Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

• DOl'rUNGO, 25-de -~ci_e_1_94_ '1______ D::--:-úetor: PÃUL- Ô 1\[ARA.NBÂO·-- ---- NUM. i '1 RIO - ."-migos e amigas que nascestes em mal-0, estas letras e êste autor aqui es– tão simplesmente pa,ra se in– tegrarem na poesia dessa cir– cunstância e avivá-la em vós, .se acaso vai murchando, como sugeri-la a todos os outros eêres, infortunados sêres que nasceram em fevereiro. em agosto, em outubro. Porque vosso nascimento é pura can– !!)âo, mesmo que sejais eeono– mistas. deputados, feld-mare• cbais. Uma predestinação ll– rJ.ca presidiu a V(l<SS() berço. e que tenhais enveredado por um caminho prático onde a palavJ:a maio significa apenas 11,SSemblêia geral de oma com– panhia de produtos químicos, nã-0 têm a menor importância: estais marcados de maio, ca.r– ~gais convosco. no mistério de vossas veias, invisíveL in– qpttlrável, impeJ'lturbável "" al'íciante, o principio de maio, que jamais permitirá que vós tom,em po,r uim simples ho– mem de julho, e nii vossa miú– d~ ou radiante biografia há d-e semprn insinuar a nota in– tima, cristalina e melodiosa de um pequeno acidente feliz. indi-vidualizador do destino humano. -------------- ,>resas durante 89 dias e 2 ho• ras. na deliciosa e Wsa conta– gem dos meteorologis-tas, às expansões da terra que pe– netrou em um novo ciclo e aconselha bichos. gentes e plantas a qu-e amem, amem desbragadamente. Não estou delirando, ó criaturas de maio. Tudo isso se passa em outro hemisfério; mas também por estas bandas aus~ maio é primavera, senão na nature– za, pelo n1enos em estado de esp!rito. em concordância in– tima de valores, em <.,onsubs– tamci.ações v-aporosas de que ca-da um de n6s adquire a fór– mula, a qual, ó eleitos, nem sequer precisais aprender, po– is a recebestes com o primeiro vagid'O. Concordo, sem repug– nância, que o nosso mês de maio cai no fim do ollltono. Corto Aos ue Nasceram Em Maio Maio sois e maio• continua– reis. O uso grosseiro de vos– sa vi'<ia não lhe corromperá d e todo a limpidez original: se um dia matardes, se vos ven- derdes à política, se vos tor- nardes a vergonha de vossa !J:'Ua ou '"1e vossa pátria, ainda. assim o lado maio de vQ.SSa f isionomia continuará indelé- v el. e fará com que se diga: ''Coita-do! apesiv de tudo, !lla~~eu l!]ll maio," "E tu n~• ceste em maio" - assinala o p oeta, ao 1itn do canto em que celebra o mês especial. 11ss.im com-o quem se inclina di,ante do recém-nascido marcado pe- los deuses e afiança: "Tu Mar- cellus eris" Por qo~ ? De certo não sa16ejs bem porque, mas sentimentalmen– te o co-m:preendei-5 e, llomem ou mulher. os nasci-dos em maio caminham ao pêso de uma carga suave - uma an– dorinha não pesaria menos - que é o pre;,sentimen4o, a in– tuição de participarem de um s-egrêdo atmosférico. pois êle está gravado, em hleroglifos, no ar, e no vento perpassa. "Nós, os d~ maio . . ~" - ten– de o direito de sublinhar. em f ace da mi!;eráve1 situação de :nós outros, os do resto do ano (-exceto os de dezembro, é ela– iro !) . E aqui ouso afirmar que v osso segredo é meio-pagão, :meio-religioso, de tal modo as coisa;; se baralham no mundo, e os mistérios se prolongam e $e entre>laçam. Porque há em maio dois me– S1!