Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1948

• RIO - Os Elisabetinos l"oltaran1. Nos palcos íngJe– ..es, norte - americanos e franceses representa1n - se com :frequência peças de Jonson. Webster, Ford, des– ses contemporaneos e su– cessores de Shakespeare, peças das quais mais do que uma é digna do mestre. Ja há tempo, aliás, que a cri.ica literária lbes admira a força shakespeariana; e sei:ia pena se o Brasil, país ainda sem suficiente culto d e Shakespeare, se atrasas– se em acompanhar essa re– descoberta dramático-poé– t ica, d e tanta importância líteTária como significa,&'âO :.ocial. • O primeiro que ressurgju f oi Ben J onson. Nas ver– sõe-s mau; ou menos hábeis d e Slefan Z,veig e J ules Ro– mains, sua comédia "Vol– pone" conquistou todos os palcos: sátira cruel contra o \'elbo a\·arento Volponi fingindo-se agonizante para arrancar ricos pr esentes aos 1 ••amigos" q ue esperam dês. t e modo entrar no seu tes– t ament-0; sátira mais cr uel contra êsses amigos - d e n omes si,gnifjcativos como Voltere, Corbaccio e Corvi– no - q11e chegam a ofere– cer tudo, até esposas e fi– lhas, ao "moribundo" - pa– r a se tocnarem rapidamen– te r!cos. Peça de êxito ga. r antido' em tempos de des– moralização geral pela in– í u.ção. Depais, ! oi a vez <le John Websler. Sua "Duquesa de Malfi" é uma daa peças poéticas ma.is admiradas da literat ura inglesa. No pró– prio Shakespeare nio se enc-0n_tra nada de compará– vel às cenas agonia da duquesa sacflfl 8<la pelos . ,- ... ~ .. sews 1rmaos: musica s10LS- tra, aparição de mortos, ianta de louco, horror da putrefação, até, em face da assassinada, o próprio ir– mão criminoso a se assus– tar: "Cubram esta cara ; meus olhos se o!uS<:am; ela morreu cedo - "Co•er ber fâce: mine eyes da.ule: she died yo– un9". Mas um público moderno , eria capaz de acompanhar a ação que leva a êsse des– fêcho? Até d uvidaram se 11m espectador dotado de juizo médio pode1·ia com– preender o enrêdo compli– c~do e muit o incoerente. Pois bem, a "Duquesa de Mali'i" foi o maior êxito da t~mparada de 1946 em Lon– dres e Nova York. Enfim, John Ford. Em P aris já gostaram da san. g renta t ragédia do ::tn1or in– cestuoso entre Giovanni e sua irmã Arabella e da lou– cw:a do infeliz. matandÕ a amada inf iel. Mas nos palcos da Inglaterra puritana s-: ria p o,sjvel uma peça com o ti– tul9 "Tis P ity She's a Wbo– re ?" "E' pena gue ela seja uma prostitu(a!" Pois bem, o público inglês também gostou, aderindo d e cor:tçâo ao comentário final da tra- ~d· " T º . ....,, ge 1a . . . .IS p1~,. . Depoil! de tudo isso, pode– se prever para bre.ve o êxi– t o renovado daqucles ou. tr!2S elisabetínos que ainda nf'o voltaram ao palco mo• derno. ' 'Tbe Changeling". de Middleton, é a única pe– ça da literatura dramâtíca inglesa que já podia ser comparada à maior das tra– gédia.;. a ''Mncbeth". O pró- . p rio Shakespeare não es– creveu nada de comparável em sutileza p sicológica a essa tragédia d e Beatrice, beleza de períeita irrespan– sabilidade moral, que man– dou ao rufião De Flores matar o noivo odiado, trans– formada depois em vítima do criminoso que 11 domlDa - "beauty cbanged to ugly whoredom" "beleza trans- • formada em feia prost itui- \'âo'' . E tão lógica, t ão im– plúcavel é essa ev-0lução psicológica - apesar das • • • 1 - • Domingo, 8 de -fe,rezeiro de 1941 Diretor; PAULO MA.R.UOIÃO NUM. 66 TEATRO PARA NOSSO TEMPO . - ... ~.,,.