Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

Que eu saiba, na sua espé– cie, e com as suas proporções, não tinharp-0s até agora n.o Brasil um livro como A ane d,e Furtar e o seu autor, do er. A.tonso Pena Junior (1). Outros do mesmo jênero, ou semelhantes, não alcançaram igual amplitude de substân- • JORNAL DE CRITICA A Arte De • ., EO Alvaro LINS -- - ii ; ·== = :' 1111J ll l llfl 1111111111111 I J 11111111111111111111111111llllll 11l 11111fllI lil lll U11111 ~ Seu Autor glesa e francesa, uma vez que nos seus respeetivos países a cultura universitária imprime a tais estudos um caráter po– sitivamente cientifico, pelo menos tanto quanto é válido o conceito científico em domi– nlos da literatura. cia e de forma, não atingiram o plano superior de crítica e histórit. literária, caracteriza• co pelo aparelhamento cien– tifico dessa matéria, em que se colocou o escritor brasUei– :ro para identificar o autor anônimo de uma obra com– p osta havia três séculos e en• volvida, desde a sua publica– ção, num enorme processo de apocrilía literária e bibliogra– fica. Assim, no quadro cro- Pena Jr, guiou-se pelos mais nas uma teoria, mas a prática ste Est d ) seguros e conhecidos métodos que êle executou em A arte (Exclusividade da FOLHA DO NORTE ne . a o da técnica de critica e história Assim, dentro das linhas de um bom método de ex,posição e análise, temos nos primei– rl>ll capítulos de A arte de Furtar e o seu autor um his– tórico da questão, de etapa em etapa, desde os seus primór– dios, com as conclusões fun. damentais do sr. A.tonso Pena Junior. Af aparece a relação completa dos posslvéis auto– res da Arte de Furtar, acom– panhada dos comentários que excluem todos os indicados e sugeridos até hoje, wn por um, menos o dr. Antonio de Sousa de Macedo, de quem nos oferece o sr. Afonso Pena, no cap. IV, uma breve, mas suficiente biogi:afia. Dai por óiante, de capítulo a capítulo, vem a análise da obra de An– tonio de Sousa de Macedo, o exame das suas caracteristi• cas em comparação com aa características do autor anô– nimo da Arte de Furtar, cres– cendo cada vez mais dentro do leitor a sensação da i<ien– tidade até que na última pá– gina não resta mais nenhuma dúvida. Eatranho destino o dessa Arie de Funar, cujo ma.nuserito, em 1740, foi pa– rar às mãos do livreiro geno– vês J oão Batista Lerzo, estn– beleeido defronte do Loreto em Lisbôal Já tinha um sécu– lo de existência, pois na por – taida do manuscrilto original liam-se este& dizere!: "Com– posta em Lisboa no ano de MDCLII Por hum Portuguez anonlmo Muy zeloso da Pa– tria". Levado o manuscrito ao padre J oã-0 Batista de Castro, que fez às vezes no caso de consultor literário, este opi• nou~ é ~ padtt Antonio Viei– ra. O esJ)erlo livreiro lançou, então, a obra ern 1744 como se esüv"8e a ser relmpnssa, aproveitando a data da com– posição para dâ-la como se bouvfl!le s:ido a de uma pri– mei;ra edição feita em Ams– terdam, num a inexistente ''Oficina Elvizeriana". Essa falsificação gerou, desde Iogoi a,o lado do problema da au– toria, uma outra questão, 1.1 da data em qUA! teria sido escrita a Arie de Fw-lar, sendo que até um historiador da litera– tura portuguesa tão bem In– formado e seguro como o in– glês Aubrey Bell ainda apre– senta r ecentemente esta dúvi• da: ''Parece que a obra foi es• crita em dQls perlodos, nos sé– culos XV1I e XVID, a não .seJ que os trechos indicativos da data anterior se.iam proposi– tadamente d e s orientadores, bem como o frontispício de 1652". O sr. Afonso Pená Ju– nior, com elementos e circuns– t.ãncias da própria obra, es– clarece também este aspécto da controvérsia, demonstrando que ela foi tôda comp06ta não apenas no século XVII, mas exatamente no ano de 1652. O capítulo n contém a documen– tação quanto à data do livro, ao local em 9,ue foi escrilo e de Furtar e o seu a utor. Tôda d cas e fez copi'car, para seu uso literária, nesse terreno esn<>cia- lit t l ,.