Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1948
• • 1 FOJ.BA . DO NOBTE . 3.ª pag. Domingo. 25 de ianeiro de 1948 _____ , _____ ., ___ -- .. --------- ----- --- ---~-------------- ,.. _____________ - l'BEAMBULO ENFA'rlCO NEW YORK - "Al vem o general Valdez. bloquear a cidade de Leide! A[ vem a. guerra mais ca.rniceira, mais desumana. e mais daninha que há men16ria nos séculos dos séculos! Ora, a cidade de Lc.icle !.e,z. frente aos es.pa – hh6!s. Resisllu até à morte, até o d2lirio. até à falta ab– soluta de munições - muni– cão de bôca e munição de fogo - na esperança talvez d " um socõrro prometido. Mll.s os dia.s se esquivavam monótonos. o cêrco apertava- 11e e o socôrro não vinha. Então os habitantes de Lei– de a.pelaram para o último recurso. o trágico, o espan– toso recurso da pátria em perigo: soltar os diques. :e os diques foram sõltos. O '.Ma-t do Norte. alegre e sinis– tro. saltou para a terra com e. braveza dos touros que crescem pará a arena quan• do se lhes abre o curral - eteetera e etcetera. Parte da Holanda ficou em ruinas, m11e a hoara da Holanda ficou Imaculada." Transcrevo de mem6r.ia êsse trecho da antologia Clâudió Brandão. de um au– laf' portuguis que nem s::i rnais qual é, decorado no Ginásio Mineiro e que fa: t.ia o entusiasmo flame.janlemen– te literário do.s meus treze anos. Algumas passagens, r epetidamente analisadas . em aula, me deslumbra,vam; ou• tras me surpreendiam. A· q11ela "munição de bõca.. eu a chava engraçada:, o "se lhes abre o curral" me e-utuslas• n1uva. e eu achava do mais apurado bom-gôsto literário os bois creseerem para a are– fl&. Mas o que é de se es- 1> ant.ar é que a d~elto da gran.diloquênela final do tre• cho, eu 11ão se.nlia sim{)atia nenhuma pelos habitantes de Lei-de e sim pelos espanhóis, pelo gepsral Yaldez (que at.é boje nao fig,u.i. sabendo qu~m. foi), pel'õ ·Mar do N or– te. alegre e sinist.ro . Não sei porque me vem de repente do fundo da me– mó.ria êsse trecho literário 'há muito esquecido quando me sento diante da máquina e me disponho a escrever t,ôb-re Salvador Dali. Salvador Dali expõe em New York: "A.cabo de cain• p letar a idade de 44 a.nos e finalmente decidJ. ainda que continuando a f azer dez ve– zes mais que os out:r-os, que é meu dever começar a pin– tar minhas primeiras obras- 1:>rimas. Comecei a primeira, "Leda. Atômicâ", a qual es– tou exibind,o agora , apesar de esuir ainda em processo de execução, permitindo assim a os intere$Sados em minha. t.éooi.os. estudar o desenvolvi– mento dêsle trabalho parale– l amente à publicação de meu li vro "50 Segrêdos da Arte de Desenhar" . Não P.osso as– segurar que minha 'Leda" - onde tudo gravita no espaço - será uma verdadeira obra--prim11,. Neste perl-0do de amedrontador progresso mecânico e decadência espi– ritual que atra.vessamos, is– so me pai,ece im1)06s1vel. Mas, posso assegurar que ês– te q-uadro será uma obra-prl– rna,. no trabalbo de Dali. Posso também assegurar que é mais meritório criar beleza em 1M7 que sob a tutela. pa– térnal de um Perugino." Eis o que Dali pensa de sl p róprio. E o que pi?nsam dêle os seus sem4hantes? Ninguém pensa nada, prl– mei:ro porque Dali não tem semelhantes e segundo por• (Jue Dali contunde e. todos. ,A;. maioria dos artistas se . _.eousa a pensa.T. POU<:OS são <>s qu-e revelam em r-elação a Dali um inilerêsse mals a{)TO• :fundado e sério, que a sua obra tanto merece. Os artis– tas plásti-cos o desprezam, e os escritores e crlti~os o ati• mm sem perdão pa.r-a. a vi– trlne de modas, pata a pu– b licidade cabotina. para Hol– JywOOd com Walt Disney, para o exótico sucesso entre grãfi:nos. E os poucos que trealmente se interessmu o castigam sem piedade. Geôi-– ge Oswel!. em ''Dickens, Da– ili a.nd Others" peN:orre um a um -os sintomas psieopato• l6gi-cos de Dali, segundo a sua obra e princi,pal.meMe a IS'Ua auto-biografia,, para ter– :ru.n.