Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

,1 • . ' 1 A R• 1· 1 • • ' 4 ~ . . • ·Ag<isto - 18-1945 • • • • • ' ' . • - Leio nos jomai..3 que Dom Jacinto ~enavente estava de pas- - sagem pelo Rio com desfino a Buenos Aires. Sabia que Dom Jacinto era c_onsiderado i..;m dos maicres ' dramaturgos ela Espanha e ganhara há anos Q -prêmio Nobel. .. Esses dois fituloo m.e despertaram a curiosidade de conhecê.-lo. l}ssim é que ôntem fui ao ·barco e.s.panhoJ à cata de Dom Jacinto. A minha pro.cura nos. primeiros minutos foi trabalhosa, pois certo jornal divulgara que o dramatui,go era fascista e estava a i;erviço de Franco fazendo excutsôes pela América. Dom Jacinto estava ém face da notícia es escusando a falar com "los pericdistits bra- .. • silenos'}, Não desanimo. ·e-com jeito,. muito jeito ln~mo, e tendo ' ' ainda a ajuda do poe(a Augusto Freêie.riéo Schmidt que se- encon- , :trava também no barcc,; oonsigo avistar-me com o homem.De.• pois de apresentar-me como simples coleciona.dor. entratnos a conversar. Dom Jacinto.• peque.nine. magro, com um rosto afi• lado, voz pausada ~:;cuta-me. Não, não escuta. Dom. Jacinto • é incrivelmente surd_o. . ,!\cresce ainda que, mesmo ouvindo com um característico sotaque nordesti-ne. •• . . -Felizmente, um.jovem espauhcl, Jalvez condoído, oferecti-se para· intérprete. Conversamcs muito, assim. ,Ou melhor, flllei- ' • • • • • ~ • • • ,•• ' lhe bastante e I;)qm J_acinto .só fazia balançar a cai::,eça, .;orrindo . ' de vez em quãndo, sé bem qué .eu notasse.'·não raro. um desajus- tamento entre os episódios da ce >nv.ei, sa. e-.gravidade; ou sorrises d~ Dom Jacinto. Da nossa ccnve,rsa po.sso dizer que o drama- ·, · iurg? d(lsçonhe.~ia q?ase cen:11'.!1,e,~mell:!e" a, \ite::-a.t~ra ~rª~ileifa~ ' Não digo completamente-pcrque. indagando ·qu<1,l o escritor.bta• sileiro que ·havia lii:lo. i-le ficou meio esquecido, sorriu e depc;is ' ' falou que j~ _lera Dom Machado .de Ass~. Tentei, nesta càbêça· de. ponte, envereda pelo assunto ma- . . . . . ' ' c:hadiano, ma.:. Dom Jacinto ccmeça, logo ·depois, a, falai:- na sua nova peça de ·teatroque..,iria estrear.em Buenos •Aires. Entendi . - . ' . que o homem não esta~ a muito firme· em assuntos lit-erár~os brasileiros. .Assim me.smo ao· Jevantar.-me para ·ás despedidaG • ! • ~ perg~ntei-Jhe ~ -·co.n'hecià aigutn· dos nossos pcetas. Dom Ja- . çinto se concentra e - ó su·rprt,;a·. ç.as · sur-presas·l - • Dom · Jac~to me· éliz haver · Li'do alguma coisa, -muito pouco mesmo, - ·• ·r maa já lera peemas de Dom ~arlQs -Drummond. . - O que.1 - indagµ_ei· eu. · · .. - ?1as 0cm Jac:ir,itq pâc. sabia bem. Estava com mais d-e • 1 • • • • . oitenta anqs e com. a me.nrória•f.alhando um pouco• . ·, . À noite telefonei para Dom C_arl9s Drummond contando a .. , .. . ... no.vidade. -!Il·as ·tenho quase. a certeza .de que o gran~e ,poe.ta ·pen• ' • Gou lá. ccnsigo: ..:... _:__ 1 !0ra essa, e.sse Conde 11.lém de i~poriunar- : . : J • ' 1 - . . . ' me. q1,1ase.. tod~ as ,seman:is cqm·pedidos .ee autógrafos. deu ag-ora -... - ' .. . . . para ijientii . . • • . ' J. e• • ' MUNDOS • • "'Meu·ca-110 J dão G0n:dé, , Aí vai,.. çle açor.do com seu desejo:e-sob ·a antipá- . tica forma· de •uma- dedi• catória atrasada de se.te anos uma espéoie .de "justtfieação" àeste livro. Não é o que você ,qµer ? Desculp_e a.s frsl_nquez~s, . ; \,desc~lpe a possivel -apa- r0· -'-p pret,e.nção de tantas e tanta? decla-r~ções pes– soais. Mas'.aqui , tudo se– ría inútil e talso, se não fôssc tota'l, absurda, · . - . , - • • • MORTOS ·doentiamente pessoal e sincero. . ô <:1ue