Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1948

, • _ _ ,_~_• pa~------.... -- -==.;;.;;;;;:;;;;;::=~-n-FoLH.A: DO NORTE_ ... _____ ' Dom1ngo, 1 ae Janeuo ae 1949_·____;__ 1 1 DIRETOR 1 PAULO MARANHÃO -- DA DEMOCRACIA a de que jamaJs pensara ll• bertar-se, horizonte tanto mais ri,gorosamente clrcunr crito quanto maior foi o em– penho das nações ocldentail em eternlzail" o isolamento da lússla. Era inevitável, portanto, que, desse confronto, não pu– desse resultar outra atitude mental, .senão essa, que refe– rimos, de simples ~o po,r uma condição soci-al ma.i1 lgualHâria, que, pelo sacrJ.. tíclo das classes favorecida.a, permitisse alcançar melhor nlvel de situação econômica. PONTF.s DE MIRANDA. sem aludir expressamente à si– tuação russa. descreve, toda• via, com precisão, esse esta– do de e$J>Irito, salientando <t carater pr<imãrio e tmediat<t das reivindicações dP igual– dade. em oposição ao cl rater secundário e mediat-0 dos an• seios de liberda..de. "Seria in• gênuo - escreve - esperar• se dos que vivem do seu es– fôrço, da sua labuta diária, outra atitude que o lema,~ I gualdade primeiro. A drmo– cracia não lhes deu, ainda, a: igualdade; e os próprios lí– deres burgueses são os pri– meiros a proclamar que a de-– mocracia é farsa, que a de- 1nocracla é o capltalism<> mesmo, que a democracle, nun-ca levarã à igualdade. Sll.m alto salário e luzes su– ficientes. ao ver o gozo e e, descanso dos outros, o ooe– rádo não ex~rce, não t'em tempo para exercer a liber– dade. Nã-0 pode compreender que se pense em liberdade antes de igualdade; nem crê que se executém juntas". (9). .I ,_ -, Â R-T E 1SUPLEMENT01LITERATURAI ORIENTACÃO - OE HAROLDO MARANHÃO ------- -------~ COLABORADORES: - Alvaro Llna, Alouso Ro– cha, Almeida Fischer, Alpho1111us de Guimanens Filho, Augusto Frederle<, Scbmidt, Aurelio Buarque de Bo– llauda, BenedJl<> Nunes, Bruno lle Menezes Carlos DrummQnd de Ancbade, Ca11b1 Cru:a. Cecllla Meireles, Cecll Melra. Cleo Bernardo. Cyro dos ADJoa, Carlos Eduardo, F Paulo Mendes, B:aroldo 1'1aranháo 1 João Condé. Lev) Bali de Moura, Lêdo lvo .José Lma do Rê~. MarCJ11es Rebelo. Manuel Baadelrã. Max Mar• tins, MurUo Mendes, Otto Maria darpeaux. Paulo Pll– nlo Abreu, R. de Sousa Moll-fa, Roger Bastlde, Rlba– mar d.- Moura . Ruy Guilherme Barata, SergJo Mllllet. SuU-ana Levv ,. WIison Martins ·o FENOMENO CHARLES MORGAN CConc:lusõo do ult pág.) i1ade do p<>eta Sparkenbroke; e acabaram duvidando da profundidade do filósofo Morgan. Acham que muitas idéies - que fazem ótimo ensa.lsta - ainda. não consti– tuem base suficiente de um romanee filosófíoo, assim CO· mo muitos soldados não ga• ir-antem a vitória de um ge– neral. Ao lado d11. sabedoria sóbria e nutritiva dos Fiel– di!'l'g, Austen, Thaclceray - que afinal também uma filo· sofla, embora sem profundi– dade - e. profundidade de :Morgan lhes parece bela. or- 111s.rru1nbal e pouco prãti,ca: N-ieholson ~ "misticismo vago sem filosofia alguma". ~ "matafisica" novelistlca que os ingleses admitem não é o irracionalismo. seja do espl– rito seja dos instintos, e sim o reconhecimento dos limites do racionalismo, limitado pe– l o reino dos valores éticos, d os valores do comportamen– t o hume,no. Els a "metafisi– ca" de Conrad, encarnada \ n ão em nobr,es que gozam J esteticamente das suas vidas e sim em simples marinhei– wos que constroem as suas vidas. O estetlcismo dispõe porem de tudo, menos de va· l-0res éticos. E' esta in<:apa– cidade que os ingleses não perdoam. Sentem nisso, jus– tamente, falta de intensidade, de visão. Um poeta sem isso não lhes parece poeta autên· tico; seria a:pena.s um Byron. O l!xito de Charles Morgan no estrangeiro baseia-se em circunstâncias algo seme– lhantes às que garanttram o êxito de Byron no ap6s– guerra de 1815. Em 1815 e em 1918, o reino dos valores, na Europa, es-tava devastado: pela Revolução. pela Guerra. Nessa emergência, a casa do Lord inglês parece o re!