&r afirmaooo que êle 11ão é nem um homossexual nem um crop6!ilo. nem uni masoquísta, como. insinua ser, mas _pm nooróíilo - pe- • lo menos no se11lido em que êle vive só entre coisas mor-– tas, que jâ não Interessam , mais à humanidade. Pergun– tei-lhe o que pensava desi& iulerpretação: /l FERNANDO SABINO - Os criticos !ngl1?$e8 não percebem o sentido de mi– nha obra. ~te t rabalho de... de qu.em mesmo? - George Os,vell. - Pois é. &se trabalho eu confesso que não li. mas me disse'ram. sei mais ou menos de q11e se trata. Dali reafirma mols uma vez. sug. " prodigiosa capaci– dade de ver seu. nome im– presso, sem pr~isar de ler o texto que o acompanha". - S!ío ingleses - conti- nuou êle. - É preciso, às ve.zes, ser latino para enten– der certas coisas. Eu sou catalão! Você é catalão? (Coppighl E . S. lw com exchuiridade para a "FOLHA DO NORTE, neste Estado} rar-me algun1. sangue cata– lão nas veias . Salv.a.dor Dali expõe em New York. Natw-al da Ca– talunha alegre e sinistro co– n10 o Mar do Norte, êle saltou para a terra co.m a braveza dos touros que crescem para a ai·en,a. quando se lhes abre o curral. Dali investiu con– tra as !ronleirss da criação, rompeu os diques holandesecs dootro dos quais tôda uma concepção artística se refu- 1,'iou. XX Mas al vem o general Val– dez bloqueu a cidade de Leide! Ai vem e gene.~al P i– casso bloquear as saidas da arte! É bem verdade que as cidadelas arlisticas fizeram frente aos espanhóis. Re.– pbael resistiu até El Grecco, Vermeers resistiu até Picas- so, ma.s os dias se escoa.vam monótonos. o cêrco aperta– va-se e o SOCÕNo não vinha. Malisse, já na sua casa, olba– v.a. para a janela mas não ia lá !or a; Gauguin nu.ma ilha deserta; V:in Gogh no hospi– cio, Cêza.nne co-mendo ma– çãs. Br accus recortando jor• nal na saLI\ de jantar. P i – casso matando um galo .na cozinha. Dali raspando as axilas até tirar sangue e de– pois pintando de azul. Mas os diques não foram sôltos? Um dia Dali experim-enta colocar sua coruja na ca-beça de Eluard, depois na de Gar – cia Lorca, e não achou gra– ta. Os poetas se salvav,l!ll. Enquanto isso as âg 'U.as in– vadem a cidade. A los toros. Dali! Parte da arte já está, de&lnlida, mas as honras da arle ficaram ima~uladas. E então? Dali de repente se percebe sõzinho, o único ha– bitante d.essa c1da~e fantas• ma. e sWLS próprias são a.s ágUAS tumultuosas que rolam dentro da noite sem termo. Como novo Garg,a.nL-u.a Dali urina sôbre Paris. As. ruas viraram r ios e nos campos as tulipas se af.oga:ram. Br aços de moinho se erguem, paté– u~os e quebrados, flutuando na paisagem sem horlzonLes . Uns morret'llm~ ou tros se r efugiaram nas torr es. ou– tros tugiram para as monta– nhas, outros se transforma– ram em grandes -peixes ma n– sos. Inútil imitar o movi– mento dos sêres 9u.e vivem sob as águas. A ál(ua quebra a, rigidez das linhas, penetra at.