êste romance,re- }:)resentou para mim· foi mesmo. muito mais QO que eu poderia dizer aqui, no limitado•de umas poucas .P,áginas. Porque ,· . não foi só um momento ·q.e vida, básico, funda– mental. É sitn um 'desses inst~tes únicos na exis– tência de e:ada pessôa, em que se se.rite que se está•vivefidO ·O que se tem . . - . FOLHA DO NORTE ·de mais pessoal, de mais profundo. Tudo · se acu– mula de repente, tu.do converge misteriosamen– te 1ra os pontos cen– trais, para esses núcleos que só então se percebe que são os únicos de real ilnportância na natureza que se recebeu de Deµs. É como se estivessemos· perdidos sem o saber e, de repente, nos encon– trassemos, nos redesco– bríssemos. Tudo é verti– gem então na r~velação que ·temos de nós mes– mc "Tudo entusiasma, tudo .entontece, embria- . ' gu~s e euforia se suce- dem, os "a:chados" reves– tem a forma ·de "reco– nhecirP,.entos '' as palavras novas, j a m a ts ouvidas por nós em nós mesmos, ·• V ,, jorram com a abundân- cia das grandes e irre– freadas liberta1?êes. Vol– tamrs à infância, à pure– za dos jar~ins encanta:. dos e o próprio passado, .por mais carregado· que t·enha se tornaao, passa a ser um escravo :í'iel, dó– cil à evoca~.ão, . rico de ,.· sugestões criadoras, tal- ~~ . '••' ,.~ -,:~• . ~ .vez mesmo leve de. car- regar ... " M u n d G s lv1ortos" {1936, 1937 ... ) significou de fáto para mim. essa volta à infâ11cia,. esse re– descobrimen_to inespera– çlo. A primeira mocídàtle e a -}.dução da aventura literária log0 em seguida a paixão arderité e infe~ liz do rapazola de bôa fé e. d : -~ earnadura. por ês$e nosso pÕbre país e pôr U:ma série de proble- •· ~s que dizia.m respeito ,,:t,desgraçadq de~tino do rirundo, depois ainda a experiêncià religiosa com Jtoqa,s as agrura~ decor– réntes dá cr1se do nasci– mento de Cristo nurr1a alma que se sentia feri– da de morte rro seu indi- . feren+ísmo burguês. tu- do . iss◊- me- -afastara, se não no fundo do· coração, · pelo menos no teyténo · das atividades diárias, daqui:10 ql:le em mim era o fundame11tal, o que ha– via de mais profundo n.a minha natuFeza - sonho de uma infância, preocu– pação essencial de. uma ado 1 ·-~ncía diferente de outras, passada quase to– da' ela na secreta elabo- . r·ação de fabulações e mais fa:bulaçõe~: "o .ro- " . mance , ou seJa, como · você sabe, e para não ter de ir-mais longe: "Tragé- d . B A " 1a urguesa ... -qm dia, com mais cal– ma e se -isso lhe interes– ~_ar então, ainda lhe con– tarei todas as ti:ansfor– mações que a atual "Tra– gédia Burgtlêsa!' sofreu, Domingo, 1. 0 de junho de 1 ,947 ' desde a lo11gínqua e pa– radisíaca época dos no– mes ingênuos e gritantes como "Estudo sôbre o Homem" e "Precocidades Monstruosas" até hoje. Aqui fica apenas a indi– cação de que foi ~ volta integral a ésse mundo n1ais pr:ofundo, mais vis– ceF,almente "eu-mesm.'o", o q.ue "Mundos .M_o:utos" . répresentou. 1936, 1937... Para mim porém era co– mo se eu estivesse nas imediações de 1920_; uns dezoit~ QU vinte anos an– tes - e exatamente co– mo se, de volta de uma longa e violenta paixão de mocidade - tão inal sucedida quanto costu– mam ser essas paixões - um.a e$pécie de filho pró– digo, recebendo -o prato . de lentilhas, .sentisse os olhos úmidos das lágri- -m-as do reconl::i~cimento e da ação de €'raças ·Bom ou ruim, bem ou mal es:.. críto (e você compreen– de bem o que me.podiam interessar, "então", .os juiz.os críticos dos que não sabiam, dos _que não qoini?reendiam O\l n~_o ,qu'eriam, compreender a importância do livro pa_. ra mim... ) aquilo era eu m.