úgio de uma grande tradição a-. meaçada, enquanto os pró– prios ingleses. observadores colocados por dentro, só vêem a fachada de um estilo poé· tko. Byron. escandalizando a Jin,glaterra. fascinava a Eu– ropa inteira, os adolescen,tes pálidos e o público femini– no. Hoje, os ingleses jã lhe admitem a atitude nc'.>re e generosa; mas a sua poesia lhes pareee a de um leão do– mestlcado para uso das se– nhorinhas. (Continuos iio do 1 11 pcígJno) essa ordem nova, visceral– mente integrados que esta– vam na convicçã-0 da. sua superioridade, como a outra, a francesa, realizara a mes• ma dt!puração Lmplacavel, extinguindo toda ameaça, por longlnqua que fosse, de res– tauração do pod~r. Em am– bas, apenas a democracia em marcha, apenas a democracia em parte, propicia11do uma síntese final, que ainda estã por vir, da democracia ple– na, fundada no critério mo– ral da dignida<le. Em conclusão: - o que bã de histórico na revolução so– vlética e de significativo pa• r a a formação da democra– cia moderna, é apenas isso - a inauguração da democracia de igualdade. Nãó é por outra razão que BERD I AE FF, procuran– do traçar a fisionomia da revolução s-oviética, acentúa o aspecto novo que revestiu na Rússia o conceito de ll· berdade, cont.T-apondo-o à no– ção que dêle fazia a ldeolo• gia. revolucionária de Fran• ça. "A liberdade - escreve - não se entenda como liberda– de de eleger, como liberdade de volver à direita ou à .es· querda, mas como uma revi· são ativa de tudo, como um a.to realizado, não pc-r um in– divíduo, mas ,e10· homem social e depois de se haver feito a eleição. A liberdade de eleição desdobra e debi– lita a energia. A verdacl~!• ra liberdade cri~do:·a não in– tervém senão depois da es– colha, quando o homem se move numa direção deter– minada. Por isso, unicamen– te, a liberdade de edifica· ção coletiva da vida, na li· nha geral do p&rUdo comu– nista, é reconhecida na Rús• sia Soviética. Essa liberdade é a atual e ~volucionária. A liberadade francesa é conse~ vadora; - é um obst.ác1;1lo pa;ra a reconstrução social, leva a que ca<la qual deseje que os demais o deixem tran– quilo. :JJ: preciso compreender a liberdade como energia cria– dgra, com-0 agente de trans• formação do mundo. Porém, compreender as&im a lib.ar - dade camo um a.to e não que• rer considerar o que tnte• riormente precede a este ato, o que precede a essa realiza– ção de energia criadora, é negar a liberdade de cons· ciência, é negar a. llberdad~ de pensamento. Tanto uma como a outra coisa são, com efeito, totalmente aniquiladas no império comunista russo. A liberdade não se entende, ali. sepão em um sentido co– letivo e não pessoal. A per– sonalidade ná() tem autono– nomia alguma com respeito à coletividade social, não existem ne;m liberdade nem consciência pessoais. A pes– sôa humana não é livre se- não quando se incorpora à comunidade. Mas, uma vez inco.rpora.d-a e fundida com ela, recebe, em participação, uma liberdade imensa que a põe em relação com o mun– do inteiro. A liberdade de consciência e sobretudo de consciência religiosa, supõe na personalidade um elemen– to espiritual independe~te da sociedade; o comunismo ne– ga-se a admiti-la" . (6). Essa unilateralidade do re– gi.me russo, cuja crflica é lm– possivel sllen-ciar, é. também. aquf, objeto de re,paro, e mostra, como acentuamos jã, que a revolução so111iética de– ve ser equili-brad,amente va– lorizada, como um simples passo na marcha do mundo para a democracia, um mero contôrno, a.o lado de outros que hão de vir, de um regi– me poUtico que realize, ao menos em parte. a felicida,. de do homem. Mas, o que impor.ta trisaT aquf é que tal subversão do conceito de libel'dade, tam– bém apontada por WILKIE (7), decorre tão somente da circunst-âncl11. de não ser este conceito primãrio envolvente da ordem política, ao contrá· rio do que acontece nos regi– mes liberais. E' uma noção de segundo plano, condicio– nada pela realização de um fim principal, que lhe traça os limites e que, implicando forçosamente numa direção, acai:-reta. uma disciplina mais ou menos rígida da liberda– de. É que, !lifirmemos ainda uma vez, o leit motiv da re- volu.