Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947
,.. • ~P~~a F ---=~~'.;;:::=======-========~ O~L~HA~....;D~O~N~O~R~TE~=~- = D~o11~ttingo. 18 de maio de 1947 f) Há seis anos ·atrás resolvi r egist ar em diário o meu éon– Ylvio com escritores brasile itos. Notas colhidas sem n enhuma pretensão em vagos ins tantes, êste caderno estava destinado à desiruição. Depois imaginei guardá- lo para o meu filho. Suce• de, no entanto. que diverso, amigos insistiram para que eu o publicasse. Resisti. Mas a curiosidade, a vaidade t a lvez, m an – daYa que eu aJendesse aos curiosos. Resolvi, então, publicar apenas algumas notas mais inocentes. sem obedece :- à ordem em que foram escritos. Transcreverei. pois, aiguns. fatos sucedidos de 1941 a 1947. E as impressões dos escritores podem não corresponder às suas reações de hoje, mas corre~pondem rigorosamente às épocas teferídas • • • CARUARú - 18 DE NOVEMBRO 1945 1 Ao iniciar. na FOLHA DO NORTE, a revelação da par.te publicável do maierial literário que há lon– ;os anl>s venho colecionando. o que se não me cus– tou ai1;1da ~an~e. iá e xigj u en.tretanto suor. lágri• mas, dinheiro. in– cursões no Direito Penal II ínúmeras ~ace.teações - dese– jo dar uma explica– ção aos leitc.-res dês– te auplemento. Revelando êsse material. que apre– senta faces desco- . nhecidas e as in- ' suspeitadas da vida que deve ser furtado. importunando o escri-tor que deve ser importunado. ~ei qua em_ muil~s dos documentos que. vão ser divulgados figurarao meu nome. sínal da posse conseguida com grande esfôrço. Esqueçam, entre.taDfo, o nome humilde. e olhem apenas o <f:_ocumento: eis o melhor programa para compreen-.ia:, do arquivo. Convivendo há lonao5' anos com quase todos os escritores do Bra'sil• ~companbando-os em sua aiação literária e obser• ~ando-C'S ~ilenciosamente, sigo apena.,; o meu des• tino, que e dos mais modesios e trabalhosos. Fui ontem. com Alvaro a São Cae t eno, onde êle f a lou num , dos escritores. não comício apresentando a sua candidatura a deputatlo pela U. D. visa a nenhuma DO- . Ou~o esclarecer ainda que não me limitarei à. d~vulgaçao dt- manuscritc-.s, cartas, retratos, confis– soes, desenhos. curiosidades, e.te .. Divulgarei aind a um _caderno de notas onde venho anotando obser– va~oes feitas DO meu convívio com os escritc"l'es mais repreGentativos do Brasil. Que êstes não se assustem - serei imensamente discreto. N., secção de Pernambucc A recepção constou de "vivas', r- toriedade pessoal, ... , . -=~~;~; .• ::'::::::::::0:~:::~!-.❖ ante.s procuro con• foguetes e cantorias. A pequena bi\nd,1 de musica local ;0;z/ . 11' ~®.iil~J},,=·· tribuir para que a (oh! os velhos e nostálgicos dobrados do meu tempo de menino!) ; ' . · 't</ i ii~t:Jtt~~f' glória dos outros barulhentamente enchia da sons ª rua principal. e , em tôrno Itt,~ . ·;@JW.Jwt~r1,-=- cresça e se firme dela. pouco a pouco o povo ~ foi reunindo. Surgiram então os ~~{'}'::'::::,:,.?ffi[@f(~::ii!¼~}\=i :=,. :~di~~e eS t a .c~n- corraiigionários políticos do mnnic:pio. ~~;~~i™f,;~i~[lJi~fi/11~-~~;.j!:,. mai: 1 ~;:i!~~ epa!! Espero a compreensão e a solidariedade de to• dos, e para me situar literariamente, longe de mal– dades e de intrigas, transcrevo tranquilamente es– tas palavras do mestre e amigo Aurélio Buarque de ~ol~nda, que desejo venham a ser minha .bio– gral1a intelectual : Jozué Gomes, chefe da oposi~ão, vinha na frente. Todos iles homens do povo, homens cheios de queixas e sonhos. Um deles 50 anos, rosto queimado. descalço. fala mansa apresentou a maior queixa que um ho!llem do sertão póde apresentar: um cabo de polícia do destacamento local lhe tomou a faca de ponta. Nos olhos do sertane!o eu senti a desmoralização, o de· aespêro que o roía por dentro. Fomos falar com o delegado re– gional. que prometeu mand.u restituir-lhe a feca. Daí a pouco, entre novos vivas e marchas da Vassourinha. iniciou-se o co- . conhec1m e n t o de exi~lências .que herolcamente se de.bruçaram sôbre o mistério da criação artística. E ' esta a rnínha ma• neira de trabalhar pela~ letras do meu país - co• leciouando o que devi ser colecionado, fuxtando o - . Seu, <.::ondé, ~sse negócio de liierafura é c:oi• sa_ muüo ser1.a. Voc:e p6de querer mistificar O PÚ• blicc:, com_os seUG arquivos, mas entrar na literatu. ra. uso nao. Você nunca passará de um aub-1ite– rato ... E acertou 1 • • , . m1t 10. VIDAS SÊC&S -- Falaram, entre outros, Lima Cavalcanti, João Cleofes, Pa• tire f'elix Barreto e , por fim. Alvaro. De um canto do palanque de madeira armado no cenh'o da rua. coberto com bandeirolas e retratos do Brigadeiro. observei Alvaro que começava seu discurso, calmo e com um fulgor no olhar. • Terrível Conde : At endo à sua indiscrição. No comêço de 1937 utilizei nrun conto a lembianca de um ca- • êhorro sacrificado na Maniço- . A cada instante, o povo. com enormes 3:plausos e gritaria. ba, inte rior de P ernambuco, estunulava .