Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

....-.--------. CR!ôNICA PERSONAGEM --Lêdo IVO Copyril!ht E.S.I .• com exclusividade ·para a FOLHA neste Estado) 00 Ii'ORU:. · RIO - Costumo ca.J.,arr-me quando, em certas c?n.ver.sas i11t'eráitia6, meus a.m1gos fa– lam nos tipos hu,manos que m-a.is os impressiona,ra,m ou • contrlb.uiram para a sua cria– ção rom.anesca. Calo-me e, em meu espírito, ela começa a aipa1·ece-.r , ora embrumada co– mo se v iesse de u.m ba,irro d.e s .onâmbulos e nevoerr0$, ora ba.fiihada pelo sol d.e uma m.– consu111ivel manhã. Em coc– tos instantes, el-a possui um ~,r no~urno; r.elembro4 .em pé, diante do espêlho da um bar, colorindo os láibi-06 com,. um tôeo de baton. cha-ma qu,e lhe povoava o es• pfri,to incerto. Nossos en,con. tros eram ao el'Íítardeeer. ia– m-OS a, cinemas, p11Sseávam,oo pela,s praças, no momentó em que as á-rv-0orcii pairecem sus– ten,ta.r a a.parição d.a no~te, refu,giá'Vamo-nos nos ba1res. Ela fumava. muito, ciga,.r·ro após cigarro. Nã-0 éramos na– mora.dos. Talvez fôssemos a·migos, no5 irutan,tes em que d-ei,xáva.inos de se-t inimigos. Eu tentava :afastá-la do ca- minho sinuoso que a chama– va e ela, incomodada com a in,t,ervenção, olha.va- me com ódi'o, cega a:os meus atgu– mentos. Pedia-lhe pa-ra fàlar de sua i-nfãncia. Amassando o cigar-. ro que se oopswnia entre seus dedos, ela ponderava: •-Em miruha infância, ha· via, somente eu. -E sua famil ia , seus com– panheiros de bri<11quedo? -Era como -se não existis– sem. In.dagava•lhe se já ainan a algué-ni. Ageis, suas mãos aquieta– va,m os cabelos tu,mulíuosos, e sua voz se alt-eava: -Não gostei de ning:uém. Não a-n1airei ninguém, em m-i– ruha vida., Presentea.va-a ·oa<m livros de viagens. Eri,tão, ~la pa,rtia. <C0Atina;1 na ult. pag.l Ficou olhando a assinatu. ra que se t.Stendia, negra, so– bre. a ;uvora sem jaça da– quel.a página de livro enor– me. Não conseguia desviar a vi.sta, sobretudo, das d.uas le. tras iniciai.s: ÚJÍl J maiusculo, bem traça.do, que, numa cur– vatura suave, ia unir-se a UI!,! A minúsculo, mas vjgoroso. A sua mão, dec.erto. não treme– ra. Ja.citl!to Antune.s Noguei– ra, seu nome. Traça,ra-o de unia penada, sem vacilações, quase automatioa,mente, e as letras s,e alinhavam igna.is ~ parecendo impressas em tipo- grafia. O rosto também oão revelára emoção, impassivel, sem o minimo sobre$Salto. Esquecera, por completo, . as recomendações do advogado, falando se.m emb~ra,ço. calmo e indiferente. Tudo aquilo contriblliria para grava.me da sitDi\.ção. Um assl\SSino fr io, Penso então em se.us ca– belos vivos, selvagens, desor– d~liados - eram a imagem Ç(lt •uma vida em const.an ,te roóvim,en:to. não temi'< l.tn o ·001 e a Ilia. Qu-ando eu -0s afa– ga,va. tin.li.a a iro.pressão de que êles orescia.m em minhas mãos. aqueles com<pridos e .misteriosos ·cabelos. Domingo, is de de11embro de 19'l7. Diretor: PAULO . MAAANBAO - ' --- -- .