ção foi a realização da tgualdade. Mas, e aqui nos úastamos dos utopistas e comodistas que vêem na U .R .S.S. um novo pa,raiso e pretendem a universalização da fórmula soviética, é preciso ponderar que os fatos sociais devem ser com,preendidos como f.atoa cultura.is e, portanto, não podem ser considerados com abstração do meio em que ocorrem. A democrll-Oia lgualltária soviética tem que ser enten– dida como um fenômeno rus– so, embora se aceite a uni– versalidade da sua influên– cia, o que é muito distín·to de pretender transportá-la para outros povos, de formiu;ão histórica diierente e em di· versa condição social. ''A re– volução r u s s a - universal em seus princlpios, como to• da grande r evolução - rea– lizou-se sob as côres do in· ternacionalismo, embora te– nha sido profundamente na– cional e se nacionalize cada vez mais. por todos os seus resultados" (8). A observa– çâQ é de BERDlAEFF. que esgotou com profundid!lde o tema sedutor de análise da Grande Revolução, em seu duplo aspecto. Nesse pressuposto, caJ:ie ob– servar que as condições ge– rais da Rússia, apteriores ao advento da revolução socia– lista. estavam longe de se as– semelhar às condições atuais nossas, por exemplo. ou às dos Estados Unidos, ou às da InglateITa, ou às de grande número de pafses civilizados. A Rússia vinha de um re– gime que se poderia di!finir em duas palavras: - miséria e opressão, Miséria sem llmí– tes, miséria sem esperança, que condenava ao perecimen– to uma população enorme; opressão de senzala, opressão de ignomínia, capaz de jus• tificar todos os desesperos. Quando esse povo se sen– tiu próspero, quando alcan• çou a posse de um bem estar que lhe parecia milagroso e, de algum modo, sentiu-se participante da coisa públi– ca, não teve outra. possibili– dade de confronto mental, senão comparar a situação de que passara a du!rutar co.m Mas, se assim acontecia na Rússia, com nós outros, ame– ricanos. ingleses, etc.. sucede coisa. muito diversa. Viemos de uma situação muito di f-. rente, Viemos, exala.mente. dum ambiente de plena li– berdade, não raro prejudi~ cial. m11s no qual, de algum modo, haviam-os ediflcado a nossa prosperidade, embora precária e cheia de inconse– quências. E êsse quantum de liberdade é algum-a coisa de que jã fizemos parle de nós mesmos, alguma coisa. que se incorporou definltivamenle à nossa própria vida. E estamos prontos, di_ga-se, ainda aquf. sem fraseado romântico, es– tamos prontos, de fato, a re– nunciar a um.a parcela da nossa prosperidade, se esta exigir de nós o sacrifício in~ tegral da nossa liberdad~. Is, so não é programa partidári~ (C-on.clue na 3°, página) - --------------·----·---------------------·--------------------------------------- NOTURNO EM NOVA YORK RIO - Como náufragos nos refugia– mos num bar. Era noite ainda, mos qua– se d e madrugada . As ruas começavam a ser /ayadas e preparadas paro o pró• :ximo amanhecer. Seres noturnos passa– vam . Mulheres mist eriosas, homens exaustos, gente das procedencias mais dixlf:lt'JS, gente vinda de todo os can– tos do mundo, chineses, bulgaros, cen• ' tro-americanos, suecos, possivelmente hrasil~iros. Estavamas na Broadway. Os anuncios luminosos cantavam . O calor • lembrava a nossa cidade, o nosso Rio de Janeiro, a Cidade da nossa juventu– de. Pelas janelas do bar não chegava o velho yento marinho, apenas um ''cbeito" de cidade, de grande cidade, 1- um cheiro de combustível, um cheiro inconfundivel nascia d• chão, das cal– sadas, das ruas e invadia tudo . * ,ri- Olbei de repente Jayn,e Ovalle . Os seus cabelos estavam quase brancos, no entanto, era éle