~smo, · era o que eu ti- ' nha para .dizer- oú, pelo menos,-a letra "a" de um · ~becedário meu, ainda que sem maiores pr~t~n– ções. Para min:i; erá tudo '- ·aô mesmo tempo meu destino pessoal e •â salva– ção de miriha alma. Na– turalme.nte, ôs ou t ró s ide~is -não fica:van:i rene– gados, as paixões •poiíti– cas ou .,liter.át1ás não d~ sapareciam. O que era porém essencial em mim não podia ficar deixado de ladó, esqúécido ou· ni~ · veladó com ó r_esto. Ora, o tempo. e_ra pou– co; muit_o o trabalho a desenvolver; i m e n s as, descomunais, as dificul- . .. dades a venc-er por par- te· de alguém . qu.e tinha plena consciência de 1:1ão ' ter sido dotado por Deus de n~np.uma qualidade li– terária que lhe faeilita,s– se o pesado ·empreendi– rtiento tomado sôbre os ombros. A medida que as páginas de " -M u n d o s Mortos" iam ·se enchendo -de frases mal construídqS ·e enormes, (um dia eu ainda as retomarei ... ) talvez cheias de peque– nos erros de gramática, eu ia sentindo que não podia mais voltar atrás_, refazer velhos caminhos, (a não ser episódicamen– te: obrigações iniludiveis ou descanso inte-ncional), porque seria fugir de mim ·mesmo, seria trair, seria rtfn.egar ém mim o ·que havia qe mais pes– soal, de mais "insilericiá– vel", de mais inegociável com o mundo, com a .ten• tação do sucesso. O abis– mo estava cavado, o hia– to vencido: eu voltara plenamente a mim mes– mo e só por-_ lev~andade ot.1 covardia ·poderia fu– gir desse único caminho "vocacional", chegasse ao resulta.do que chegasse, pesassem sôbre mim, em ' A • •" consequenc1a, as acusa-' g.õ~s de leviandade de es– pírito e "fuga"'' que a má vontade de· certos críti– cos e a incompreensão de determinados a m i g o·s quisessf;!m for m u 1 ar. !'Julgassem" os que.o ou– sassem. Mais uma vez eu ficava comigo mesmo, com a minha ir,fância, êom a confianca nó futu- . . ro, com a justificação a ser ap.resenta_da um dia ' ; diante do único Juiz. ' ' "Mundos Mdrtos" podia não ser nada para mu•itós - para mim. tinha . sido o marco inicial da jorna- da. . ' Como você bem pó•aé avalia~-- nàda ·póde, naàa .,J , ., w . . • poderia ter. maior impor- . tância na minha pobre ~ • ,- ._ ., A • • apagadís~~a existenc1a. O livro é "capenga'.' éo- - . ~ ... \. mo "Dois Poetas''. ou co- mo ' 'Machiayel e o Bra- • <f"...- .~ ,.. ·~~ .sil", ma~, con10 nao o se- . ria, cornposto como f0i, significa_ndo p;ira mim · tanto quanto signüicou, provindo· como proveio · de .uma ebulição·· interior : . ain~a em pl~na fase as~ cendente-? 0 livro é "ca• . periga!!; sim, .mas já ago~ · . . - , ra crer.o nao ser necessa- río dizer a você que ne– nhum outro ' 'vaie" mais • para mim ou que êle.ain~ da é o q:ue.."eu preferiria • ter escrit.o''.. Ou talvez o díga, par.a terminar essa . • série de .c_onsider.açõe~ , por d~mais longas, con– fessando que, hoje, nesse • ·. "Anjo de Pedra" que vai ~- , sair; p qué realmente me agrada é. a sua semelhan- , ça íntima, orgânica, .. com "Mundos ~or·tos" de que possui ta_ntos e ~antos de– feitos que me são mu:ito caros: difiçµldad~ de lei– tura, - talvez por faJta de concessões ao público ' . - rea:cionárisino, selva- jaria, arcaísmo de con:– ceitos morais.e religiosos, enfim, .tudo o que -havia de menos ruim em "Mun- dos Mortps" e no seu in• tratável estreante ..• • E, com sinceros àgra- . .. decimentos pela idéia ge- nerosa e amáv..el dessa dedicatória, ~ aceite ~m. grande al:iraço, ·cheio de admiração e de estima do , Ociávio de Faria". .. • , , • • • / , • • . . ' • • • • • 1 ... • ' .. - . • ' • ' ·• . ' . 1 ) • ) • . •

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