Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

4.ª página ·- -- , . --- FOLHA DO NORTE Domingo, 22 de junho de 1947 -,;;=:;~==== ============================ ==;;;ai , • 1 liECIFE-22·NOVEMBR0-94S. Vejo cartazes sugt::~tivos pela cidade: "Povo Pernam- . bucano! Comparecei hoje, quinta-feira, às 20 horas, nó Teatro Santa Isabel a fim de ouvir a palavra de Gilberto FreYre, candidato da n1ocidade e do Povo PePnambu·cano à <::!ámara Federal". ' · J á ontem tinha ido, com Olivio Montenegro, Aníbal Fe~·rrandes e Silvio Rabelo, assistir à homenagem que o clube carnavalesco Pr.ato Misterioso prestou a Gilberto. Num 1. 0 andar de um velho sobrado da ru:i da Concórdia está instalado êsse tradiçional clube pernambucano. . Quando o e5-critçr ingressa no salão, é grandemente aplaudido. Via-se ali gente de todas as condições e elas- ' ses · sociais. Desde o pardo, o mulato, o preto ao branco de olhos azues. Gilberto estava emocionado Toda aque~ la multidão ·se comprimi~ n,os salões. par-a levar ao ami– go do povo simples a·e Recife sua solidariedade. Um pr.eto ~iz . algumas- .palavras de saudação, lembrl!ndo o' quE: o sociólogo r~presentava para tódos êles. · ' 1 Depois, começa a falar o escritor. De inicio diz ·que 6 um velho amigo de todos os que se encontram ali e não um interesseiro que os procure naquele momento para fins políticos ou pr.ra parecer querido do povo. Re– Jere que há uma semana caminha pela mão dos estu– dantes pernambucanos para as eleições próximas, não podendo gastar dinh.eiro, mesmo pouco, com votos e elei– tores, como está també1n decidido a não pedir votos nem ao mais íntimo dos seus amigos. A certa altura diz: "Não tenho voz para pedir •votos, t . 1 como nunca 1ve VQZ para pecl,ir a,mprego ou honras a , pod1;,rosos do meu pa,ís ou do estrangeiro' 1 • Os p~rn<Un• bucan6s - ~ctesc~nt_,a - estavam quase livres da, g,epte i que por identifícação com o racismo, tinha verg0nha, do · p,ovo de Pernambuco·. - dos pre_tos, pardos, morenos - e nffi_o g,ú.eria que o v:issem, a não ser de longe, os ·es- trangeiro~ distint@s. , " : Terminado o díscu. rso, fomos p,ar,a 8 ' salão d~ dan- ças.. A or·questra Jog:o ataca u:m frêvo bem apünéntàdo. Quezn rGsiste? Somente: o crítico Olivio Montenegro, que a uµt cahto _com Sil\rio _R:àbelo sabqreia uma cerveja ge. ladinha com pittu, e sirís. Todos nós outros, irrclusíve Gi:lpérto, caímos ·na qar ça . . ' . O salão. erà ,uma ~nancha de pretos e 01:ancbs rodo– piapdo. Não tiro os olhos do sociólogo, que ab.taçado com uma morena bem carregada volteia, lépido, todo al~gria. Volt9 para c_asa tarde, num bonde de Olinda. .Res• piraado o roeµ tão co11hecido cheiro das Jmangueiris dqs . . ' ye-l!ios quintais pernambucanos, experim.e~to a certeza de que .não pode ser derrotado quem está.assim tão iden- ' ' , t ificado ,com o ~eu povo. • • J . e. , . Os "Arquivos Implacávei1f' não podem ser . ~ranscritos, mesmo parciaim.ente. sem autorização do sr. João Condé, que sob sua responsahiJidade di~ reia dirige a secç~ó. • - . 1 ' i • , • - • - • • - - •- A tempo o livreiro antiquário Carlos Ribeiro propôs-me comprar um soneto manus-crito do poeta Olav-0 Bilac. Fiz ver àquele livreiro que, não sendo . . E sem que eu J.!ie_r~_;;poti:d,esse, deu uma gargal:-báda em que sentia tod.