__. portugue veitadas·, todos os aspéctos o ,,-- 1 a ;era ura c ..,.,.ica • talb f n-le caso, numerosos doeu- lizado de atribui"ão de autor a, l . d -'-lema de assunto, até nos de es, o- "'" " sa, 1ga, ª a esse pr...., t · mentos de arqu1·v~ europeus. citando de vez em qwindo, pa- titui - d tor1'a aparece ram escrupulosamen e ex=- va res çao e au • · • i Por outro Ja..o, 0 seu p=cesso ra dar mais firmeza aoi; seus · d ·t d discuti' nados. Para tanto, adquir u .... ,._v mene1ona a, ci a a e • de trabalho na- 0 foi empírico, passos, as nrmcipais autorida- d l te . tA ..as as fon obras que dificilmente se en- i" lin • a amp amen • uu • bl' te nem aventuroso. O sr. A.tonsó des na matéria, em gua m- tes foram rigorosamente_a:..:p:...r:..:o_-_c_o_n_tram __ n_as_ m_ai_·o_r_ es_b_l_1_0_•___________ --- ---- -~------ • . noJógico, este livro. representa aqui uma novidade, colocado d~ de logo na primeira linha; illtl!rarfamente, um trabalho de eruóição, critica e história literária, com a solidez, segu. rança e autenticidade das grandes consu-uçôes; miJral– mente, um gesto gene?'06o de quem busca a verdade com absoluto desinteresse. um ato d e justiça. com o sabor do me• Q.hor quixotismo, de alguém que sai em campo, armad o )>ara uma batalha intelectual, J - --- - -- .._______:::::_-:----=-:-=-:::-::--:-:".=-=-:A:-::N;::B;-;;tl;::0:--- - - --- Domlogo, 6 de abril d e 1941 Diretor: P AU LO MAR NUM. M c om o objetivo de conferir a • d eterminado escritor seiscen– tista um titulo de autoriiJ que v inha sendo ignorado ou ne– gado até agora. P ois A arte de Furtar e e aeu autor não é um Ócios De Um Espirita Sonolento livro que se pudesse preparar em dias ou em meses. Ele es– tava a exigir as pesquisas, 0\\1 estudos, os exames de textos, as provas comparativas, os la- bores de d-OCUmentação para os quais &ão neces.sários oe ilon.gos anos. Ao Jad-0 da in– tui.cão, da capacidade de des– cobrir com agudeza a matéria p rima de elucidamento, do ta– l ento da composição, para es– itruturá-la em forma adequada e ai»resentá-la com poderes de , e-0nvicção sôbre o l eitor, ba via p recisão de outras qualidades, q~ não brilha1n à prlmeira -vista, mas que eram no caso •.essencialmente produtivas: a llltenção, a paciência, a perse– v erança, o gôsto das minúcias, .. •••••••••••••••• , ................ J . Alvarez SENIOR - - . Conheço duas categorias de mulheres: _ as que re~– cendem a perfume, brunem as unhas_ d_as maos e dos pes e escovam os den tes depois das re;e1çoes e an~s do re– pouso noturno, e aquelas que ~e1ram à conuda e aos odores habituais da vida domestica . - Há um deus pagão encon tradiço çomo Aquele que está no <;éu, f!; para hwoano n ão tem portas. E Cupido. Mas a Deus nem todas se abrem. - em toda a parte, o qual o coração A capacidade matrimonial das mo r te. O t empo int errompe a dos caminho. mulheres vai até a hom en s a meio do - Os dias para a,; almas doloridas tê1n a duração de , o exame reoovado muitas ve– :zes de centenas de textos. Ou, como lembra na "Introdução" o pr óprio sr. Afonso Pena J u– nior: "Não se calcula o paci– e nte labor, que tais investiga- anos. ções demandam: a leitura, não - uma, mais muitas e muitas ve- Uma mulher é muitas mulheres ao mesmo tempo. :zes da obra em exame; tias De todas ela tem uma qualidade e um de.feito. obras de cada um dos possi– \Teis autores; das histórias e crônicas, impressas ou manus– c ritas, e do epistolário da épo– ca pr ovável do livro; d.e ludo enfim, que possa familiarizar o pesquisador com o cenário e os personage1ls da época. Sem essa leitura repetida, à - Queres saber o que é, na realidade, o amor? P er – gunta-o aos noivos, no dia seguinte ao do casamento. Ou não ll1es perguntes nada. Olha-os, apenas. - Se a dor fisica não encontra alívio na t erap_êutica, • porque o remédio especifico está na morte. 