Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

• P PROSSEGUIMOS .boje com o nosso inquérito sô• bre as diretrizes futuras do romance em nOslfo pais. Não se pode negar qu e êsse imp0rtant.e gênero literário atraviessa.. oo momento, enitre nósil uma !ase de transição. Di– fic se torna afirmar quais se– jam 01'1 rumos tuturoe do ro– mance no Brasil, uma ,rez que essas novas diretrwea estão condldona.d'as a uma série de fatores, n em tod<>s ponderã– vels. Na " enquete" que vimos reruir.ando sôbr,e o assunto, n ossos escritor,es t~m expendi– df) os seua pontos de vista a re9pelto e pela diversidade de– les notamos o quão d.lticll é afirmar-se que o romance i,e.. guinl futurameme e$t;e ou aq~e CMDfnho. P ara. o presente 11ÚDl.fl'O eo– themOB o depoimento dlo es– critor 1<J/Bfé Condé, autor da novei,a "Oamfnhoe na Sombra" figura de relêvo da modema geração die fice1cnl8tas brui– lelr-os. O eecrlbor pert,ambuca.– no, que é nome bastante ce>– nhecldo de D-OSSO público, man,. tém há exatamente um. ano, ume secção litemria no su:ple– mento do "Côrrelo da M&– l!obi". losé Condé, que é irmão do outro OcmQé - o don-0 dos •Arquivos imp~veis" - es– tá escrevendo no moment.o um romancelàa:lnrut sem titulo, cu– ja blstór ae desenwlve numa cldad~zfnba do tnterior flumi– nense, q,.te vem aendo aguar– d ado com muit.o interêsse nos cil'culos intelectuais metropo– litanos. Seu volu.me de estreia, .que foi muito bem roeoebldo pela critica e pelo público bra– sileiros, encontra-se quase es• got.ado. UMA TERRIVEL BATALHA LITERARIA O novells~ de ''Caminhos na Sombra", tomando parte em nosso Inquérito sõbre as diretrizes futuras do romance em nõsso pais, declarou: -Acho um poueo p recipita– do dizer que o romance brasi– l eiro atravessa uma fase de estagnação. Eu trocaria a pa.– lavra "estagnação" por esta : "'bransição". Em verdade., ae examinarmos isoladam«lté o a tual panorama dlJ. noa1a literatui'a. deiundo de l&– d o 118 ,eiera!1eções, sete- 111.0II bem mala prudentes. Ve– jatn<1111, por ~lo, a posição l'le José Lins do Rêgo: autor de uma grande obr a de ficção, tendo escrito mais de dle% ro– mances em vãri<>S anos de tra.. b ailio - o , melhor livro de J osé Lins do Rêgo é j ustamen– te o último, "Fogo Morto". .Tã com I,úcio Carooso dá-e-e o eontrár io: ~ois d e muito p romeller com o terceiro e o quarto livros, no tnoscurso d os demais que esc-NWeu, nada de novo att"eSCentou à su.a obra. Nesse caso, sim, pode– mos talar de estagnai:ão- Ou melhor: de repetição. O que estamos assistindo ~ a um período de transição. Es– tamos na expectativa d e uma renovação cfe valores e de t>e>– ~- Ou, como diria o Mar– ques Rebelo, estmos às vés– peras d e uma terrível batalha literária... O duelo entre age– ração mais velha e a geração mais nova. T ransposto o modernismo, Já 11 l BUENOS AIRES -Para le– gitimar alguns de seus artifí– cios literários, Sartre não dei– xou de estabelecer que todo estilo, inclusive o mais clás– sico e até o ma.Is comedido, traz em s1 uma série de tru– q ues. Em "La NauséeH d e- ~ monstra 1;1or exemplo com pe– netração sinl{lllar c;tue a regra comum de composição, q ue consiste em começar por de-– t:aJbar amplamente o quadro e as cireunstancias exteriores q ua.ndo queremos nai-rar ums. aventura, não canstilue senão uma habilidade para estender o campo d1l emocão até além do próprio objeto: "Oll a<:on– tecimentos se produzem em um senUdo e nós os contamos em sentido inverso - escreve - . Parece que se inicia a des– crição pelo principio . . e na realidade começamos pelo fi• n al. Têmo-lo alf lnvlsivel e presente, é êle que dã a estas poucas palavras a pompa e o valor de um comêço: "Eu pas– seava,.. pensava em minha.s diliculdades monetárias". 