é as v1sceras, incha o cor– po dos afogados, amoleee a forma dos relógios, espalha moluscos sôbre o ventre. ai-• rasta a cabeleka das alg-as. As paredes estão sujas de lodo. De cima do telefone, uma lago.s1a espia . Sôbre o piano repousam dua.s carcas– sas de burro, apodrecidas. Sôbre tõdas as coisas se es- Seus olhos brilham, ao se afirmar de Oa•talunba. .Tã lhe tinha dito que era braai– l~lro, :ma.s ainda assim mi– nha ascendência de ibéricos pode aos seus olhos assegu- o ÚLTIMO LIVRO DE ANDRE GIDE • Na dedicatória de 'l'IIW • aas amigos em cuja casa o escrevera, parece André Gi– de insinuar o propósito de com esse livro encerrar a sua v ida literária, jâ que o cha– ma de "dernier écrit". Por que terã escolhido par a tema do remate de sua obra, toda constru!da ein torno de pro– blemas e figuras aluais, um heroi mitol6gico, quem s6 de homens, hUll1anamente fra• cos, até en.tão curara ? Ligada à perfeição da f6r– ma, a escolha do aszunto íaz de inicio pensar num puro exercício de eslil-0, num pre– texto de domado1• de pala· vras para exibir novas com– binações, exuma.r velhos ter– n10s, ensaiar construções ou• sadas, e pr.ovar assim que o f rancês não é a língua eslra• ti.ficada que muitos supõem. Representaria sem duvida tal divertimento uma obra-pri– ma em seu gênero, e um le– gitimo descanso de escritol' envelhe~ido - mas Gide não ser.ia inals Gide se por êl e se dEri :s.asse tentar. Logo, porém, na segunda p ágina., o leitor lembrado de No111Titures Terr.est-res sente um pequeno choque de surpresa. Evocando a sua ln· !ancla, Teseu nan,a como se coní1.mdla oom o vento e a vaga, a planta e o pássaro: "Je ne m'arrêtais pas á moi– même, et tout contact avec un n1on~ extérieur ne m 'ensa.ig – na.i t point tant mes limite qu'U n'évelll11lt en moi de volupté. J'al caressé des :fruits, la peau des jeunes ar– bres. les ooillou.'C l~ses des r lvages, le pela_ge das chiens, nvant de ca.resser des fem– mes; devant tout ce que Pan, Zeus ou Thétis me présentait de cha:rmant, je bnn.dals". Quem abriu o volume recel– ando ver Gide perder-se em demon.<itrações de virtuosismo readqµire a tranquilidade: 'l'eseu, visto por êle. não será um semideus de ext,•aordiná– ri as f açanhas, mas uma cria– tura. inteiramente gideana, uma das muitas personage11B de que se serviu o autor pa– ra configurar a.s suas inquie– tações e as suas experiências. Com efeito, a seguir é nas paginas do Joumat que llO pensa, ao saber da 'tenacida– de com ·que Teseu exercitava os musculos, comparavel àquela que conferiu a Gide, grande trabalhador, capaz de obrigar-se a traduz.Ir para firmar o es ti1 o, a su,a me s t r l a na arte da pa– law-a. E a confissão do he• rol de que não !ora inteira.– mente involuntário o esque,,, cimento que determinara a morte de seu pai - não o tornará um adepto da tão fa• mosa sinceridade qo francês que lhe infundiu nova vida, t:ecrie.ndo-lhe à sua imagem? "Ainsi fus-:le toujou.rs moina occupé nl retenu par ce que j 'a'{ai.a -ra.it 1 9.ue ie_quia ~ LUCIA MIGUE•, PEBEJRA .... (Especial para a FOLHA DO XORTE ne&le Esflwl"'} ce qui me restait ã faire: et Je 1>lus important paraissait sans cesse â venir", diz Te– seu, e tais palavras se npll• cam muito menos à sua. len– da, feita afinal apenas de pi-,oezas em que sobretudo valiam a coragem e a força, do que ao eseritor que exal• tou o alo gratuito. Mas é no episód1o de Icaro e no de Ariana q\.U! roelhor se sente