$: o mês de Maria e o mês de mai<:> propriamente dito. Se sois cristã<>$ romanos, maio bate sinos na V-OSSa infância mos com a mio antJga e bran,. ca que nasce de súbito na pon– ba de vossos braços adultos. Mas se não sois cristã06, não faz mal, maio ainda é fes.ta, e festa foi sempre, desde o velho mundo latino, que o consagrava a. Apolo e lbe pu– nha na cabeça uma çesta de tlôres. Apolo, tlôres, :fim do cruel inverno, in'âdiação da primavera, procissão de palmas verdes, enfeite de c.-asas c01m verde tudQ verde. verde, ver– de, e' ês.se ramo florido e en– guirlandad-0 que na Idade Mé- - Carlos Drummond de ANDRADE - (Copyrlg-ht E. S. J., com eicclus.iviwi.de pa.ra FOLHA DO NORTE, nest.e Estado). a die o amigo 1a plantar à por– ta da casa do amigo, a. 1. 0 de maio, e que se chamava maio, e que sugere ao meu austero dicionarista Caldas Aulette "Só para meu amor he [sem,pre Mayo". De resto, o segund-0 maio, o mariano - em que Dão des– faço, tanto lhe devo eu próprio ~ expressão ' para definir um sujeito todo enfeitado: "Parecia mesmo um maio''. Como sugeriu a Camões, em em evocações e sensações ar– tísticas d-ep06itadas no I-undo cie meu pobre ma.terialism~ 1omento de ternu,ra, o doce verso : s6 nasceu mesmo no século xvm, quando <:> pao:re jesuí– ta Lalomia teve a idéia de ----------------- ) 1 BELO BELO MINHA BELA TENHO TUDO QUE NÃO QUERO NÃO TENHO NADA QUE QUERO NÃO QUERO ÓCULOS NEM TOSSE . NEM OBRIGAÇÃO DE VOTO QUERO QUERO - QUERO A SOLIDÃO DOS PÍNCAROS A AGUA DA FONTE ESCONDIDA A ROSA QUE FLORESCEU SOBRE A ESCARPA INACCESSÍVEL A LUZ DA PRIMEIRA ESTRELA PISCANDO NO LUSCO-FUSCO QUERO QUERO QUERO DAR A VOLT A AO MUNDO Só NUM NAVIO DE VELA QUERO REVER PERNAMBUCO QUERO VER BAGDAD E CUSCO QUERO QUERO ou na vossa madw·eza. e as- ._ pirais o incenso. en<toais o "Ja– nua Coeli, T\Lrris Eburnia" e não sei que mais .iinvocações encantatórias, e vos ajoelhais, QUERO O MORENO D E ESTELA QUERO A BRANCURA DE ELISA QUERO A SALIVA DE BELA QUERO AS S~DAS DE ADALGISA QUERO QUERO TANT A COISA BELO BELO MAS BASTA DE LERO-LERO VIDA NOVES FORA ZERO. transformar paganismo em es. piritualismo (e muitos de nos– soe santOis, Deus me p er-d~. guatrdam a sombra de divin– dades e entidades pagãs, a julgarmos pel<:> case de São Sátiro, contado por Anatole France), e dedicou o mês a Nossa Sen-hora, compondo em 1758 n Mese d i maggio consa– crato alle glorie della g-ran ~ladre di Dlo. Maio cristianl– rou,-se. porém muito de sro.a magia continua ligada ao re– verd-ecimento espontâneo das á'l'v-ores, ao desatar das águas ..... • • • Custa-me pouco aceitar o ou.tono brasilei:ro, se o . vejo, corno aqui no Rio. de um azul tão diáfano. arrepiado por um frlozinhc q-ue enxuga e per– fuma o suor das coisas. tris– tes coisas usadas pelo sol do trópico e por êle restituídas :'i sua prlstina pureza. Não há tempo mais 1eve, caricioso. hu– mano e c<iloquia1 do que êsse mai-o carioca. revestido ou não de prestigio mundl;lno, porque sorri tanto aos frequen.tad10- res de concêrtos como aos h~ mens sentados ean ba-ncos de jard.lln público, ao passageiro do bonde Freguesia. ao ren\a– dor. à datilógrafa do L<\PET EC. ao médico do Pronto So– corro, a Eneida de Morais. ao senador Nereu Ramoo, aos meninos da Escola Cócio Bar– celos, aos pedreiros const1·uin• do edificios. à massa palpitan– te de u1na cidade feita de su– búrbi.os qu.