'Es– sa !rase, tomada simplesmente p-elo que é, quer dizer que o individuo estava absorto, mal h umorado, a cem léguas d.e uma aventura. Mas o final es– tá ali para transformar tudo; e para nós o sujeito já é o herói da narração. Seu mau humor e suas dificuldades fi– n1U1ceiras são muito mais es– timãveis que os no~sos, apa– recun complel.amentt doura- FOI-E'ADO NOltTE Domingo. 2S de ma!o de 1947 1 FUT URAS DO ROMA NCE UMA TERRIVEL BATALHA LITERARIA. . . - A NOVELA INGLESA E O RO, MANCE BRASU.EmO - ESCRITORES QUE JA POSSUEM MUITO DE SI MESMOS • mttlto bem realizado o papel A d SCHE sé Condé um exemplar de d06 escritores que surgiram de- -lmei a FI R - "New Writl.ng and Daylig'ht" poJa em 1930 - vamos proou- para 1946. E comentou : rv agora outros C8il'Jl.lDhos. China ou M Ing].a.term d.e- A NOVELA INGLESA E O -.Alguns depoimento., de Que caminhos serão e-stea ? pend',e dle tantos ~ que o ROMANCE BRASTI,ETRO ~ea escritores co.ntempo. Bem. !$to é outra coisa. O tu- "profeta" se vt obrigado a bo- rãneos foram aqui reu.nid<>S. turo __ do_t"Olll __ an_ c_e_no __ B_ras_ U._ na __ ·tar _ _ a_ v_i<>hl __ no_sa._00_ .._._ _ __ Em __ s_e..:guid :__... ª..:.•... m ... OS'b:'o:.:.::.::.:u:...-n=°' ::::..:~:.:o-:._..:bes :: :.::_escritores .não encaram - - W. H. Auden (Tradução de MARIA DA SAUDADE CO:ttTf.SÃO) ESCURO E MAIS FUNDO QUE OS V ALES DO MAR É O DESIGNIO. O HOMEM SôBRE QUEM, NA PRIMAVERA, RECAI - FLôRES ABRINDO SEQUIOSAS DO DIA, AVALANCHES ROLANDO, NEVE NA FACE DOS ROCHEDOS _. A SENTENÇA DE ABANDONAR SUA CASA, NEM MACIA MAO DE NUVEM SUJEIÇÃO DE MULHER, CONSEGUIRA DETE-LO, MAS PARA SEMPRE ESSE HOMEM IRA ATRAVÉS DE PORTEffiOS E ARVORES SILVESTRES, DESCONHECIDO ENTRE DESCONHECIDOS, SôBRE O MAR NÃO ESTANQUE. CASAS PARA PEIXES, AGUA SUFOCANTE, OU SOZINHO COMO PASSARO EM MONTE ARIDO PELOS RIACHOS DOS ROCHEDOS UM PASSARO DAS PEDRAS, UM PÁSSARO INQUIETO. EIS QUE A CABEÇA LHE DESCAI CANSA·OA. A NOfl'E, E SONHA COM A CASA, ACENO DA JANELA, CEIA DE BóAS-VINDAS. BEIJAR DA MULHER DEBAIXO DO 1.ENÇOL; MAS ACORDANDO W CNOMTNADOS PASSAROS EM BANDO, PELAS PORTAS AS VOZES DE OUTROS HOMENS PRATICANDO OUTRO AMOR. AH, SALVAI-O DA CAPTURA HOSTIL, DO SALTO SúBITO DO TIGRE NA ESQUINA; PROTEGEI SUA CASA, SUA CASA ANSIOSA ONDE CONTAM OS DIAS, PROTEGEI-A DO RAIO E DA RUINA GRADUAL COMO .NODOA ALASTRANDO. CONVERTENDO O NUMERO DE VAGO EM PRECISO TRAZEI A AI,EGRIA, TRAZEI O DIA DE SE U RETORNO, • FELIZ COM A VINDA DA MANHÃ, COM A AURORA INCLlN ADA. • • --- - ------ - ------------- ----------- - A Arte Literário De Jean Paul Sartre dos pela lm das paixões futu– ras, e a narraitiva continua às avessas: "exa de noite, a rua estau deserta..." E temos a sensação de que o herói viveu todos os deta– lhes daquela noite como anun– ciações, como promessas... cego e SU.l"do a tudo quanto não fôsse a aventura. Esquecemos que o porvir ainda nao estava ali; o Individuo passeava. em uma noite sem pressagio, qu,e lhe oferecia à direita e à es– querda suas riquezai? monóto– nas. e "êle não escolheu". No coojun\o das partieulari. dades de colorido tão brilhan– te q_ue distinguem a tactura li– terária de Jean Paul Sartre, podemos citar ainda o jogo frequente entre a presença e a ausêru:ia reais ou aparentes de cada homem n.a órbtta dOl'I outros. •Não esqueçamos que para o existencialismo. s6 exis– to quando os outros se dão conta de minha pessoa; mas minha presença real ao lado deles não basta; sou apenas uma coisa, se meu vizinho não me concebe; em compensação, posso existu- poderosamente a de1; mil quilometros, se alguem pensa intensamente em