Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947
A POESIA DE JACQUES PREVERT ~RESENCA -· O s ucesso de Jacqut'S Prê,·l•rt m1: deixa alarm:ido. Tenho mê– d o que éle se tome o Jehan ltirlui; da nossa épot'a. Esse domínio eo!'.antador, que per– tence ainda à poesia , m~ que &anto se 3proxima dos "mou– llns do Montmartre. apresenta muitos perigos aos sonhadores que por ali vão espalrece:r Perigo, em prlmejro lugar. de carregar demais no elemento re.:ilista, eombativo. e na poe– sia social. como fez Rictus, ale ao ponto de revtlver no eoração do públ ico o que há de mais geral, isto é, de mais v• lgar. E outro perigo é o de exagerar esse elemento de hu– mour que se encontra no li– r içmo surrealista, essa ironia d as palavras, at ê mesmo da s.imples música vocal, na pró– xhnidade e. sob a perniciosa lnrtuênc-ia elos cabarés d e Monlmartre: pois passa-se en – tão da 1>oesia ao teatro, e a.s Uradl,S só "pegan1" quando r, ag-tradas . Seria. en tretanw , pena pal'a P réve rl. esl'rilor dotado. que wm alguma coisa para dizei· e l'Onh ece a maneira de o di– ir.er . Prévert apareceu em 1931. publicando na revista "Com– rneree" um dos seus melhor es 1>oemas, " Le din°r des têtes''. Zombava dos co11.SMVado:res ,. "leri ca is, d os generais e do• l. ttrgueses emp edernidos, to dos os que passam pelo n1undo i.c-m o vêr; e o poéta, ao con• t rtirio, descobr ia encantado as maravilhas da na tureza. a go– t.1 de orvalho, a .folha que tre– me, o leve vôo de pássaro. As maravilhas da na t11:reza, mas também a.s maravi lhas do iruo• ma fran cês. A colel.ã.nea que acaba de publicar tem por t.i· tulo "l'arol es". Aconsel ho mu i– to essa leitura aos q ue amam ROGER Bl\STIDE COPYRlGTli DO SER· VIÇO FRANCES DE IN • FOill\'lAÇ'AO rádio e pe10 c1nen1il, -;abe uti– lizar t°"'os os recursos de sua arte par:i cbei;-ar ao público. para fazê-lo r ir ou chorar Ai está outro perigo, per igo de que até agora foi salvo pela poesia, por autêntlt'a pOl"sia. Seu bumour ou seu senso de tragédia não saem do limjte mâ.gico além do qual começa orna canção que ruio é mais popular, que é simplesmerúe ·•montmartroise" Esperemos q o e fique ai. E eis porque podemos nos rt>g-ular com versos deliciosos. como "Picasso e a l\f açã" . que é wna verdadeira obra-prima - ou entiio com a história do papa ferido por um passari_. nho. Um passarinho ria à.s gargalhadas. De repente o papa , que o escutava, soltou um longo gemido de dor: U– nha recebido no olho µma gargalhada. E' ce rto. acr escen tá Prêve rt. q ue uma g-argalhada não fér e lodo o mUDdo; mas com um papa. s11br etudo quando des– prevenido de um guar da-pa– pa, a coisa é diferen te .. Esses elementos de humour e sátira soc1o1l táu aburulan- 1,es na obra de rreycrL não dtvem entretanto nos induzir Pm erro () q ne dâ a esses poemas o seu v,•rdadeiro cu– nho e o amor pelo que está no mondo. o enterneciJJo rn· canto diante da bclew das coisas; esse escritor às vezes amargo e frequent.emente odi– ento. que acaba uma história de amor t>nlre uma bela prin– ceza não menos bt'lo com es- tcs dois versos: - eles se casaram e tiveram muit.os aborreei- mentos - (em vez do pro,,érbio que tern1ina em geral os contos de fada na França: casaram e ti– ve ram muitos í Uhos) , esse poét.a não é pessimista. Ao contrário. EJe só de- lesta os que maculam con1 os st.us preconceitos II alegria de vi– ver. ou que não são maJs ca– pazetJ de sentir a embriagues da primavera. Caol.a ao con– irário a beleza, a bondade: s ua poesia é cheia de ar paro, de g-orgeios de passarinltos. irradia otimismo. E não ~erá pequrno mérito, da nossa épo– ca tão perturbada . res tituir– nos a coragem de viver - e de trabalhar para salvar um mundo que vai se pt>r1lendo. P o e tas C e arenses '~-,._~-•-et- lt - it _ U __,,-_~ PAHJS, que ~ahe organizar cor'!l tanto brilho as grandes n1aniff'staçõcs de artr e ele• gância. sobr·essai tambén1 nas exposições discrt:'las quase despercebidas realiz:i<las na meno1 sala. ou na mau; ;;las· t.."lda. dun1 n1useu ou bibliotJ– ca. sen1 publicidade, alarido e multidão que se atropele às portas; mos, cujo senlido é es– sencial à intelectualidade. 