Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947
• JEAN COCTEAU Pintores . Confissões Do Solitário P ierre DESCAVES (Copyright do Serviço Francês de Informação) Afim de ressaltar a diver– sidade dos talentos de Jean Cocteau, escrev.eu . outróra. um ensaísta, sr._ André Rou– veyre, ser ele uma "coleção de refl~os". Com isso, é mis– ter entender que essa artista brilhante e surpreendente "re– fletia-se" nas várias feições da atividade intelectual nas quais seu gênio buliçoso parecia so– mente fixar-se de leve, quan– J{'O, realmente, as penetrava pro.fundamente com sua rica e ca,tivante personalidade. Na verdade, mereceu J-ean Coc– teau o titulo de feiticeiro que lhe dão seus admiradores. Di• verte.se com metamorfosear, com sua varinha de condão, as formas mais vetustas ou mais clássi<:as de tal ou tal atte para estrair delas mara– vllhas de jocosidade, impre– visto, poesia e graça. Para ter-se uma idéia dessa atividade espantosa, basta sa– ber-se que, na mesma semana. Jean Cocteau apresentou, no rádio, uOedipo Rei", adapta– ção livre de Sotocles, tez pas– sar n-0 Festival de Cannes um de seus filmes "La Belle et la Bête", terminou oo ensaios de sua nova peça "L'Aigle à Deux Têtes", em Paris, e ti• nalmente, publicou uma "Poe– sia Crítica" em que se acham aforismos brilhantes, dos quais constam alguns de areus ditos célebres: '"Era Vitor Hugo um louco que julgava ser Vitor Hugo" ou ai•nda "Cães. Erik: Se.tic queria fazer um teatro para cães - C<>rre-se o pano. O cenário representa um bsso e, finalmente ''E' nri&tér ser homem vivo e artista póstu– moº. Há nisso deslumbrante pirotécniea que bem podem saborear os intimoo do poeta. pois tudo o que diz., tudo o que laz. é assunto para litera– tura, tanto como a lit.er &.tura está sempre presente em seus ditos e ações. Contudo, de crl.a.dor, tem ele o condão da imagem: "Quando era peque– na, julgava e\l não fal:ITem 06 estroogekos nenhuma língua; prestes a aderir) das corTen– tes para cujo âmago se sente ele levado, tem sido a norma desse homem que parece ter tomado para si a regra de não ter nenhuma, ou melhor, de lançar mão de medidas per• sonalissimas e escalas de va– lores mui própTias. Explica l.sso porque lhe é a vida re– presentação constante. Paraenses ••.Visitar Jean Cocteau é lograr profícuo contacto com o universo que ele criou para si. Já, uma vez, se descreveu seu pequeno apartamento no bairro do Palais-Royal. Sua pedra, em que coMigna as ta– refas do dia, vizinha com de– senhos ideológicos e estranhas esta<tuas. A moqueta rubl'a, mui burguesa, que veste o as– soalho, não destro! a harmo– nia desse interior singular on– de a bela mão do poéta, seca e longa, deu a cada objeto (até mesmo ao grande divã recamado com uma pele) um lugar definitivo. Quasi se con– funde o semblante, pouco me– nos que ascético de Jean Coc– teau, com essas fisionomias de pedra, imotas no :lundo de seus relic~rios. Basl.a, porém, que se lhe acendam os olhos sonhadores para sermos arre– batad os pela visão que conta, i.nta.ti.gavelmente, o an.tiu:lão mais encantador, conquanto mais decididament.e alado. Jean Cooteau ... é Ariel. E', (~ Uonclu,ão na 2.