------ • CONTO A 1 1'.SSINA.TURA JOÃO CLIMACQ BEZERRA • (Especial para a FOLHA DO NORTE) diriam com certeza. se por e.ntre as pemas_ do es- À. sala agora ia ficando crivão. O vethe tossiu, ba• insuportável com o ca.lot' do tendo na ca'beça do guri CQm meio dia. A ca,misa suada. pe- aspereza: ga,va-lhe no corpo. Go~as de -Val la pra dentro, me- suor desci.a.m-lhe t:ambem do nino. E olhou para o juiz, cem rosto ma~o. um olhar súpllce de descul• O juiz, na cabeceira da m~ i;a., boc.ejava, en-gando os óculos num lenço branco. Na calçada. os curiosos se a.co– tovelavam na disputa de um lugar Junto à poria ou às ja– nelas. u·m m-eni'no. sujo veio 'do in-– terior da casa e eurodithou- pa ! . · -Ma.ria não presta !ltençU ao menino. Posso ler, dou– tor 't -Pode, sim. o escrivão et'gu~~ o livro. A sua vo,z, failbosa e triste, e-coo-..· molemente na sala toda:· -"Aos. vinte e cinco dias do mês de setembro do . .. . a.no .•. NUM. 59 ViÁte e cinco de setembro. Unia da.ta qualquer. Alg-,ma. coisa, no mundo, estatia aconte-0,endo naq1"!1e ~ dia. Não tinha inxpo,rtãncja, no entanto a vo1: do escrivão .o arrasta',J;a irreipe$$ivelmen- ' te para o passado. A da.ta nã,o lembrava D,Mla -de par– tieular, mas uma miste.ri.osa. tristeza ·ia tomando conta dêie, amolecendo-o. Conheci-a no tempo ma~s tneer.to ·de minha vida. Mai(I. li-ncerta do qµe eu, ela era so– zinha e esperava. Atém de seus cabelos, ela ofertava à DOIS 'POEMAS DE ANTONIO GIRÃO BARROS.O ReWnla.va-se de qU.e< a ne– blina caía. A mãe pegara-lhe no braço, cgem palavras. Dis- . . . . ,minha in<:erteza a tortu-ra de ,um 1·iso quase. convulsiyo, que 1recusava a. tra,nquilidade que ~u lhe poderia conceder, pa– ra ,aceitar os 5iesafios. de wna :existência instá:ve].. 1 Des,d~ os ptimei,ros. dias, senti que ela.·4!'ia'6"' queria vi– ver corno as out,ras pessoas: CQ;l'()JI>anheira de ,s·uá., própria. soli,dã-0, ela desejava o qµe 1 11ão. se te1n diréi,to de . pedir à vida. Era minha primeira . . ' ,~rso,nagern, e eu que1'ia sa-1- ;vá-la do abismo, da , tem.P.<>ra– da na escuridão, que a dissol• veria, consu.rpindo o corpo !§rágil que ainda estava ,de– s~brochando e o esprrito des– norteaôo. O que ela almejava, era o outro· lado da vida, e istô• er-a .impOSf;ível. Tate– e ,nd-0 nas entre-sombras de uma tarde interminável, elá ,que~ia c.a,miuha.r, perder..se. \.,..,~#####-#4:-....,..,.,._~~.....,.. ~ ... ~.,~~ • ---ANOS FAZ--- Anos faz, desejaria fazer um poema bem senticlo desses que. a -gente lê e c#aor« de repente.. . . ó fraternal abraço dos amigos lá long~ ' brincando .no relento ao som de. c,ma vitrola • ·o amor me conduzip e eu pegova numas lindas [mãos por trás de um~ cadeira . • ---0 POETA_.;.