'fal é a exposicão atual. con– sagrada a PauJ Valéry e que desperta vibrações profundas nos ::idnliradores fervorosos do poéta Um dia em 1944, antes da Libertação de Paris, sugeriu– se a Valé ry yue organizasse un1a exposição ele suas obras. manu.scrilos. drsenl:los e pin– turas. Discordc,u alegando que, com razão. as circuns– tãncias não o penrrilian1. e acrescentou alegremente: "Fica para meu septuagé– simo quinto aniversário" Chegou êsse 75 aniversário que não o alcançaria vivo. E a familia, os amigos os edi– tores, a fim de hon1enageareir. o poéta f<llec1dc,, en1pre~taram suas reliqulas mais preciosas. Foi organizada a exposic;ão numo saleta gélida da biblio– écn litE.>rária Dôuc~t. ,10 run- São angulos de sonho superpostos • e um clarão fugidio que aJJmenia • _ esta viagem sem fim p~lo e spaço' s: mllll!wido. Meu grilo que eu n ão ouço vai quebrando a pouco e pc a co na sequência desses angulo~ DE PAU ' Pierre DESCAVES (C'opyright cJo S. F. 1.) do ctum corredoi. J>ot sua vez, essa bíbllotéca está instalada na Bibliotéca !:>a1nLe-Gene• v1éve. localizada no largo do Panthéon vnde se cruzam to• dos os ventos da terra e não deixa de as soprar. há séculos. o espírito E' mister. paro lâ chegar, atravessar uma sala austera onde estudantes debruçam, sõbre os U\'ros semblantes carregados Recrutam-s~ nes– sa juveulude estudiosa os vi– s1tan~ff da exposição Paul Valéry? Não resta dúvida; n1as. quando là fui sa tisfazer a curiosidade. vi muita gente Idosa cujo fervor silencioso era comovedor E' di!lcil dar vida, a ma– nuscritos e dt>Senhos. Conlndo. eis o fato: nada há de mais vivo. mais Intimo, quiçá mal!' vibrante, que aquelas dez vi– tTinas onde junto a edições raras de seus I i vros, a pena e o lapis do poéta tomem sen• slveis ,eu pensamento ntals secreto seu gosto quimérico de portos, navios e partidas. Pois. aqui. a grande revelação é Valéry artista. ora dese– nhista d• t•aco brilhn.nte e p<>rfelt,, ') ·a pintoir cujas • • VALÉRY aquarelas , pen..o 11a i. 4ue illlS• tram M • Tei.tel têm pequenas i1mensões e cõ:-es opulentas: Será seu amor ao mar - "o auu serr,pre" - que dá a seus desenhos de navios I es– sonànc1as altaneiras e nostál– gicas ? Aluno em Sete. estranha ci– dade estendida entre as aguas do Mediterrâneo e as da La– goa de Thau. guardou da in• fância essas imagens q11P lhe dirigiram a sensibilidade. E' por Lsso, sem dúvida qut seu lapis desenhava com seguro traço os cascos. dos p;iq11~tes repousando, enquanto sua pe– na evocava: "Le vaisseau, vteux cou- reur d'innombrables esca· les. . ' , São muilos os man11s(·:,tos e dos ma.is interesiaante~. E' ainda infantil aos 20 anos 11 IPtra se."l'J~ .:Iara e notavel– mente leP•~el Diversas pági• nas ,t..µetem infinda1nente o n1esmo poema, reíelto cem ve. zes e paclentemenle levado à sua perfeição. Assim é o que começa com: "Les arbres regonflés et rccouver ts décalll~. Chargé~ d e lant de braa ei de trop d 'horizons..." Estão cheios de r1SCO$ e cor• rec;ões 05 textos daetilogra. fados: ''Tu vas te au lever cJe Amerement reconnaí tre, l 'a.urorl", la meme.-" Sob a última estanc1a do "Cemitério Maritimo", parece deslisar, no papel branco, uma vela pejada de vento. que do– mina um barco preto. Fot~gra. fias .-evelam-nos as formas clêsse Cemitério. com s:eus ci• prestes e cruzes transbordan• tB' ri.