enci,clopédia gµe t t(>;rmin:a com um ponto de in– terrogação. , Q uantos ktos. tantos pro. 'blemu. Devem_se a Slrind– (berg algutnas jmportanteg. ! descobertas cient'J.fica1,, ·ex_ pootas sem método ou antes., 1,conforme Hamlet, com. o mé– . t.odo da loucura. E$S3 Joucu_ •ra pode aer interprttada co_ .mo consequência inelu tável da incq,acid«de de ~trind– ' bcrg c:te subrneter..se as nor_ mas mais elemeql&res da ·convivência humana. FQl um in~íduo patologieam.~te a. social - ou terta sido um. bdoaro, sui:gindo .4.G.$ . ft!n.,. • • • ~ ,:fG prol,etariad5►• · WV~ / dicando 0$ direiíós- . a~- um • • • • ... • • • r • - . • • • • • • • • • • • I I Ã sileiiêiosã espera, ã vá:lsa, O ramallietê ~ o gesto de sofrer, a fronte larga o coração fiel e inviolável : · Forte sou inda que seja fraco e~tr~ ~ angústias reino soqerano l ó drama situou-me entre vigílias ' • e o poema devasta mais que :o aniversário~ • Se sou é para a tirania da beleza -~ poé~ia em mim cortou-rp.e as pert}aS · asas não tenho e bem queria tê-las o Fauno adormecido vive ainda e o Corvo lhe segreda: nunc3: mais~ Po~mas e orações guardo em segredo palavr~ ~e doer tenho· também . !uma delas é Ruy, outra Guilherme, Maria, valsa, outrora, devaneio., · Heloisa já foi e não é mais. - O amigo fiel chama-se Chico, o amigo infiel onde a.11dará? • • • maís ce que je veux voir dans ce matiti .. ·- est le marin :::ans bateau, le pauvre Leli~_ '1 poeta que amei e ainda amo 6 tendre voix: du Quartier hatin•. Geograficamente o· azul é a minha .pátclà politicamente o amor é o meu governo . ... . e o sobrenatural a minha vocaçao. E este gesto de amar que é meu escudo a timidez de amar émbora ame .e este risó feroz que é o meu demonio~, Porém forte sou ainda que seja fraco .. Não passei junto a ti sem lágrima na face? não tomei tua mão sem começão algtima? mas nunca fui tão forte como agorà , ero que disse ao poema: vai-te embora] • BUY GUll.HERME BARATA.~ .. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • - • • • • • • • - • ' • • • • • • ~ • • mo: O ·cume dessa nova arl$ cênica é a tritogia Para Da.. mí.seo, na qual $trindber&: drámat izou a tragédia do se11 segundo ca.si1menfo, ·o seu in.. t.erno. ~ .alquimista e pa.ra– nóiCÓ em Pai-is, ~ a sua coo.. versão ' fi.ÍlaL Ai a,,té a ordem. das cenas não obedece à llS.: gicã da realidade; voltam co– mo os te1n11.s e motiv1>s nJJm& sintonia. ~ t'a f leu f iel .à sa.. preri1a _ va'dadé _ psicológiça; Str"indberg deixou de ... lado todos ós concei tos de ver<>.i. sirn.ilhança, já SeJll importân– ciâ no · seu mundo de reali. dades interiores· _e syper_l~e., . ~ defQrmaç.w de1iberad1 da realidade é o elemento moderno e.m S trindberg, ho!. mem do século XIX que an– tecipol.l os mOdernlsmoi: da, vanguarda de ll>JO. infiuindo depois ·d,e,cisivamenle no ex. preissioaismo alemão. 110 cha– mado ''futurismo' 1 t ti.sso, no teatro irlandês de Synge e O'Casey, e na arte teatral de O 'Neill. · • Essa int.erpret&<:ão da obra de Strin_dbe.rg op6e-se à . oPL. nião usual quanto à veracl. dade aincel'ÍSSima da sua au.. tobiogràfia e até quanto à índole a,utol)iogràfica da sua Obra. Ainda. se compreende, que o ódio e os ressentlmen• r tos tenham deformado o re. 'lato dos seu, matrimoniu, Mas, con.!orme oe estudos re. oeutu de Walter Berendsohn, nem os capi tul09 de Inferno, que i.ml )Nl!Sionavam ta11fo os psiqu{atras, correspori d e m com exatidão à hlstór.u da.– queles d ias : o pare.fl6ico .d6 Pa.t1i.s i-i-veu inter-_valoe luct. dos noe quaja compôs a obra, aoentuand~ cta pro,p66ito os sintomas de loueura. Qcor~. outra vei:J a frase de Hamlet: "Se i$so e loucura, não é sem método". O cá01 mental e so. cial é o assunto da Obra in• teisra. de Strindberg; mas • desordem caótica do seu. es. ,til9 teatral n.io é refl~xo ~– so, e sim o meio artístico pàra. "p6r em ordem" 3s coisas. O& seus probl,emu slo o, de um hometn de século XIX; .mas é iust~inente a leitura du obras de strindberg ttVt'. la qUe esses prQblem~ ,in_ da não estão resolvidos. A solução •pen as se vl.slumJ:n-.r no tecatro do grande aueoo, de tanta iftflu@rtcl&, porisso no, t.ee.tt ,o contemporâneo. O nov(I) estilo teatral ele Strinclberg - interiorízaoão, psicologico. m usical, vivificando até a na,.. ~ortca des decoraçõea - ·e..nteoipa a sttperação do me.. caniclsmo soml ()Of" wn con. ce.i1c> mais homaii.o da vida, E• eBBa síntese st.ri.ndbergía• nit. de soc(allsmo e misticis. mo que, irt'lldiando do palC(lo de madeira do seu té&tro, se reflete nos horiz.ont$ inv.isl.. veis e.o te.atro l);laior da hct-– mani<hdt; 'o.o ., Th~ •' Mwuil"• • • • • •
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