• pag.) "Negro", de Garibaldi Brasil -------------------------------------- ~- • ANTôNIO GIRÃO BARROSO é um dos poétas rep re• ft'lllafiv~ do Ceará. A sua d estacada atuação nas letras lhe assegw:ou um iogar p erleiia mente à p azte na vida lite– rária de seu EsJa.do. Recen t emente publicou .,Os Hospedes.,, de colaboração com Otacilio Colares, Alubio Medeir e_, • Artur Eduardo Bene-rides. trêa ouiras grandes expl'essões da nova g e.raçã o de intelectuais cearenses, D essa c:ole11ln ea de excele11.tea poesias, extraimos para os nossos leitores o seguinte ..P oeman: • Maria. na doce paz azul deste poenla sem lágrimas minha mão quer te ofertar rosas e não versos. Benedito NUNES I &- O Juizo final marcari a fadiga, o deocontenta– mento dos imortais na obra da perfeição humana. A elegia do Anjo será para Deus, não para nós. E' melhor ficarmos sótinhos: os patifes se en– tendem. X X -- 11- Ninguém pode llbertar– se do mundo e ninguém ouse desprezá-lo. · Será viver na atmOoSfera mo– derna, novas visões de Santo Antão ... 1 --xx-- 11- Graça Aranha não tem razão; amôr não é "um desdobramento doloroso da personalidade". Não temos melhor visão do mundo senão quando amamos; toma-so bem visivel a unida– de e imortalidade de todas as C<>isas. Se há númeno, o amôr é o • numeno. únicos que podem gundo Aristoteles. viver, se- , X X -- 21 - Adlan.ta sonhar, por acaso? Ouvir Chopin e depois cair na terra dos ban– queiros e dos te-rriveis propa– gandistas protestantes. Não basta isto para fll?A!r a mor– dacidade? -- X X 22 - O paganismo deve ter sentido a friza dlo cri~ tianlsmo. Petrônio chama-o de anti-estético. Não há maravilhoso cristão. Apenas uma sequênela de ter– rlveis sacrifícios, de mortlfi• cações sadi.co- masoquistas. Em toda a Tebaida, monges cruel• mente apertados em Silícios; a meiga Santa Inês alcancan• do a eternidade, depois das chamas crueis da logueira pa– gã. e os beloo seios de Agueda an-anc.ados sacr.llegamente. E' o marlirío, a dôr, levada a x x exaltação, a divinização da 19 -Amar intensámente é dôr, que Fouillé assinala quan- quasi fazer~ um nús- do se reitere ao sentimento tico e o misticismo é como amOToso na filosofia Cristã. qualquer perturbação na or- Prefiro Diana, repousando dem psiq~ca. . após à caça, sentindo a natu- Há nú!t.icos que_ vivem inti- reza e comungando das infe– ~all! en.te com a Virgem; o ma- ~ licidades humanas; Pala6 Ate– nanismo esconde um intenso na rompendo O pensamento ~pulso sexua~, u1;1;1a l~gitima d,e' Zeus intrometido. vontade de viver . o pantcismo é sadio e sim• . X x -- pático, tão simpático que pas- 20 - Smto-me proíandamen. sa nas filosofias sob as formas te inte,graQo no Inver- mais sutis no. Nos djas d~ s6l os hometll!, Que es~cie de Deus é ess.e como as .tonrugas, enchem o que impulsiona de dentro para mun-do: bestaa e sábios - os tóra ? o essencial é sentir Deus; _sempre que o atastár– mos de nós cairemos na teoo dicéia - e a beodicéia é a li– teratura da Metafísica. --xx-- ' 23- O imperativo categórico - que coisa terrível! Um prenúncio do pragma- . . - tismo Os genlos, como os anjos_ têm ...., suas quedas. Klmt apresenlla-n.oc o di?'Vt'r como plenitude da ação humana, A !elicida<le está longe de ror olhada pelo sêco e metlw:!1co professor de Koenlgsberl! O dever é a primeira pala– vra que os esbirros aprendem e nada mais contrário à liber-• dade - primeira ligação com o mundo! Nada importa senão sentir e vida, Wlir-13e com o mur.ido. jogar-se no E1lerno Movimertto. mas, _pretendm-em, entre si, fa– lar uma. E' o (!Ue pensa o pú– blico quando nos (os J)Oétas) cons.i1iera". Tem, também, o condão da imaginação: "De– vassar-se-á, um dia, o silên– cio. Arqueologos extrairão do vácuo grego um farrapo de :fanfarra, um grilo atroz, risos zombe~. R,epeth-á o bron- 2e o que regista desde há sé– culoe. Tornar--se-ão !