-0 o seu. des,prêzo pela · minha pobre opinião. Despedimo-nos fr-iame:ite. comerciante, não qie interessa:va a propost, . Carlos Ribeiro confeswu-me que eu lhe pode– ria pedir qualquer preçg, ou propôr qualquer troca,' contanto que lhe cedesse o poema. E explicou-me: -- 'I'enho um velho conhecido comprador de livros e colecionador maníaco de cois-as ·de Olavo Bilac. O ho.mem não me deixa ma-is em sossêgo. ·Desde que descobriu que você po·ssui um soneto do :Poeta, não me deixa mais. Quase toctos os dias me. persegue com recádps e tele– fonemas. Vou apresentá-lo a você, e você re, solva êsse negócio, que éu não posso n)ais. . . . Ê assím .,num fim de ta1'<ie, na, rua da Qui– tanda vejo-me em frente de Carlos Ribeiro e . ' . do ã pabconadtj bilaquiano. Feitas as apresentações, pega-me o jovem pelo braço e lev&-,me a um café, dando início às suas propostas. Ouvia-o_ silencioso e che!o do mais vivo interêsse, só nao .conco1'<iando com os fortes argumentos de. que se servia para me adquirir o son-eto. Não chegamos a nenhum acôrdo, e o homenzinho, querendo - quebrar a minha, firme recusa, insinua-me c-0mprar os versos por Cr$ 500,00. -- Não meu carer, pôr êsse caminho não levará .a m;lhor. Você compreende a minha situação. SQu um cole-cio113:dor, e. como tal não será, a fgrça do dinheiro qu.e me ,d-emoverá. O jovem .fiça mei9 .confuso. Ven<ler o soneto não ven!fo, - açres• '"cenb<i>·. - Podemos eneontrar úm meio. Con– siga-me em tr-0ca outros poemas e cartas de es<:ritore$, e faremos uma barganha. E com-0 tima demonstração .de minha von– tade de ~olver o caso safisfab;>; ria.me ,nte, de– claro, i-ngênuo, que o poema não era de minha predi1eçãó. Para que disse tal coisa, meu Deus! O. jovem fitou-me· ra.oooroso, olhos vivos, e com " ..,,. . ... .' .,. .. - ,.. . ... u.rn s,;0z:i;isp qo mais pr-0fundo desprezo retru• O. caso poderia te1· terminado, naquela cena mei9 trágica se há dias ·não viesse reatá-lo o ho1nen-ziiiho. Encontrava-me certa tarde ;nurm bar da praça Mauá com ·o jovem poeta Lêdo · Ivo. quqnido tne aparece o rapaz e com~m1,1itas 4E:S,• , culpas, u1n a.r estranho; vis_i~un~nte agita.do •.. Pede licença pàra ~éntar-se à nossa mesa, e vo1ta ao, ássunto: a transferência do soneto para a sµa coleção. Exa comovedor o interêsse do -bilaquiano. · -Dei -lhe g,ran,d,es esperanças; - pergunite'i-llie ~ -não haveria outros possuidores de sóríetos <le • . .. '# ... • - • ' Olavo B1lac. En:tao ele me contou a seguinte história: -- São muitos raros os sonetos do poeta.• Ac-0ntece que Bilac inspirou uma grande pai• x_ão a wna moça. Esta jovem possuía uma qu-anti<lade enorme de sonetos e cartas do ma• viooo bardo. Guardava· tuido aquilo como v-erda– deira relíqua. Nada fazia que ela se d-esprendes– se do seu tesouro, nem na vida nem na moo-te. Sim, na morte: quando morreu, há uns dois ou ·três anos, fez questão <lie que fôssem deposiltado~ no seu c.:ixão as cartas e son•etos do poeta. E asstm foi feito. ~ r Essa histó1·ia, segundo vim a saber, é verí• . ._, . ---- - _...,,.., ...... , ............ "-- dica. Como solução ào nosso caso falei ao jo– vem: ' . - Bem, meti caro, tenho urna suge;,tão. Ouça-m~: podemos- rehàver · todo êssse material. Qualqú,~r madrugad:a d~ssas, va.mos, munidos de pás e picâr,etás, ao · cemitérió. ··Poder.êmos , . - . ,.. . enti·ar 1a de tarde p;trá nao provocar descon- .fia~ças. Ficare_m-OS eseonqidos pelos mausoléus e de ·madrug-ada ·poremos mãqs à obra. .Abri– remos .o tµ,m.uJo e dividiremos em partes iguais .as cartas e os sonetos. 1 O .ho~enziril1-0 ÔLhou-me me}o espantadó, e oom um.sorr iso de '4úvida nos lábios. Mas a, cou- me: • • • li ,, . .{, ,, • -.- ·~ .. ' ..... ,minha f1s1onomn1 era de hómeqi que fa,lava. sério. Fitéi--o firYM: -- Ora, que entende o amig-0 de poesias? . . Fique s13-bendo q11,ie . ~.a I,jngua portµgu~a ne• n,hum outro p.oeta iguala Bilac. Com ·ee-rteza - v:ocê é dos . que preferem êsses ,poetinhas mo-– demos. Leia o Eloy Pontes pa.ra se instruir a êsse re/)peito. • • -: Con10 é, está disposto ? : ~ - : '(o/f! : 1_ ' O poço o~hou-D:_):e ~eio deseonfiad-0, leyat!• tou-se e me disse: . ~ Bem, vou pensar .direito; depois con• .versaremós. ;. ··-; · "' ... • • • ...... , ♦ ... • • • • ' ' l • • , • • , ' 1 • • • •

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