~ mura~: • "Coposé d'or. de pierre. ct d 'ar brcs sombrC!I Ou tant de marbrl" eai lrcmblant sur tant d'em. bres La m e r 5ttr m~ fidéle y dort tombeairx''. a lillgwi r ude, sabor06a, ra– belaiseana (mas de um Ra be– l.a i, que tf,,essl' as l içôt'S do estudante que sabia n, uiu, latim , o snrrpalista daq ueJa época). Prévert não receia nem os tr ocadilhos, nem os velh os 1>roverbios, o enva,;a. d o das ali~ra~õe.~. os achados son or os, nem a l onga frase que arr asta em tor rente uma confu são de palav ras loucas, Jivr,es, novas. A's v ezes, po– rf m, nos seus versos d e amor, al cança a simpl icidade: Na esteira do cometa va i ssando a mulher nú a ... Em todas as exµos1çoes, por ma1s sérias que sejam, hâ sem• pre motivo para um sorriso. J!:sse, provém das fotografias que se tiraram por algumas &emanas, do album de tami• lia, e onde se vê o grande poéta em atitude própria para ser lotograíado, entre meni– nas de babados engomados, moças de saias à moda antiga. e extravagantes c h a pé u s n1asculinos. Nada, a cõr, o t;J– manho, o modo de formar o grupo, as diferenças de nM– sos próprios retratos de famí– lia; porquanto, tempo houve "Come une aJgue douce– ment caresséc par le ven• dans les sablll,S du Jit re– mues e1n révant demons et merveilles venls et marées au Joio deja s'esl 1·étlrée n,nis d a n s t e s y e u x entr'ouverls deux- petites vagues son1 restées démons et mervailles v811ts el ma.rées deus petites vagues pour me nover" - Quem acordou em mim e Por que vai a boiar ignot o cadáver de minha carne ansia vaga ? guas te? Oh ! visões ! Oh ! estrelas sexo e n1or te. Oh! abismos h iantes que ten tais. a loucura está em mim com o o amôr nas bestas. s~u o f an tasma do homem câsügando com mil golpes de açoite ·dois mil anos de pecado original ! Mas Prév.irl, que_an_d_o_n_p_e~• _ _ _________ · -:..- --------~- ~- --..IC- IQ-• --=-1o.- ~- .-.c,""-- Era a FESTA DA CHAVE en1 Belém. 11 de agosto de r~~...oco"'~ ~ J!l43, às 21 horas, no salão nob re da Faculdade de Direito do s S§ P «râ, em comemoração solene da Fundação dos CUisos Ju- S E D A t ridicos no B rasil. Aí eu falei em nome dos bacha~eland_os sperança e gos Q nessa despedida tradicional, ao entregar a ClJAVE s1mbóbca - aos quartanistas. Em pleno Estado Novo e êste meu dis- curso ! oi absolutamente proibido de ser publicado. Hoje - q uasí . quairo ânos depois - como l!inda está bem cl ara essa .~ - 1 orai:ao.. CLÉO BERNARDO <Conclúe na a.• pâg.) ----------- ---- · der se encontrar a si mesma e realizar a superação dos seus próprios êrros d::is suas própt·ias necessidades e das suas pró– pt'iás decepções. Ê com melancol1a, a mais runda e dolorosa, que eu vejo a minha geração ir se esquecendo que nasceu pp.ra melhorar a condição e os valôres hunuinos e nunca para renunciar a própria liberdade de ser que é a sua maior e melhor quali– dade. A minha geração está deixando de ser livre no meio dessa miserável técnica do silêncio organizado e mislüicador ! Eu Noite imensll e profunda de agosto, nesta "Festa da Cha– ve", simbólica e viva como o povo e a infância, as minhas palavras serão simples como a verdade e a vida. Vida e ver– dade que é a i;>resença de nós mesmos perante as coisas mais eternas e bu,nanas do homem e da humanidade. A hora é de lucidez e exemplo. Hora - hoje e ainda depois - pro1undamenle polftica, onde a nossa responsabl– Hdade ~ mais humana do que cultural. Porisso - eu não tenho o direito de me perder, dilenlar ou mediocrizar nessas ridículas discurseiras que, cada dia, aumentam por aí afóra como as nossas aguas em pleno inverno. (Espec ial pua a. FOLHA DO NORTE) .' amargura do que uma geração que desaparece pela sua men– tira e traição, pela sua covardia e pela sua duvida. Ment1ra e lraiçâo canlo P linio Salgado, covardia de Zweig e dúvida fil– letante contra Galileu e Spü1oza, sobretudo e simplesmente contra o homem humano, dúvida esteril, sem lutas e sem raí zes atê os confins de nós mesmos - como a de Voltaire e Anatole France. , grito para que ela volte a lutar com desassombro e rasgue o seu destino sem nenhuma dltadura - venha de onde viér e seja santa ou do diabo, civil ou militar. Porque da nossa mais alta intransigêrtcia surgirá o milagre, o grande milagre da nossa t õrça e da nossa unidade interior e revolucionária. Sejamos sen1pre uma geração de HOMENS por u1na autênti• ca Democracia e pelo Socialismo, depois I Cadela ou arame l arpado só atingem o corpo. 