-...., Como as árvores, que i? andam carregadas de [frutos ós meus bolsos estão c:arregatlos de poemas . E já pesam os meus bolsos como fardos eles;.que,eram vazios !i! fe#~zes ... .Podia tirar tlel~s os minguados dinheiro$ e recibos iJe .contas atr(l:radas. Agora eles quase me doem~ carre'gõm coisas in- . [traduziYeis Era quase escuro e eu tinha doze anos . . peda~os de mim - leves esperanças A chuva depois caía no telhado de minha casa alguma aurora que _já vem pelo cam~nho. rouba~do o s.ono? --. não, chdmando,o sono .Os terriveis papeis que .. não p11déram ficar em que se espàlhava pelo quarto todo . .Eu não sabia maclrigais m·as dizia u~as coisas !JOS ouv,idos da minha cruel donzela . Co~o poderei carregar tudo (sso (&rancot · seró que terei de levá-los pára longe? .. O.U eles. terão sem~re de voltá, pàra mim? Como as 6,vores, que já andam carregadas de sera apenas: · -Vam.os. Acompanhou-a na deS:Clda do morro. Andava depressa., quMe C<»:tendo, u tbineli– nbas bl!,tendo de enoont~o ·à$ pedras do caminho. :Pararam em frente à esoola éle D . A– nã.fia.. Entx-ou eitea:bulado, olhll.:ndo ~ar~ eis m~QS. prêso à :mão ~,ossa de sua mãe. A apre.sent3ção foi rá– pida: -E' o menino, O, Belinh,ól? - perguntou a mestra. -1:', 'sim senhora. Toma fi be;n!)â.o à, n,estra, meu filhô. NãJ ati~oú por que dty:ia tomilr .a benç~o ,à professo.ra . Sempre 1he tiv~ra pavor. AI,. ta, inagra., um. vestid,\) b,an– eo 9.ue abotoaya ,atê o pes- · coço, afamad,:i pel0$ boios de _palmatória q:qe :,a:plioav,,_ a.os seus aluD.0$. :Emendou-lhe a lhiõ displiÔe~em~nte : -S~a benção. .mestra. -Deus -~ àJ.,enç!>e. Vá sen• . Naquele. tempo fui seu ün-i– ;eo ami,go, po>rérn ela me ·ou– .via. esperando a chegada do _tno~;e!),to em que nos se,pa.– ~ríamos, Ves~1da, pobremen- , :&e, :traba,!Jharudo para poder •~yer e.til i.µna .pen,s~o de mo– .. , . nas La.ranjeiiras, orgu– " do-se de não ter 'famili a áJ:m.ejàr o qu~ constitui ., l'&záo· da éxistên,cia de mi– E escrevia o seu nome numa árvore. ;·.' ó furtivo ólhar, ó• lur.tivo momento • 1 .• _ó 'lurtacl_o beijo - amor com quatro letras! P-.,desse adivinha, que. o passado sempre existe . ' e te, no coração a paz que não me deste : .• ' ,, ' · · , · [frutos .<>$. me~s bolsos estpo carre,gados de poemas . Uma á!vo,ré, eu sei, p':'lie $e liberta., do ~r:cito mas~-como' poder~i eu . m.e · libertar do poemal (Fortaleza, 1947) , ~l'-Se com os outros. E nada de conv.e~. cuide da sua li– ção. -Sim ·senhora... Aprender . a ler .. fo.i fá,eil. .Jô!m Cl:'Sll, s1111 m.ãe o ajuda:va - . ~as, Uç6Eis. .~la sàbia J)OµP\>• ~ mas desatm~va-.o no alfabeto · · 'n~ . sil:tb(ção e nas CÍ.1'airl openç6es• de aritmética. • . Mis de moças que ênchem as rtl(as .eia cida!ie, ela me 1taooinava. . Nada do que eu j ~ ' ., pudesse oferecer a satisfa;ria. Só o impossível saci,aria. a ' ' o George· Christian Ljcllt-enberg, (1742-1799) é um doo n:iaiorea a,fori&flas Ó!i. sécu,lo XVILI, tão itioo nesse gênero. . Sôbre ó a.tt ,– tor, de in!ora,la~o l?(>rt:nenl)1'i– ·zada no m,eu livro "á Cinza (Io p u.nga,tôí•io~. (~ynght E. S. I. com ex-01'~ ei.vid:aãe P,S,ra a FOLHA DO 'NORTE, neste Estado). 