~~ .... ~ inverossimillmnças grossei– ras do enrêdo - que o lei• to: também não sabe res– ponder à pergunta cruel– mente irônica de De Flo.res à Beatrice, chorando ela o Fado da sua depravação :n,oral: as suas lágrimas po– derão porventura enterne– cer o Destino ? - "Can you weep Fate fl·om its de– tcnnined purpose ?" Os contempor.meos acei– taram êsse fatalismo do mal. Todo o poder estava incar– nado no monaTca; e os mo– narcas da época usaram o poder com todos os requin– tes da astúcia e violência. Falava-se em ' 'maquiave– lismo", ci>nforme um con– ceito pouco exato d as t eo– rias do grande secretário florentino; e em côrtes ita– lianas profundamente cor– rompidas peJo pOder passa– se a maioria daquelas t::a– gêd.ias elisabetinas. entre elas a d efinitiva "Tbe Re– venger'li Tragedy". O nome do autor, do g ,1al ignoramos todos os pJrmenores bio- - OTTO MA.BIA CABPEAUX (Copyright E. S. L com axclusi-.idade para a "TOLHA DO MORTE, neste Estado) gráficos, certo Cyril Tou:-- está par uma frase enfática neur, vive na crítica !iterá- e pauco í cJiz de Marcel ria francesa, definido como Scbweb: ". • • iils d 'un d ieu Ser como o rio que teflui ' Silencioso dentro da noite Não te1ner as trevas da noite :---.... Se há estrelas nos <'éus, refleti-las; E se os céus se ~iam de nuvens, Como o rio das nuvens são água, - Refleti-las também sem mágoa Nas profundidades tranquilas. -- MANUEL BARDE•RA -- P.ABLO NERUDA -– • Tradução de Ruy Gullherme Barata ó Moligna, já terás lido o co-rto, já terás cltora4o de raivo e terás insultado o memoria de •inlia mãe chamando-a de cadela e proaiadoro de cães; já terás 1,el,iclo soainho, solitaria, o citá do enta,4ecer mirando os meus yefhos sapatos paro sentpre yozios et d'une pr<>stiluée". Divina é n sua poesia sim, mas não é poesia de bordel e sim de inferno. como "1Iamle1" e muitas oul:r:ls peças e1:i6abetínas, é uma "i·evenger's tragedy", t!'a– gédia de uma vinganca t er– rível, a exemplo do "Tay– estcs" de Seneca. Mas en– quanto todas as outras pe– ças dêsse genero usam o recm;so senequiano de citar do infe-r-no um espectro que incita à vingança o herói, Tourneur desiste da visão do outro mundo; o seu mund<>, fechado e sem sai– da, já é mesmo o inferno. Já não precjsam di! nomes próprios os seus persona– gens principais: chã.mam– SP Duque, Duquesa, Lussu– riooo. Ambitioso, Superva– cuo, Spurio, tarados de to– dos os e.rimes passíveis; e "Duque" transforma-.9e na Unguagen1 de Toumeu't·, en1 sinônilno de "criminoso". Também é apenas alcunha significativa o nome do vin– gador, Venmcc, sufocando e já não poderás recorria, minltos doe■pu, meus sonhos noturnos, ntin"-s comidas, ~ sem maldjze,-me em oito YOZ como se esfiyesse oli oincl• queixando-me do tropico, dos ªcoolies co,ringlti~, -- · dos yenenosos fe6res que me liie,om tonto mol e dos espantosos iJtgfeses que odeio todav io . Maligno, '"' Yerdode, que noite tio comprido, 4ue te,,. fie só! Voltei outro yez aos dormitorios solitotios, o olmoço, nos resfourontes comido lrie e outro yez atiro ao solo os calças e os camisas; não existem cal,ides em minlso cosa nem retrato olgum pelas pore4es ~ Quanta soml,ra do que existe em minlto olmo da,io ,_,. recolwar-te · e quão •~odores me parecem os nom:?s dos meses e a palayra inverno que som de tomLor lugubre tem Entc§,aclo junto ao coqueiro encontrarás mais torde o laca que escondi ali pefo temor que me matasses ~ ogo•., repentinamente quisera clteirar seu aço de cozinlaa acostumado ao peso de tua mão e oo hrillto fie ieu pé: sol, o umidade do terra, entre surdas ,aizes pelas /inguas ltumanas o pobre solo saberia o teu nome e o espessa ferro não compreende teu nome feito de impenet1C1Yeis substancias diyinos. Âssim como me aflige peJJsar no clffl'O dia de tuas perm,s 1 recostados C0"90 impedidos e dun,s oguos solorft · e o anclorinlu, que dormindo e "°"""° YiYe nos teus ~fltos; e o cão h,rios,o 411ue •ilos no co~io. ossj,n fa,nl,em vejo os mortes que estio ent,e nós fksde .,.,. e ,espiro no •r o cimt• e o ,lest1ui4o, · o largo e solitario espaço ffVe me ~ paro sernpre • o.,;. este yenfo fio mar gigante i,el• tua