mesmo, com o terno amarrotado de brim . Envelhecera, sem duyida, mas guardava ainda o mesmo aspecto irretratavel, o nariz imperial e os olhos cinientos eram os mesmos . Não abandonara o incriYel monóculo e o cigarro apagado adormecera esque• cido, como sempre, nos seus dedos. Já tanle, quase na bôca da aurora, o mo- • AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT (Copyright E. S. I., com exclusividade para a "FOLHA DO NORTE, neste Estàdo) Yimento era ainda enorme no bar . AI• guns bêbados murchavam, em subitas tristeias, mas outros bavia que t enta• vam cantar. Uma mulher fatal , ao lado de um bomem indefiniYel, dominOYa aquele fim de noite, com um ar de f é• dio que parecia um convite ao suici– dio . Começamos, então, a falar, à-tôa, a falar de Nova York, do deserto de tan• tas vidas, de milhões de vidas, a falar das crianças e das raparigas claras que dormiam nos pequenos apartamentos; a falar da cidade e dos bandidos, dos dançarinos, dos trabalhadores das do– cas, dos empregados no comercio,enfim, de todo o mundo que Nova York con– tinha e alimentava, e que naquela hora o sono Yencera, e viajDYam naquela ho– 'ª no bojo da noite, confiantes e dban– donados . Nossas palavras, que besita– vam, fariam pequenas parábolas, pou• sovam rápidas nos grandes edifícios, nas luzes, nos seres presentes - yie– ram pouco a pouco se aproximando dos ninhos antigos que estavam escondidos em nossas almas , Voltamos, então, ao Brasil, a um Brasil que não mais reye,e– mos, a um Brasil do Artidoro, de yio– lões nas ruas da Tijuca, a um Brasil de namoradas, de tardes macias e carna• vais passados. Jayme Ovalle, com os olhos já úmidos, pôs-se, lentamente, a evocar as noiYas perdidas, as numero• sas, as incríveis ·noivas que penetraram um dia na sua vida, com flores nos ca– belos e pequenas mãos quentes, e se fo– ram, deixando-o sózinbo . Nomes fe– mininos surgiam, inesperadamente, pro– nunciados na Broadway . Jurema, as quatro Marias, Dédé e tantas outros brotavam do fundo do cor<1ção envelhe– cido com os seus sorrisos tímidos, ou com os olhos maliciosos de outrora., pro– m etendo secretos carinhos . - Onde es– tão agora essas que amei? Perguntava• me Ovalle isso, esquecido de que eu já respondera, num poema, a essa mesma melancólica pergunta . Depois ele evocou os amigos, os mor– tos e os viyos, - lembrou-se dê Manuel Bandeira na sua solidão de Santa Tere– sa, antes, bem antes da Lapa, da Gló• ria e da Academia . A filha de Lopes, a que tinha um ar de confeito, noiva ,e– tardataria, apareceu um momento e se loi para o esque.cimento com o pequeno corpo roliço. E veio a ilba de Paquetá, as sobrinhas meninas na praia do Esta– leiro; e, logo, a imagem da irmã Leo• lina, dele se desprendeu como uma rÓ• sa triste . Durante um instante Leolina se assentou ao nosso lado e pareceu-nos • • ouvir a sua vor um pouco rouca; os seus olhos inteligentes e Yivos brilhavam por entre a sufocante fumaça de cigarros que enchia o bar . .• * 1:- .Saímos depois porque 0Yalle precisO: "ª contemplar as estrelas . A necessi• dade de encontrar estrelas se tornara rte/e premente, inadiável, yiolento. Pro• curamos, então, pelos céus de Nova York, pelos longínquos céus de Nova Yorlc, estrelas. Já naquela hora, eram elas raras; duas ou. três apenas, ainda se mostrayam, ainda estOYam presen– tes. E' que uma lur roxa anuftciava a aurora próxima e as estrelas se reco– lhiam, como um quieto rebanho . Dei• xamos, enfim, o Broadway e caminha– mos um longo momento, por uma rua deserta; e já na hora da despedido~ 0Yalle ler-me espera, 1 pediu-me um momento de atenção . E' que talvez possamos ouYir agora galos cantando 1 disse-me ele . Mas a espera lol YiÍ , Nenhum galo cantou, nenhuma yo.z de galo atirou aos ares a sua flexa vermelha . PossiYel– mente, em toda aquela enorme cidade_ não l,ayio um só galo .

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