a presença de Glde, consubstanciada n-os dois pro• blemas máximos de seu e.s– p irito e de sua obra: o des– tino eterno do homem e a liberdade. E ' êle. e não Icaro, quem exclama: "Ah! que je auis donc saoul du done, du paree l'(lle. du po.i5que! . . . dtt ratiociner, du déduire. Je n'exlrais du plus beau syl– logisme que ce que j'y avais m.is d'abord. Si j'y mets D.ieu. je l'y trouve. J e ne l'y trouve que ~I je l'y mets, j'ai par• couru loutes les routes de la logique". Assim também as re!lexões de Teseu. presa de tédio nos belos braços de Ariana, poderiam estar no Joumaf! ''Je n'al jamais aimé la demeure, fut-ce au seln des délices, et ne songe qu •a pas– ser outre. aussitõt que ternit la nouvenauté. Ensuile elle d!sail: "Tu m' as prom.is "• .Te n•avais r-ien promi.s du tou.t et Tiens su.rtout á rester li• br.e. C'est â moi-même que je me dois", Excuso-me de tantas cita– ções em .f:rancês, m.ai.s haveria pecado em transpor paar os meus pobres e vernáculos v,oc,âbulos as (rases sabia– mente simples do original. E sem recorrer a elas ~ria di· fic.ll estábelecer a identidade entre o fabuloso e antigo Te– seu e o nosso tão próxim o André Gide, de quem conhe– cemos não somente as obras admiráveis, mas ainda u fraquezas que, tomando a si próprio como o 1,>onto de par• tida para o estudo dos ho– mens, nunca. procurou escon– der. Será ind.iscrição notar que emprestou a Teseu até a mais discutível das suas tendências, fazendo-o eon– íessar que "á l'ordinaire, je ne sais quelle mollesse des chalrs féminines me dé– plait"? Que, já se abeirando dos oitenta anos. Gide empreen– d~se deba.ter resumidamen– te, a p ropósito de uma per- DOIS POETAS Conclusão da úll pãg, Mas são raros êsses desu– ses em Marcos Konder Reis. Vejo-o muito bem orienta– do e cm p1cna realização. E creio que não leremos com éle nenhuma desilusão. O gruPo "Edifício", <ie Minas, que é dlrigido, edi– torialmente, por Bueno de Rivéra e Wilson Figueire-Jo, dá-nos coni unia l'egulari– dade admirável, gostosas ed.ições de seus poetas e prosadores. O volume que .sgora ?ecebo é de Marro Auxélio Moura Matto.s (E– ternidade da Rosa - Edifi– cio, Belo Horizonte 1947). Estamos no polo GPosto ao do poeta carioca, pois o que caracteriza a poesia :ie Moura Mattos é o cerebr.a– lismo. Quase não interessa em sua expressão a técnica empregada, ainda in!orm'? em verdade, e perturbada até certo ponto pela conci– são excessiva e rebUS<)ada da frase. o que torna he~– mética. Percebe-se no poe– ta a vontade de uma parti– cipação ampla através da descoberla do fundo dag coisas, Mas a comunicação falha. Porque há o medo da vulgaridade, da retórica. Dai a secura de alguns poe– mas, quase esqueletos de poemas, que me agradam pelo seu despojamento co– rajoso mas que não eomo– .!~ip o leitor ~:Qn1um ~ poesia, mesmo o lei tor de :?lite. As imagens lembram p~la ausência de colorido e a construção geon1étriea, o, quadros cubistas da "época cin.zenta" ou as tentativ:-s de Max Jacob na Frani;a -ie entre duas guerras. Tiro dois exemplos do po '!