&l.anlies as estátuas. Delas emanarão mú– sicas, frases l.Dadvertidamen te cochkhadaa a .se-.1 pé". Mas a pena me trái e corre sôbre o papel inelutavelmente e são palanas que jorram. se bem que de rosas A íelicidad,e leva-nos a apre– ender com profunda lndife– rênça o nasc.ima:1to e a mor1AI das coisas. •.. Invocar Jean Cocteau é penewr sempre mais avante nw:n universo novo cujais dl– m-ensõea ,e vão oonstantemen– te a-largando, porquanto a ex– ploração Cmeio reoeosa; mas Era como~ depois de acal· mada a tormenta, tudo esti• vesse em núnas. Po.r que sua reslgnai;ão, reconhecia agora, Dada mais significava do que um• abatimento, 1m1a incapa,– cidaãe para lutar, para se de– t ender. Viessem as conse,. quêru:ias, neste momento: Ba– Yía de ~las de braçoa abenoe como são recebidas aa velhas amiga& J'<>gou na água a caixa de fósfo.ros vazia. Olhou mais uma vez o grande navio ne– gro e iluminado dentro da noi– te. Há quanto tempo estava ali, debruçado na grade? Não sabja. Revivêra tudo, com todos os detalhes, Os apftol!l dO! vapores' não chegaram, nessa ocasião, aos seus ouvi– dos. Nem repará.ra nos bar– cos que passavam, continua· menle, carregado,s de .trutas. Não ouvira tambem a voz me– lancólica dos estivadores que, próxilno, cantavam em sur– dina. Nessa noite, apesar do luar, apesar das estrêl.as , ape– sar do canto triste dos traba– lhadores, apesar dos barcos que passaram, nã-0 enconlrára • mesmo encanto no cais. Era o lugar para oode uma es– lr.mha simpatia e um Jnexpll– cavel lirismo o levavam de 'VC% em quando. Naquele mes· o meu pensamento se inflame e se perfume. Te quero ofertar rosas., Maria. rosas antigas como a tua lembrança e me saem estas palavras, que de nada valem. Tú as escutarás. mas o barulho não deixa ouvir é o mundo máu que fala. o mundo máu que está matando as rosas. Maria. na doce paz azul deste poema sem lágrimas minha mão quer hl ofertar rosas e não versos. mo lugar, debruçado como neste momento, muitos ro– mances construira, muitas vi– das dlicrentes vivêra e, algu– m-as vezes, movido por uma es– tranha volúpia, h avia aoftido também. Assim :realizava suas fugas. Mas, agora que, mais do que nunca, necesrutava a-fa8taNle de tudo quanto o rodeava, sentia-se prisioneiro e 3eUS pensamentos reduziam. se apenas em recompor o que -sucedera. Os olhos de Izabel voltam a fitã-lo, convidando-o. Ouve novam-ente sua voz, sen– te aeus eabeloe negros nas mãos e percebe o CC10vi-tc p-ara a pez,dição que eram ,eus lábios. Diante do que acontêoera havia se afa&tado. EJa havia percebido 9eU ca-n.saço e o prendera. Mu, tugira, imagi– nara de.tesa,, sabia que não era clllp.ado, que ninguem poderia acusá-lo. A prlnclpio, aentira-se d e- Conto de MARIO COUTO (.Espectail pa1'a a FOLHA DO NORTE) sorlen.tado. Um pudor que não conhecia antes não lhe permi– tia contidên<:ias, pedidos de coru.elhos. Os amitos, por cer. tio, p re.ferlria.m que lhes con– tasse detalhes do caso, indaga– riam quem era ela, .fariam sórdidas perguntas. E, com mêdo de se t rair, de que al· guem descobrisse num sirople.s gesto seu o que ti.zera, pro– curou o velho e amigo mls. Nes..a manhã, entretanto, ha– via sentido necessidade de um regresso às companhias. Tinha a imprel!Sáo de que tudo ha– via passa.do, facilmente seria esquecido, a calma volt.