11>roporÇão que o trabalho se v· as ]mas uma ilusão p ermanente, que adianta, muita coisa nos pas- tça em noss a - sa despercebida, cuja Impor- é a esperança da f elicidade. tância só se manifesta em vir- - 4;ude de aquisições posteriores J ean de Gourmont aludiu às mulheres que têm "le à ultima leitura. Sem a fami- desir d'homme" , il.iaridade com todos os auto- Que espécie de mulheres são? As de gestos buliço- r es, e o intimo conhecimento il d • d te? T Iv~.. • As ... d,e todo O ambiente, que os in- sos e pup as e carvao ar en a "" nao. .,,u - tiuencia, não se estabeleoe O lheres consumidas por aquele desejo possuem olhos de critério diferenciador ou a ca- expressão ambígua, fisionomia neutra, ar quieto e distan– pacidade de distinguir, que é te, parecendo que fazem à vida o favor de não morrer. E' prec.bo instrumento das inves. dentro destas que a brasa da volúpia, ansiosa por queimar, itigações de autoria". E estas !Palavras não representam ape- (Continúa na 2.a J )âgf.na ) - •••••••••••••••• · ···••!••···••-. - - Roger BASTIDE - - A NUNCIAM-NOS os jornais do dia, a morte lie llár1a Vo– ronca. Esle poeta, magnificamente dotado, embora a.inda não nos tivesse dado tudo ~ que era capaz, escreveu versos maravilhosos. Fugira doo alemães, r efugiando-se numa fazend a perdida dos Alpes. Lá trabalhos multo pesados para seu corpo, j á en11·aguecido pela ~la, ~us_eram-no em tal estado de esgotame,ito tisico que nao resistiu muito ten1po apÓ\'S a Libertação. Aspirava à paz do túmulo: "Si pou:r ~ délivrer, il me laut laisser en gage Mon OOt'PS, le voiei ... A 7 de A b1il de 1946, ele se matou. Foi reunir- , e a esses morl.os que ele celebrava anles eia guerra: "'Ní monlagnes, ni eaux, nJ flamme8 'Ne ~ sepa ren t de vous.. • • , •vous a travera lesqueles. Je passe comme un oiseau a travers l'ombre D'un IIOleiL autre oiseau plus grand, entre lui et le Entretanto, enquanto os poetas morrem, outros com 0 pÕem, com suas obras antigas, ramalhetes escolhidos para os vivos. Paul Eluard deu..,nos nova edição de "Choix de Poémes", Tris– tan Tzara, "Entre-Temps" e Palrice de la Tour du Pin, "Some poétique", Três nomes e três gerações. Tzara precedeu o movimento surrealista ou, mais exata– mente, foi seu precursor e pioneiro, Eis porque sua obra é sobr-etudo crestruidor.a; limita-se a derrubar os antigos valores a fim de criar um clima favorável à estética. Seus poémas são coll')o um rosário de palavras sem nexo, de Inesperadas imagens, uma série de vôos líricos; não sen– timos mais, ao relê-los atualmente, o embevecimento antigo; já são antigos, exprimem uma sensibilidade já passad~; mas, do ponto de Yista teórico, têm certall'lente considerável im- (Contl:n.úa na 2,• página) à profissão do autor. Publica- (Contll)üa na :t.• páclrui) . --- - - ~-- ---º---------,--- ' gue elimina a mania simbolista (e slmboli9" -·-·-········ M AIS uma demonstracão de que conügui– dade territorial nem sempre é f:tt-0r d,e conhecimento mutuo, e que a d1stane1a intelectual i.ã,o corresponde à distancia física, está na existência de um movimento estétieo q_ue há quatro anos s,e desenvolve na Argen– tina, e de que até agora não se ~perceberam os meios Intelectuais brasileiros. J ornais e re– vistas chegados do pais vizinho falam dessa nova fórmula de literatura e arte, em elabo– iração a dois passos de nós, mas a notieia mo_r– :re sem éco, ao paS$o que ocorrenclas ao m.esmo gênero, verificadas na E u r o p a, continuam a imipressionar-nos, como o exis– mencíalismo, que pol' sinal é apenas uma ~elha .noticia, servida a paladares cansados ou 1nex– ~erientes. INVENCIONISMO ta.s são considerados tan,bem os surrelllistas). Enfim, a obra poética já não procura manti!t relação com algo distinto dela mesma. E' pre• clso invientar novas realidades: é preciso re. construir o mundo. Como fazê-lo? Pela "Arte Abslrata, ou melhor ainda, Arte Concreta", ou seja a invencão. A "idéia nova'' de Buenos Aires apresen• ta-se naturalmente sob a forma de "ismo", pois outra não há para definir as t1;.ntativ~ que ao longo do tempo fazem as geraçoes mais jovens, no afã de desvendar o mistério esté– tico e exprimi-lo em termçis originais (as ge– rrações menos jovens renuneiam placidamente .ao ~ sfôrço e nutrem-se de velhas verdades). E' o tnveneionlsmo, que já produziu manitles– itos. exposições de arte, alguns "cadernos", 'Uma revista; "Arfuro", e compooições mwi– eais. Como toda e~ola que se preza, tem os seus teórigos, os seus opositores e os seus he– réticos, Assim, do grupo inveneionista oficial já se destacou uma .fra!;ão - mas isso será dlto mais adiante, ·Iniciou-se o movimento inven1lionista em tius de 1943, com Carmelo Ardén Quin, Tomás ,Mp)dO'l\f\QO, Gyula Kósice, Rhod Roth!uss e r B ley, todos moços A !lti1;tcipio, 6 J>..