l,rusa, respit11p,e OUYid• em longos aoitu sem misturo de esquecillleftlo, unindo-se i .tlftosfero como o lot~go ao couro do cOYolo ., f pare Ot1Yir-te urinar, no ohscuridode, no fundo ti• m•, ' co,no se Yertesses um fino mel, tremulo, •rgenfino. ellsti111■N, quantos Yttes ent,egorh. ate côro de semns que •••wo e o ruido de espadas btuteis .,.,. se ouve em min,.. ar- e o po•6o de sa,.... que eshi solitfuie 9 •inlto Mftl• clto11H1,wlo coisos desopared4es, seres ,lcsoponciJos substrmc•s est,o,w,meJtte iltsepalffeis e per4iflu , I • • em snngue êssc mundo no– turno de crimes. até éle, antes de morrer, solla-r o grjto final, salis!eito: mo1 - 1·em0s após ê...<:Se antro de duques - "We die after oi dukcs. Adieu!" Poucos anos depois, caiu a cabeça do rci Stuart. O Vendice da Inglaterra cha– mava-se Crom,vell. Por muitos motivos pa– rece esquisito o gôsto do pú_ blico moderno pelas peças clisabetinas. E' Ycrdade que são d e grande , ·alo: poético. Mas às vezes gos- 1ar-se-ia de responder a essa poesia sublime, gro– tesca e infernal, citan~e aquele verso: "Cover hei: face: mine eyes dazzle". A– d eptos de certo relativismo 1noral ou antes de um amo– ralismo períeito, os drama– turgos elisabeünos acumu– lam de maneira excessiva os ho1·rores, assassinios, trai– çõzs, violaçÕf.s, incestos, até sem◄ darem sinais de desapro_ vaçao: um poeta :f. i n o e m e 1 a n e ó 1 i c o co– co F~rd coloca-se 1:em eserupulos ao lado do amor incestuoso, e Tourneur nem é capaz de imaginar outro mundo do que o dos seus bonecos diabólicos, en!im esmagados pelo vingador não me.n03 diabólico. Abun◄ dam expressões brutalíFsi_ mas, obscenidades grossei– i·as. /',.. essa linguagem cor– responde aliás a técnica dramatúrgic;i: os enrêdos são incoerentes, a motiva– ção psicológica é deficien– t e, o desenvolvimento qua– se sempre, d? inverossimi– lhança crassa. Não tolera– ria essas deficiências o pú– b lico moderno. acostum.ado à lógica impecá\Tel da téc– nica de lbsen. Dai o critico William Arcber, ap~tolo ô.e Ibsen e Shaw. pretendeu destruir a glória dos dt.,.ma– turgos cl.isabetinos, carac– terizando-os como teatró– logos duma época bárbtira, cruel, brutal, corrompida: só depais de o terrivel Cromwell ter esmagado a barbaria elisabetina, podia começar a era razoável e b urguesa da Inglaterra; e os elisal>:ü-nos já não nos diriam nada. Se fõsse real– mente assim, devia çonde– nar-se o p róprio Shakes– peare, cuja técnica dram;;– turgica t ampouco é das mais coerentes; na sua língua.. gem também abundam :.s obscenidades, o seu palco t ambém se enche de san– gue. crimes e ~c:tros. e "Hamlet•·, "Mll<'beth" e "O– thello'' são peças típicas da época. Tal\·ez Arcber tenha errado, julgandô coruorme os critérios do teatl'O real.iE– ta de Ibsen e Sba,v em tea– tro diferente que não pre~ tenneu absoli:_tamenle dar a ilusão da realidade. Ne:n parece Archer t er acertado • quanto ao gósto do púbUco contemparâneo; e quanto ao teatro - arle cG1etiva - o público t em sempre ra- - ~ao. Antes de mais nada, o f)liblico moderno p a r e e e mais gostar de poesia no palco do que qualquer pú– blico desde aqueles t e1npC's; vivemos. afinal de contai:-, no .século dos Yats e Ell:ot. Valéry e Apollinaire. M...– chado e J iménez, Rilke e Block. num século de poo– &ia. Para o grande púbhco con1precnàer apen.:s sera ~ret'ÍSO que a poct>ia dramá. tica exprima de 1naneira intensa certos sentin1eotos l'OmUDs de todos nós; e a\ oçorr,em versos de Webste: que pa-recen, o lema do te&– t ro clisabetino e a CJtPres– sâo suprems. da s-u&. inse• gurança espiritual: Whüe wc look up to Rea– veu, we coniound lrnawledge with knowled- 96- O, 1 am in a misi"• "Passamos por névoas" da IW- coat. .. a• .,...)

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