mim. Esse fenélmeno da existência– para-o-outro. que constitue o '1,.,-io ,i.. tantos romances de amor, !oi estudado em uiu ca- - Suzanne LABIN - (Copyright Inter-Prensa -Esse-Press - oom ex– alusividade J>(\r& a FO– LHA DO NORTE, neste Estado) . so Muito compungente por Ju.. les . Romain em seu romance "La Mort de Quelq'un"; Jac– ques Godard jámais existiu t.anto para seus pais e vizinhos quanto depois de m:0rto. Da mesma maneira, os _persona– gens de Sartre sentem forte– mente sua existência ou sua vacuidade na consciência dos demais. Philiµpo. no lugar a.onde eshí seu corp0. em casa de um falsifi-cador de t)a811a– portes, sente-se submerso no esquecimento; mas ao pensar na casa paterna da qual fugiu. diz consigo: "lá existo. existo firullmente, sou sólido. impo– nho-me . . . lá acabo de nascer e, no entanto, aqui estou, de– fronte dêste velhinho lom.bu– do... que me esqueceu por completo. Aqui, aqui, aqui mi– nha presen.ça monótona em meio a c~os e sul'dos; afundo– me em sombra; e lá. sob as luzes do candelabro. . . existo, levam-me em co~ta". ("Le Sursis") . :Em artigo anterior vimos que Sartre deunia e assen- tava os principalt tipos efeti– vos (o covarde, o sádico, o amoroso, etc.), segundo a ati– tude fuga:z. ou responsável do indivíduo an.te a sua própria liberdade e segundo sua con– duta agressiva, timorata ou in– diferente. anre a liberdade alheia. Seus personagens ain• da serão modelados sôbre ou– tra de suas concepç!Ses filo– s6ficas: a da dualidade do ho– mem que existe ao mesmo tempo como essência (para st) e como ooisa material (em sf). A vida se apresenta a SarLre, ora como uma captação da li– berdade, ora como wna con– quista da materialidade. Gra– ças a êsse misterioso ''desdo– bramento" de que são capazes, os heróis sarlrtanos, agitados por paixões tão anllgas como o mundo, adquirem, contudo, uma tonalidade inédita. ~e constante và.l. e v,em da llbe-t<– dade à materiali<lade está sim– bolizado por uma oscilação do fluido ao sólido, e como a mu– drnça de estado nimca é t otal, o homem jam:i.is c'hegari a ser compl~tamente sólido nem totalmente Uquldo: o ser hu– mano sera viscoso. Sartre é o p intor da viscosidade. Em sua obra encontramos abundancta eJCtraordin.ãrla de adjetivos tais como gordurento, oleoso, gelatinoso, pegajoso, açucara– do, enojado; verboo tais como coalhar, empastar, engomar, enlamear-se: comparações com colas. gomEl!I, resinas, o alca– trão, o caramelo, os cremes, as pastas, as gela.tinas. "Se vós os separals, embora por um instante. de seus remorsos - disse Júpiter a Egisto - todas as suas ;faltas irão coagular-se sôbre éles como goniu.ra fria." ("Les Mouches") . A queda da consciência (do para si) na existêncla bruta (o em si), se-rá pintada pol' Sar– tre como o enlam~ da liber– dade na matéria, e terá como consequência o asco de Ro– quetín. Em "Rui3 elos", El'ÓS• tate e Garcln se cobrem de visgo, não em sua mater iali– dade, mas em sua própria li– berdade. Esse conceito psico– filosófico é também ilustrado pela entrada em visoosidade de Lucien Fleurier em ..L"En– fanoe d'un Chef" e de Electra em ''Les Mouclles". Também }>ode haver " envtsicamento" de sua própria liberdade na 11- bel'd.ade alheia; por exemplo, ™ 0001 otimismo o .ru.1w1; ..... no– V'ela inglesa. Apoiam suas de– clarações na exlstêncla de inú• meros fatores q~ têm OOIJ:\OOf!'o ri.do para o desprestfgfo do gênero: o cinema, o rãdlo, • pequene história, a biogra.