– ma intitulado "Comi– cio" : As luzes se acendem e olh.atn espantadas o ora– dor. .. . . . . ' . . . .. .. . . . . Operários, de mãos esque• cidas de acalantos, Sentem a palàvta invadir a rua e tudo se cobre do silêncio da promessa. Essa poesia ar1stocrátira e dura, sem melodia, int-:• ressada apenas na orques– tração, tende ao esoterismo. Se Mloura Mattos $e entre– ga r um dia a um misticismo qualquer, relfgioso ou so– cial, ela poderá alcançar uma grande densidade. cle a vida entretanto lhe correr majs mansa, sem grandP.s choques nem emoções des– moronantes, ela irá dar sem dúvida na mais perigosa das retóricas que ê a retó– rica da anti-eloquência. a retórica do requinte. a re– t6rlca _da aridez. sonagem mitológica, as ques– tõea tu.ndan1e.ntais para o seu espírito, é coisa que !6 me parece comportar uma expU– cação. A de que, aob o seu tom deliberada e graciosa– mente ligeiro, sob a sua apa• reneia de mero dive rti– mento de leh·ado, a pequena. biografia de Teseu eneel'ra, de fat o, uma tentativa de justificação. Mais uma vez, depois de tanto .se haver ana– lisado, Gide sentiu a necessi– dade de explicar a.s suas ati– tudes. E se para isso se en– fiou na pele de um be.roi lendário não pode t.e.r sido por nenhuma veleidade d e se r esguardar, lnadmisslvel em quem sempre tão sem rebu• ços se e~pôs; tomando de um.a tlgur.a em Ludo e por t udo tão diversa da sua, e empres– tando-lhe traços e anseios seus, o se.u intuito terá por ventura sido o de provar a. generalidade de uns e ou– tros, a fôrça com que se ar– r,dga.ram nos homens de to– dos os tempos e conditões. E portanto, de algum modo, a sua fatalidade. Essa. necessldade de forne– cer oo motivos de sua conduta parece indi.ca.r um se.nso mo– ral vigilante, embora desvia– do das normas comuns. Afi– nal, o panegirista da gratul– iacfe ta1ve.z nãc- lhe esteja. muito certo da existência, já que a sua ob.ra , com raras exceções, p atenteia a b usca de .razões para os menores gestos humanos. Não bá ne– le neohwn amoralismo, mas uma m <> r a l inteiramente alheia à cristã, e mesmo à convencional, baseada nas ln· clinaçôa d.o animal humano, mas tam~m e sobretudo na sinceridade com que se ex– pandem essas i»cUnações. Es– tabeleceu regra, diferentes para o jôgo da , vida; estas porém quer que sejam ob• serva.das com rigor. Mas a verdade 6 que não o parecem ter inteiramente sa– tisfeito e pacificado a;, regras que inventou. Do contrário não recomeçaria -incessante• mente os exames de co.nsclên– cia, que se estendem de Co• rydon a 'l'hésée, de 1911 a 1946. Como Icaro, poderia gemer: ":Te rampe et voudrais prendre l'essoi-: quitter mon ombre, mon ordure; rejeter le poids du passél L'antl' m'atlire, õ poési11l ;r-e me sen, aspiré par en ha1Jt, Esprlt dt' l'hommel ou que tu t'éléves, j'y monte". Mas, como na lenda, as asas :não o susten• tam na -altura. E por isso não pôde encer– rar a sua car r eira literária s em, numa idade que traz quase sempre a indiferença e a acomodaçã-o, proceder a ma.is uma tusU1icativa auto– anallse. T~rã convencido a outros, mas não a st m.esmo, e a sua mais autên.tica su• perior.idade, 3 inquietação, hã ~e acompanbá-lo AO túmulo. tendeu o pavor , celaünos1 dos sonhos que passeiam n i profundeza submarlna. O es, i !rito tornará a na1;cer qat aguas? - os sobrevivente, se. Interrogam de longe, pas• seando sua. pasmada concep– ção do mundo numa Arca di Noé. Dali não pergunta na• da. As ãgu.as, as águas pas• sam - e um dia o sul a:ma– nhecerã castígando sem per• dão a paisa,gem desolada, es, caldante, recompondo hori • z-ontes em areia fugidia, on· de Portinari encont.i:ará uma cavei.ra de boi, mas onde Dali verá a.inda a água a se es• cOOir pelos lábios abertos n. areia. Haverá um corpo d, mulher já putre!ato. a an.