-1.J1~11 -t-"t • ..... , ..................... ················-·-· - - Carlos Drummond de Andrade -– (Exclusivid~de da. FOLHA DO NORTE n este Estado) • muito bem o que queríam. Mas desagradava– lhes o que se constituira em canone mesmo moderno, e dessa comum ínconformida~e par– ~m para a aventura. Cubismo e surrealismo ultrapassados, em preciso asse~ nova base à concepção do po?ma e à obra plástica. Os rapazes discutiram longamente, chegalldO à convicção de que se torna111a urgente relatar a figura, o assunto, a simples e mesquinha ~resentação das coisas. E, em seguida, in– ventar ou reinventar "cientificamente" essas mesmas coisas. Num dos primeiros documentos ilrrpres– sos da seita - um caderno que tem dois aros de metal à giúsa de grampo -, Kósice expõe ainda com incerteza os seus .fundamentos e– fins. ''No eXpressíon - Represer.tation - Meaning.: Mirth - Negation of ali ?.1:elancbo1y diz-nos logo de entrada, sem razão aparente para o uso de uma llngua que n.io a caste– lhana. Seguem-- e uma explicação em espa. nhol, outra em fngie.s vários poemas, alguma <-Oi" m franct., a g a a d.e um móvel nVfl't'tf'. "' "•,:r,•w. R r ~'""'..:5-'?! ♦oA.,.~""a.., ainda nebulosas, porém Bayléy se incumbe de torná-las mais positivas no caderno o. 2 - mais poemas, uma página de ficção e sobre– tudo o manífesto ''La bat.alla por Ja inven– cion" q1.1e nos ilustra: "INVENTAR objetos concretos de lll"lle, que participem da vida cotidi!lna dos homens, que ajud,em a tarefa de estabelecei· relações dlret'..1s com as coisas que desejamos modifi– car: esta é a finalidade do invencionismo". A arte que existe no mundo é uma arte puramente individualista inspirada na preo• cupação que cada um !:em de ser di!erente dos outros do seu grupo. Mas para mostrar que é dUerente, deve o artista referir-se ao jttizo 'llhcio; assim, o seu gesto não vale por si. mesmo "eada vivência não encontra sua re– compensa em si, possui uma significação es– tranha à sua realidade objetiva", Procur a-se rep1-esentar a<;tuilo q11e, por natureza, repele qualquer represenlasão. Surge dai a arte fi. gurativa, que ora entra em dec]inlo, e à qual Bayley opõe a "invenção concreta", Esta úl- t:;,,_,, &1"1♦ .tj ~;1ifn .,.,....,:,, ..-,f')-4.,., rlne- \.,. .... ....,.. __ f': ,.....,.._ ' ·. ! - .... - ,.., • . 1-, ......., -- ..._ 41 •- Estas Últimas palavras fornecem-nos a fi. ilação do movimento argentino, que vepi a ser nada mais nada m!nos que uma continua– ção do pensamento de Kandlnskl. Como ,se Sllibe, coube a êste pintor russo, radicado na Alemanha e ullimamente mlado na França, onde morreu há pouco, aprofundar as c-0n– quistas da arte moderna no campo da abstra– ção, de que usou Jargamente. Escrevendo 1>ara "XX Siêcle", em 1938, Kandinskl empregava as mesmas palavras que Bayley em 1945: ••a pintura chamada abstrata ou não-tig-tUa-Uva, e que eu prefiro chamar concreta... ; "o meu desenvolvimento do Cigorat.lvo ao a l.Jstriito (concreto, de acõrdo com a minha terminolo– gia - mais exata e mais expressiva que a habltual - pelo menos rui minha opinião.•. ). E o mesm-0 Kandhiski recorda que essa sua evolução já era v:isivel nas gravuras em ma– deiras de "Klange", livro publicado em Mu– nich, ano da graça de 1913: els uma certidão de idl!iff, Chamar o abstrato de concreto, o concre– to de abstrato, o preto de branco, o q1,13drado de redondo, é precisamente um dos direitos do artista, E êle não somente o chama; pruva-o também, através da obra de aTbe, que é uma conciliação de contrários, pela síntese. E r6- ( - .. 4,,__ ... _ ~ -· --- -- •

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