º or~dOT. Con~esso que_ o ~spetaculo me comoveu há muitos anos. T ransformei 0 bastante. Via ali homens s1rnples e 1ngenuos que nos olhavam velho Pedro Ferro. meu avô, co~o seus sal~adores; nos i.eus rostos queima_dos, em seus olhos , qo vaqueiro Fabiano; minha br1lhant~, paU"ava a cert~.i:~ de um novo dia bem melhor do a vó tomou a figura de Sinha que aquele que estavam v1ven.do . Vitória; meus t ios pequenos, Naquela massa muitos .tcompanhavam. há longos anos e com sacrifício, o chefe político local. aguardando melhor si– tuação. O comício estava já no fim, em meio do maior entusias– mo. Como era dia de feira, via-se muita gente com seus balaios. cavalos e mercadorias. Aplausos e mais aplausos; eis quando, numa pequena pausa do orador, se ouve saído do meio da multidão ~sta frase: "Viva • g-, Alvaro Lins, o Rui Barbosa do interior .. ," 2 • • • .t!O - 7 - J ulho - 1945. Almocei hoje com Jos9 Lins na Colombo, numa roda de amigos do escrit or, Eram r c1pazes torcedores do clube Fla– mengo. Na mesa conversava se: sôbre vá rios assuntos. com ex• ceção de lite r at ur a. Creio n1esmo que nenhum daqueles amigos cio escritor conhece sequer um único romance seu. E' verdade quE, muítos acomp anham inte ressados as suas crônicas na im· prensa esportiva. O romancista é velho cc;nhecido de todos os garçons da Colombo, que participa:n de sua intimidade. Pelo menos foi esla a impressão que tive. p ois ouvi um destes garçons tratar o ro:naricista deste jeito: "Con:o é, "seuº Zé Lins. o Flamengo tira o campeonato ou não? '' -r: rindo - o Vasco vai tirar a m ár.cara do Flamengo e só quero vêr a desculpa que vai dar nas suas crônicas do "Jornal dos Esportes". Não adianta léro léro, seu Zé Lins"- • O romancista n ão se apoquenta , e naquele seu geüão de nordestino, retruca: - uvocê não está vendll que português não dá no couro? Esse negócio de Expresso da Viióri~ não me pega não, ouviui' J. e. • machos e fêmeas. reduziram– se a dois meninos Publicada a história, não comprei o jornal e fiquei dois dias em casa, esperando que os meus antigos esquecessem "Ba- leia". O conto me parecia infa– me - e surpreendeu-me fala– rem nêle_ A princípio julguei qu e as referências fôssem es– colhambação, mas acabei acei– tando como razoáveis o bicho, o matuto, a mulher e os garo– tos. H abituei-me tanto a êles que resolvi aproveitá-los de novo. Escrevi •tsinha Vitória". Depois apareceu "Cadeia". Aí me veio a idéia de j untar os • ci.ncos person agens numa n o- yela miuda - um casal, duas crianças e um cachorro, todos brutos. Otávio de F a ri:1 me dissera, em artigo en orme, que o ser– lão, esgotado, já não dava ro– mance. E eu h avia pensado: -Santo Deus! Como se póde estabelecer limitação para es• sas Goisas? F iz o livrinho, sem paisa– gens, sem diálogos. E sem amor . Nisso, pelo menos, êle deve ter alguma or iginalídàde. Ausência de tabaréus bem fa– lantes, que imadas. cheias, po– entes vermelhos, n amoros de caboclos. A minha gente , qu a– se mu d a, vive n uma casa ve– lha da fazenda; as pessoas adultas, preocupadas com o es• tômago, não têm t empo de abraçar-se. Até a cachorra é urna criatura decente, _porq ue na vizinhança não existem ga– lãs caninos. A narrativa f oi composta setn ordem. Comecei pelo non o capitulo. Depois cbegaram o quarto, o terceiro, e-te. Aqui fi cam as datas em que foram arrumados: Mud~ça. 16 Julho 1937; Fabiano, 22 Agôsto; Cadeia, 21 J unho; Sinha Vitória. 18 Junho; O menino mais novo, 26 Ju– nho; O rnenino mais velho~ 8 Ju- lho; Inverno. 14 Jtllho; Festa. 22 Julho~ Baleia. 4 Maio; Contas, 29 J ulho~ O soldado amarelo, 6 Setem– bro; O mundo coberto de penas, 27 Agôsto; Fuga, 6 0 11tubro. Dou estas minúcias porque • --- INÁCIO' me dirigo a um homem curio– so, que guarda convite pata enterros e cartas de cobrança. Ade us, Con dé. Um abraço. Graciliano Ramos. Rio - J unho - 194l "João Condé ! • ' t:ste livro, escr ito em qua• tro dias, nasceu de um velho sonho de infância. Há mui tos anos que via êste personagem com roup a de xadrez e n o cur• t o espaço em que o escrevi, na– da mais fiz senão dar forma a um person agem que vi nãn ~e i ond~. Personagens de romance. não existem, como os ingênuos pensam, acotovelad.os nas ruas - existem sim, mas a través de sonhos, imagens e lembran– ças que só muitas v,.ezes são r ealmente nossas, a 1 g unias , n ão o são, ou pelo menos par– ticipam da memória de uma outra vida que agora apenas se REPETE. Lucio Cardoso
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0