ê– mona viva de um sexo a abrii--.se como flôr de carne, caramujos aderidos à pele, as órbitas vazias comi) duas grot41s onde as formigas se enterram. l >useau.do refúgio. Lentamente elas ~aem, a.t fonn}ga.$, pane1am pela face, correm iôbre uma linguo g:rossa e arroxeada , entram pela DeUTOSe do Thttiz e saem pela f-erida no ventre, ~ a roer, a cortar, a completar a obra de destru;... ção. Tudo é destru~o de– serto, emoll&cia. No luga.r onde havia uma casa., uma ca.veka possui um pian~. On.de um día eXisiiu um qua– dro bá o vazio br.mco re– cortado contra o azul há. um buraco quadrado no • próprio céu. Duas sombras estáticas. a de um pe.nhasco desgarra– do da montanha. e a de umi muleta fincada na ai-eia, H encontram na solidão ao 1>Ôr do sol. "Procuro o pr~fpío das coisas, procuro as d.ire• ções elementar~". diz.. 'IA ~uem procuras?" "ProcuTO um homem chamado Ra– pfulel". E as duas sombras se interrogam mudamente. Renascerão as ãrvores sub– mersas? Renascerá a flô1· a que :preside o amadureci– mento dos frutos? Rénas,cei-âo os f.rulos? Um caramujo se des.ça.rra lentamente da peJe fl.ãcida e começa a, crescer, cre&ce tremer>damenle, já não é um caramujo, é um cérebro, o cérebllO de Freud. Dali, completamente nú, m-e.rguThado no seu sono fel– lo de medo e solidão enco– lhe-se mais, como um· feto, e continua a dormir . Já es– tá na con.clla de Bolkelll, está dentro de um ovo, mer– gulhado na contemplação do in:uingive.1, prefigurando a felicidade d.e .an.tes d.o nas– cimento. Não há mais sexo - há óvulos e espcr.mato– zóide.s. Não bá mais espasmos de g6'ZO nem onanismo, nem sodõtnia - há a, célula que se 1Jne ;\ outra célula, as se– n1entes que brotam, ganham raizes, o embrião que se for– ma, a vida que foi fecunda– da,, o homem que vai nascer. Nasce o homem, amadurece o fruto, cresce uma espiga. de trigo - em e!\ulibrio sôbre a mesa. A realização da pu– reza no espaço é uma o.sa de pássaro . As possihilid$– des de salvação est.ão num pão de trinta, metros. As íormas -primitivas se reinte– gram. O _pp.ssado se liberta, São Jorge não matará mais dragões , Voll.am as c.onvic.– ções de Pra,;xiteles, os bigo– des ponteagudos se rejuve– nescem. A sabedoria de en– vtlhece.rl Libertas do sonho, as to-rmas se atirma:m, nã<' mais dlssolvida.s, •nas duras , agrt!ssivas, ~~ baioneta que nlla da b- d'o tigre, ~ue saltou da bôca de outro tigre, que saltou da bôca do _peixe, que está saltando d« uma romã. madura Os b'u• tos amadureceram, as romã.t estão se abrindo, saltam .se• mentes ver.m~s. sabgu,(. neas, quebra-se o avo, refaz. ae a. pureza âaa linhas, oa penhasCQe configuram ho– mens, a vida renasce do cáoí. De. mbjto todos os cor– pos, gloriosos, levitam. tão de súbito que se rompe e tomba o Dàriz de Nero; at ca.netas .e er~em dos tln• teiros. o.s tin,teiTos se ergue~ da mesa, a mesa se ergue d4 chão, o chão se ergue do fo• go, o 'fogo se ergue do espíl r ito. O espírito ,rena,soeu de fogo, rlo sonho e das á,gua.i:. As form.iga,s mO?'reram, mo.r• reratn Os caramujós, os o1hot volta.ram às órbitas, não mafs. muletas para e.mp ~r as amput-ada., f órmulas de viver. ii o temPo de com.e9ar, Dt tudo o que pruisou, fi-cou ape~ naii 1li!D4 gota, dágua em aus– pen60, a refietir-se na ~l– du:ra, e um cravo vermelho, mo1ib.ado de orv:alho, j•lrtll a<i~.cl@P~ 1
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