~ transbordam até R avenida Rív Branco: maio dá -para todos. reparte-se a,moro– samen,l.e entre homens sofre– dores e bornens de boas rou– pas. com-0 uma conciliacã<:> mM.eo-rolój?ica. um are~-i_Tis "!'. Y.IÍ• rando sôbl'e as contr;:.dJçoes din eidnd4' Se bem que. de cora~iio. êl" çe volt~ mais, num enicrnecimento cúmpli– ce. pa<ra aqu..la parte da povo qu,! súa nn rude batente. e a que é dedicR'do, desde 1890. o se11 di11 inaugural e assistis à coroação da V~r– gem, senão a coroais vós mes- MANUEL BANDEIRA Mês de Nossa Senhora co– roada de rosas e die operários que morreram pela causa de oito noras de tra'l:)alho no mun– do. frio més das montanhas mineiras. nostalgia de namo– radas e rez:1s. car1uchos de amêndoa que a irmã trazia da coroação na matriz que era um grande navio iluminado, convensas no adro, à espera do leilão de prendas. vagos es– tremecimentos de p-oesia. for– mas inmntls de wn sonho que ma is ta-rdt; seria inquie-tacão e carinho franjado de ironia - tudo isso vai brotando d-esta cmeia comercial com que es– crevo e baila no ar e m-e pe– netra - e ludo isso é vosso, é a própria s,ubstãnci.a de que se teee vossa vida. 6 nasci– dos e bem-aventurados em maio l - para quem esta car– ta é colooa<la na m~a irr-eal de uma pOS1,a feérica. ---.--- ------------.,------- O sr. De Castro e Silva, escritor paraiba- no, publicou recen.temente um livro sõbre Au– gusto dos Anjos - com o tflulo: Augusto dos Anjos, poeta da morte e da m elancolia - que merece ser lido pelos elementos novos que traz como documentação para üm melhor co– nhecimento do poeta. Nas apreciações criti– cas, a obra nada .!icrescenta ao que jã ~aviam qcnto o sr. Orr1s Soares e outros exegetas. 'A o contrário: e parte crítica deste livro é pou– co ou nada valiosa, sentindo-se o estado de es– pírito do autor neste terteno não ultra,passa ge– ralmen-te os limites de uma ingênua 11.dmira- çã~1 revelada na ierrnino!ogia e nas opiniões, jn,é.iusive quand<:> se refere a outros nomes de poetas que aparecem incidentemente nos ce– mitérios. Contudo, o livro do sr. De Castro e Silva contém urna ex~lenle documenitação a respeito de Augusto dos Anjos, na qual se destacam, por exemplo, os dad oo de esclare-- cimento sõbre a data da mor\e do poeta e n umerosas poesias dos seus primeiros tempos, ·aparecidas em jornais da Paraiba, até agora p raticamente inéditas porque não fazem parte d o volume Eu e outras poesias. Além disso, --esta publicação provinciana, e que merece tan– to mais a nossà simpatia por ser provinciana, tem o valor de sugerir uma nóva leitura dos versos do poeta. uma nova meditação sôbre aqueia singular figura da literatura brai;ileira. Mais do que em qualquer oul.r:o poeta na– cionaJ, a estética de Augusto dos Anjos es;tá diretamJ:.i te ligada, sem os disfarcei, românti– cos, à fflá aventura humana e coostituiçã,o or– gânica. Ele apresenta tõdas as condições para .servir de exemplo a este conceito lançado por Wmtelm Dilthey na sua Poética: "A base de tõcia a verdaôeira poesia, é por cons~guinte, a vivência: experiência vivida, elementos aru– micos dé tôdas as espécies que entram em re-– l ação com ela". Cerlániente. neste sentido. não estar á r-ea.li zada a cerca dele uma completa inte.pretação, uma perfeita compreensão. en• uanto a sua