ára. Subia a rua, teliz já com a surpreui que os amigos teriam ao revê-lo. Son-ia imaginando a resposta que lhes dari.i q11ando perguntassem o que andara fazeido. Te~ vontade de contar-lhes uma mentira enontne que oe aBSGmbrasse. Mas, pensou, o que na reali– e.lede 06 a$SQilllbraria seria toda a verdade. Mesmo assim, ltOT– riu. Respondeu ao cumpri– mento de um conhecido. Foi quando, ao dobrar a es.qllina, ouviu aquele "pchiu". Sim, . havia tido imedia-tamente um preMentimento. Voltou-se. Era o pal de lzabeil, com o seu eterno fato branco, sujo nos punhQS e na g6la e o sebento chapéu que cobria uma calva imoral. Eaperou-o, angustia.do. O homem aproximou-se, hu– milde. Tirou o chapéu, esten– deu-lhe a mão. - Precisava falar com o senhor. Não havia dúvWa. Iria ameaçá-lo, talar-lhe sôbre Iaa– bel, apontá-lo como um cri• mlnoso. Vendo, porém, na sua frente um homem tão desajei– tado e humilde sentlu por êle wna profunda compaixão. Tambem ele não era cul_pado, e se lzabel o fôsae, por razão .seria obrlgado a sofrer pe.toe erros da filha? -, Pois não. A 's suas ol'dens. O homem. rodou o chapéu nas mãos: - Tal ve2 eu o incomode. Talvez o ,enhor ~ ba alguma cousa de importante para fazer. Pedro aentiu- .ia:l<:amodado: - Não, absolutamente. Pos– so fltendê-lo. Sim, o velho de~ia estar sofrendo também. .Amava sua filha, qua1n,tos planoa não ha· via idealizado para ,eu .futu– ro? Gostaria de vê-la eeguín– do um caminho n.obre, cabe– ç,a erguida, feliz. Afinal de contas, pensa Pedro, j,&so era muito natural No entanto, via, a.gora, todos oa projetos desfeitos, desaparecidos por completo todoe os 90l'lhos. Iza. bel perdida., Izabel 5'ICD futu– ro, Izabel úttelizl O chaJ)éu rodava nas suas mãos magras e inquieto.. Pedro tomou-lhe e braço; O homem · é como a figura sem importância que aparece. acidentalmente, na película cinematogr.i.tica. Não importa. Estamos no celuloide conquan,. t<> numa eombra. Tenhamos e • a v:isão. i •-1111 A felicidade llO!I levarà a ela; o dever nos jogiu:á na -– téril cidade dos homerlli. • - Não. Vamos tomar wn ca té. O bom-em teve um sorriso. Aqueles lábloa que se alarga,– ra.m por um rápido Instante, aumentaram a piedade de P e– dro. Sentiu uma desconhecida alegria. Aquele homem espe- 118.Va um gesto seu, uma p a- • lavra ,u.a. Se o decepclonass• o que não a.conteceria? E, re– pentinamente, sem aabe.r ex– pliear o motivo, resolveu sa– tisfazer e alegrar -aquele ho– mem. Sentiu-se dlminuid01, pequeno e intame, diante do v~bo. Fazia esforços para en– cará-lo. Descobria nêle uma dôr profunda, quasi irreme– diável. Ao entrarem no bar apeou um pensamento a-eotnpanbava Pedro: bel de salvá-lo. Nem que se sacrificasse para isso, nem que is,so viesse mooar o rumo que estava resolvido a tomar. Mas achou tão 'comUJ\l e tão imbecil a lembrant,;a que a ataslou imedial.amente. Sentaram. Dava a imPN1- .sã1> de que o velho não ou– sava iniciar a conversa, aco– vardado. Pedro -sent.iu -~ na obrigação de o an.i.mar.: - Penso. que sei o que • senhor deseja me dizer.
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