1 1 Até os mort.os fazem, uma vez por ano, a viagem em tôrno do sot · * :• . No.ssos conceitos· são, às mais das vetes, preconceitos t,a.tifica.dos pela . rl!,zio. i * . f Conforme e reglmento da assembléia., ~ttando 4e trata. de ar,sunto hnll()l'tante só fpode,m falar o pt:esideute e dois oradores -'º ~o tempo. .. * Qua.nllo se conclui um ,.-a.fA1ldo . de paz. manilam rezar um Te Deum la11damus; de– . "viana:. quando· se íloolara. a guerra:; çaniar· ,. '. , '. H ' · 1 ' mn T,e Diaboluni la-uda~us. . . -a-~ • • , * ~.,.,.,...,,..;..1o'.;,.,.~~~ . ...,,.~~~~~~· . ~~~~~~~~ (SELEÇÃO E TRA,DUÇÃO- DE OTTO MA– RJA CARPEAUX) "Fiá entre o céu e a. terra tn.ais coisas * ' . ' do _que se enco1~tt-am nos ma.nuats ese1>la- Uma das apl\e;i,ções m.ais -frequentes da res", dizia Amleto; em compensação, · hi razão •é a résolução de não a aplica~. multa.~ coisàs nos manuais escolares que * não se encontram entt"e o céu e a terta. A :moderaç~o é às vezes um êrro; a in- • ,' •(.r * diferêilça, um crime. .Enb'e um príncipe e um maluco que . ·* acredita ser príncipe - a diferença não é - P~ra conhecer o ca.rá~ r de um indivi- tão grande: o maluco é um príncipe nega. duo convem notar a brinc;ideira que ê~e ti'lto, e o príncip•e um maluco positivó. vela a mal, .. * O sujei,to era tão intel.igente que ji, não· prestava para ' nada. * ~ pa:ii da. alm~ baseia-~ às vews, na a11sência k opiniões'. * A ocasião ta.distas. favorece os ladl'ões e os es- * lFilantroP,ia sem Juízo é tão comra.pro- dueente como misantropia sem poder. 1•4, Ni9 coinpréeild~ *P&l' que ' a '.Ueai1Jfucie eterna. demoro tanto comecar, * Grandes ho,mens ía.rubê;m erram, e al- gv:ns entre êles com' tanta frequência 9ue an,tes parece~ pelJ.ptnos. * Os sujeitos bem apessoados e de boa. saúde aceitam tudo; os aleija.dos já têm opfuiíio ilifereo.te. • * Ém nosso eaís hã. certamente mais es- critores do que a pi!osperidade elo mundo inteiro ~xlge. • . * ·Gosti.riâ. de si;.ber e~.atMimute . P:\ra que~ se fa~em oi> ·i;a,orifíciós dos qui,,ís 1,e - dht publicamente iria. o ~fl.i, b ~bed~ (Íivete:r!!,i'IO, amedrontav~-o• .Ba~ia;-Jfle :sem (&>!t,ti~u~ n.o 2 . 11 969.) • • que são f.eftos para a 'Pi- * Há ,quióhentos a.nos ninguém, naquê1e ,país, morreu ile alegria. * Creio · q~e unia pessoa., apàyo,rada, em- paUdece no escuro. .Mas sei-à que. ta!)lbém coramos no escur,> '! * Quem está enamor,ado de ~i mesm~, goza a vantage• d.e não ter muito!! rivais. · * A le.iíara. mais triste do mundo é a dos jomais do ~no passa.á9. . , ,, * Quando o espírito se ele'Va., o corpo ·cai de joelhos. * Eu &'O$laria de ser rti, a.penas pa;.ra ser oo.antado, . 4pesar dos meus po.ucos talento!J, Li-0ntenijerg, o Granlle. * Já se escrever11,m Ji:vrés 1 dr-a.~, epJJ,- .~éi~; nã.o . !(!l'ei ~u~ l!Jaa,is ~nii:lisa1l(lo os iie.n~ ,t~en~ ·ae ('1ol9mbo, •9J1an!lo ;viu ·o pl'i:D)e1• ro íntlio. ll.esti a analisar. os s~ntll!Wl!iW!$ do> índio que -viu O primeiro Colombo. • • •

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