'tles não pódem lazer nada con– tra a nossa alma que é intocavel, eterna e inconquistavel. Já disse várias vezes e l'eafirmo agora solenemente: eu ainda acredito na minha geração! Assim, é para ela que a minha conciência e o meu coração se abrem natu ralmente como as violetas e as urzes brancas, nesta fraternidade por– q ue precisamos ser compreendidos e nessa inquiéta e inviolá– vel esperança de que nós todos saberemos sempre e sempre dig ni1ica1· e engrandecer os nossos caminhos. P odem me con– denar e até me odiar sempre pela minha sinceridade, mas Deus permanecerá comigo nessa sagrada e intacta vontade de con– ciliação entre o ideal e a vida_ O que distingue o homem diante de tudo é essa lúcida e d1fícil, esplendida e tranquila dignidade, é essa " hombrida– de" - de que !alam tão verdadeiramente os espanhóis li'Vl"es - desde Cervantes. Em cada geração há sempre uma conduta, uma paixão, um sinal. Uma geração sem essa caracterís tica e sem êsse atgnj íicado - é uma geração morta. E não póde haver maior Tudo isso é revelado por um singular respeito da própria geração a si mesma. Por êsse respeito que é o nosso heroísmo e a nossa santidade - eu apélo e exijo da minha geração um único gesto: que nunca se negue, que nunca se tráia quando a verdade estiver enterrada como pedra e na beleza não pu– dermos encontrar mais essa inocência creadora, aquêle sen– tido de continuidade humana por todos os povos e êsse õdor d e d estino participado pela civilização. Si para haver a valorização de todas a.s nossas sagradas experiências espirituais - é preciso que baja um sacrificio e uma serenidade - saibamos matar em nós mesn1os, sem piedade e sem nenhuma lagrin1a, toda essa alguma coisa que exista ou possa existir como n~gação ou incapacidade ao ideal e à verdadeira vida Para que tenhamos a C<'!'teza de que nós estamos de:!en– dendo aa nossas alegrias e es nossas angwilias, sem esquecer j.amais as nOSllas indetuJ'\l)avds r esponsab ilidades púbJlcas e sem exagerar ou dJmlnuir a personalidade histórica, fa. çamos &se exam e d e co · amargo e libertador, que cada geração tem a ®rigaç o direJto de fazer para po- A uma mocidade sem direção, a uma juventude que se prosti tue com caravanas, banquetes. empr eguinhos ou honra– rias - a nossa terrível repulsa e as nossas violentas palavras. :tsses ditadores, grandes ou pequenos, inteligentes ou ridi– culos - que i;>ossuem tudo e mais ainda da miséria de Cesar e nada, absolutamente nada da sua grandeza, só merttem o nosso ódio e o nosso combate sem trégua e sem limite, em dias de sol ou en1 noites de chuva. Estão traindo a minha geração e o povo ! Povo não é p a– dre Cicero e nem Antonio Conselheiro. P ovo - na sua niUda clára e intransferível eternidade - é Cristo maldizendo os ri– cos ilícitos e sem bondade. É Cristo curando em dia de sába– do quando era proibido, dormindo ao relento e perdõando a mulher adultera. Povo é Cristo - Deus Vivo e não Deus M.orto - expulsando os vendilhões do templo 1 Geração não é somente êsse gõsto da novidade e nada mais. Geração é conciência e coragem de recrear. Geração - em sua plenitude - é Garcia Lorca contra Franco p rote– gido pelo Vaticano e morrendo assassinado por um id eal de (Conclúe .na 2. ª pág) •
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