&. Segundo o critloo V. S. Pri• tdlett, "é de tê levar em ooo– La um h.tor que Jnvalida a f1o. ção e OOlnl.)romete o seu tu.tu• ro. E eete 6 a Incontrolável Pol'Çi.o de ftl)eriêncla oral e v:laual que 4 envlade pelo 6cran e pelo rádio cflretamente ao põbllco, sem cartmõnia. ex• pm~clas gue eram mono.p6- Do do novelista, que se encon• tra ns posição simfler da do pintor quando surgiu a foto– gratia". A mesma opinião ! endossada por A.rt.hur Koe&– tler, Walter Allen, Bose ?.'1au– calay. N "a.turalmen.te que com uma ou outre restrJcão E, prossegumdo: -0 tne$1l\O podemos diza: do romance brasileiro. Não i:o– mente as tend~ncias dOI t'5m• tores que virão, mas também. aqueles f atores de ordem ex– terna, talvez possamos dizer, ~ lntluêncla decis iva no futuro e consequentffllenfe nas diretr)zes do nosso romance de amanhã. De qualquer for– ma, seria uma ingenuidade tentar a.f4,mar que o roman– ce ser! dessa forma ou daque– la outra ... Som.ente o futuro poderá resp0nder com a segu– rança à sua pergunta. Eu rião posso e creio também que nin– guém poderá. I sto porque - repito - o romance, como aliás tôdas as man11estações de a.rte, são o resultado ae muitas experlloclas acwnula• das e do processo mesmo de d'e,envolvlmento • e transf.Olf'• mação da sociedade. E dizen– do isto est.ou repetindo um lugar comum. ESCR.rrORES QUE JÁ POS. SUEM MUITO DE SI MESMOS Após breve pausa, continuoo o escritor pernambucano: -~ palpit.ec poderão aer dados, tendo em vista o atual movim.1!'1'lto llterãrlo bt"a– s&iro. D epois de 1930. um grupo de bons esci-ltO'res t em. conservado em seus poder o q ue h á de m.a{s si«nlficativo no romance nacl011al Dec°"" ridos ma.is de dez a.noa. toi1a.– via. -poucos valores vt&ram ln• cotl)()r:ar--se à~le grupo. Hl muita promessa e nada mais. Não rurglu porém nenhum es– critor que ultrapassando aoue- 1.a experibla tomasse romoe diferentes. abandonando as águas j á tão intensamente oer– oorrldas. De uma foc,na ou de outra, os novos romADef!tas se– guiram as m~as pegadas doe que os a.n t«ed~ai:n. -Hoje, entretan.to - contf• nua José ~nd'ê - as mais re– cenu-s estTê!iaa nos col«ara.m ditante de escritores q,ue ;ã possuem muit-o de si mesmos e que, embora nem semore b em sucedidos nas suas te-n,. tatlvas, envec-edanm p()r ou• tros rumoo e trouxeram sem d6vfda uma mensal?em de oer– ~ modo nova. E fst.o é uma g rande coisa. E , concluindo : -seus livros, no futUJro, responóerão a e e rt a d8mente qui; dh-etríz,es tem o r omance brasilelro de amruihã. ante os olhares de outro, o in– divíduo pode sentir-se intlmi• dado; sua Uberdade se em;pas– ta. Finalmente. último aspeew to do enviscament.o é o de sua própria liberdade ll.8 materia• lldade alheia; por meio do de– sejo se:xual, a consciência se enlameia no corpo "amado". Etn "Int~té" Sartre descre– ve um trio de amigos: Lulú. Riretle e Henri, que se ade– rem tão fortemente urur ao., outros, que não podem desa– pegar-se, apesar da ln.sufici• ência .patente de que se sabem afetados e a degpeito do de– sejo de desunir-se. Para o h<>– m.em que não teme sua con• dição de homem, a existência autêntica consiste em assumir .1> lenamen.te sua liberdade, a desapegar-se; tal o caso de Orestes. que triunfa d:O visco– so de J úpiter. Para Sartre, o belo é o anLiviscoso. quex di• zer a líberdade fl.úida. Muito frequentemente, na história das letras fran~ escolas estr-epit-OSas que P0t' mlssão primordial se aitrihue:i»– sa-cudir o céu poético oom tem.– pestades filosóficas, demons– lrara,m - depois qu1!1'-a histó• ria decantou suas inquietações - não haver tido outra função que a de adornar com uma es– pécie de penacllo ideológico 11 eclo.são e os alvorotos d os no– vos talentos liferári0$. Tal f.o( o destino do romantismo, do &imbollimo, d:0 na1w.-alismo, e (Continúa. oa 6.ª pág.)

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