fi1tt1 ra. ' , .e rn u,i obna """~ -- JORNAL DE CRÍTICA usto - oet·o - I Alvaro O:_ LINS . • nos erno ' • (Exclus ividade da FOLHA DO NORTE nes te Estado) ile. poeta n_ão forem estudadas no plano cien– tifico, e nao porque se houvesse preocupado tanto CO!Jl a terminologia cientifica mas por– q_ue prOJ-elO?, de tal m-Odo a sua • 1 sil1Jgularis– suna pessoa noo poemas, numa esfera mais pro~da d~. que acontece habitualn1ente, que a visao estetica, sem o auxilio da ciência não tem recursos par a alcançar todos os seg~edos do seu fenômeno artfstico. E' um caso o de A~gust<? d06 Anjos, em que a psicanálise e a p~1cotis1ca devem se adiantar à critica literá– na para a esta oferecer depois, como ponto de partida e como documentação, os seus re– sultados objetivos. A primeira lmpressã-0 que nos vem dos ver– sos de Augusto dos Anjos, é a da .ügura física do po~a "'la se Jnsinua, atraY'és de uma su- 1:E'Sltão, pel iroa própr~a sombra : "R-ecif-e. Ponte Buarque de Mallt!O.o. Eu, indo em direção a casa do Agra, Assombrado oom a minha sombra magra, Pensava no Destil!lo, e tinha mêdo!" • • ♦ • • • • • • • • • • • • • • • • • .. ♦ • • • • Lembro-me bem. A _pon.te era comprida., E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estend}da por tôd:a a minha mal" Depois, a cara-cterízação n.e&te verso : "Eu desgraça<lamente magro. a erguer-m4!...• . Completada num senti.do p.sicológico através desta au.todeiinição • "Certam-enle, eu sou a mais hedionda Generalização do Desconforto..." A imagem que recolhemos nestes vers011 coincide com o admirável retrato que dele traçou o sr. On1s Soares, seu amigo e prefa– ciador do Eu: "Foi magro meu desventurado ami,go, de magreza esqualida - faces reen– trantes. olhos fundos, o-Iheiraa violãceas e tes– ta de;calvada. A boca faz.ia a catadura ctescer de s:ofrimento por contraste do olhar doente de tristura e nos lábi-os uma crispação de de– mõnfo torturado. Nos momentos de Investi– gações suas vistas transmudavam-se rápido, crescendo, mterrogando. teimando. Os cabelos pretoe e Usos apertavam-lhe o sombrio da epi– derme trigueir.a. A clavícula, arqueada. No omoplata, o corpo estreito quebrava-se numa curva para diante. Os braços pendentes, mo– vimentados pela dança dos dedos, semelha– v am duas rabecas tocando a alegoria dos seus versos. O andar tergiversa,nt-e, nada apruma– do, parecia reproduzir o esvoaçar das imagens que lhe agitavam o cérebro". Pareceu-lhe, no primeiro en.<!ontro. um "tipo ex-cêntrico de ~aro molbado, todo encolhido nas asas com mêdo da c.-huva". E aqui está outra visão di– reta e pessoal, a do sr. José Américo de Al– meida: "Vê-lo andar com o passo frouxo e desequilibrado, como se esti;,resse tateando no vãc-uo, dava a impressão de um emigrado atreiio, aos vôos, que rastejasse a terra, para espairecer, aqui. o tédio e a canseira dos seus surtos". Esta figura tá-O singular e caracterizada nos a.spêctos exteriores. estava no plano psi– cológico Igualmente marcada peJa maís estra– nha e pod-erosa originaliriade. Augusto doo Anjos só partlcl-pou do efêmero do seu tempo na tn,eoida do indispensávcel. naquele mínimo em que todos os hon1ens são o.brigados a par– ticipa:- do seu l!mbiente. Não lhi! procurem na Continúa na 7.ª Pili•

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