Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947

o ,1ue mteressa nas uPoesias" de Raul Bopp não é o es– tado de espi.rito Nantropo– fágico" em que í o r a m concebidas; é precisamente <> terem subsistido a êsse estado. O autor pensava em inclwr "Co– bra Norato" numa "bibliotequi– llha"· do grupo a que êle perten– eia; hoje que o grupo se di:«sol· veu, e não há nenhuma bibllo– tequinha, a "Cobra" e ·demais poe= nos incitam ao mesmo 1 onho profundo por entre as rai. zes · brasíleirás. Séus mitos, to– cad os pela transfiguração poéti- • ca •perduram quando já não há éco das espeeulaçõe,;, 1itero-filo- 11;6ficas que os utilizavam. Uomlngo, 24 de agoet-0 de 194'1 que era poeticamente v'âlido, e propõe-nos uma nova e podero– sa suge:;,tão: Movem-se raízes num fundo de [oceano mole como pe1'J1B$ longas de aranbM como Direwr: :PAULO MARANBAO Carlos Drumrr1ond de ANDRADE . . {Espeçial para a FOLHA DO NORTE, neste Estado) • NUM. 40 1 (quebrando no meio da noite O trecho admirável da fuga dos rios, que vai. comendo a t_e~– ra, foi profunda.mente modifi• cado: pernas longas de ar~as Parece que ainda ouço um "ai [num fundo de oceano [ai" quebrando na noUe Pasaa um :rio ai>ressado e ba:r- De~lça-se 16 adiante um naco [de bananco, 1&ch~ ~vo:es arrastadás nadam no meio da correnteza mo– (vendo os galhos contrazlados •••Passam escolladas na fôrça [da conentezlil' pedaços de florestas em ttansito . alcançam um tratamento mais belo nesta edição; ainda RiOB vão de muda Derreiem-se na água cldlides elásticas em ttantlfo Nacos d.e terra fresca se afundam Vão lixar :residencia mais ao [longe Arvore2:inhas sonham via9ens Lá adiante na correnteza nadam troncos velhos movendo {OS galhos contrariados. o materiai citado sugére, coano se vê, um ésltudo sobre a -evolução d.a p oética de Raul Bo_pp, a tra– vés das · alterações . que, em vin• te anos, êle introduziu em "Co– bra N orato". A uma perspectiva de •vmte anos, os _p o e mas de Bopp nos apresentam sua face duradoura, q ue · o autor quis tQn:iar ainc:la mais nítida pela reman1pul açao .irt1stíca do texto. Abra-se \jma e~içâo ante;ior de "Cobra No– irato" e confronte-se com a edi– ção primorooa de Zurich, ago– ra aparecida. É o mesmo poe– ma e é •outro. .N\jma pesagem ci-e miligramas. atento' ao ritmo, á v i d o de precisão vocabular, cioso de composição, consclente enfim , das obr-igações literárias que o modernismo aparentemen– te d-eslprezava mas a que, na rea– ll:idade, não podia esquivar-se, B opp ,..ubstituiti, deslocou, supri– miu palavras, expressões, frases, v ersos. O leitor su'pet'ficial dará m enor .apr,eço a estas ·alterações ' de forma que seduzirão, contudo, os a·mantes da expressão poéti.– ~a. Por isto. aqui se assinalam alguns exemplos do trabalho de Bopp sôbre um poema que se &u:punha definitivo. [:renio infunde outro pavor: :e po.ssivel discordar, a(lut e aifigu:rava-se melhor do que pux~do cordllS d.água pra exi- all, do acerto das modificações: · [fotcar a ier:ra. Ma~ o novo B~p. o Bopp_ de– putadó está antes nà pureza de c.ertos versos, direi melhor, de certas nuanças com que êle aca– bou mosqueando a pele da gran– de cobra. As arvo1·ezinhas 9.,ue "sonham viagens" eram. ant~ga– mente "árvo1·es de galhos idio– tas''. "arvore:z.inhas suj.as " que "levantam" vestidos, quando. mui– to, "arvorezinhas i:mpacl entes'' _que "n1amani luz com leite", ''á.rvores encalhadas, árvores e.s.· magadas, âr',!'ores estudando geo– metria". Nenhuma delas tinha a doçurà das arvorezinhas que "so– nham Viagens", nem da "arvo– reiinha emplumaãa que fez uru esfoi;ço para U't musica", nasci– das da ternura post-antropo!á– gica . de Ra\ü Bopp. Es;ia ter:nu– ra desabrocha ainda num ver• so que é pura delicia: ld 1 -~---- --------------!~ar~ece~~q:~~e~o:u:~º~:u:m~:• :ol~u~ç~o~s_e_____~~------ Movem-se :raizes e1o a as_ . .. ~ , Dois versos da edição de 1937 concentram-se em um da edição de. 1947; (Copyright Marques REBEI.,Q _ _, E.S.l .. com exclu$ividade, nesie Estado, -qara a FOLHA DO NORTE) • Faço pussanga àe nó de cabelo • . . flor de lâjá de lagoa que nasce Ide um rasio de moça enluada passam a :Faço p~ga de flOl' de tajá d.e [lagoa S OLTO meu pássaro. Canto, pássaro, libe,da– de! Meu s~c,eto desespero, minh~ ~fli~âo de todos os m1n·utos - qucmdo serei liberto dos teus grilhõe~? · Era mansa, discreta e distraido . um minuto oo vosso lado!). * • * (Comoção de -O senhor podia me dizer para que h6 poetasl o ruido manso dos zios c;arre.911-n.- [do quelic:as do caminho -Perdeu-se a "moça enluada". Jllão importai O poeta ~ria, mais 11diante, a "moça que ainda não viu homem". i.nvenção qµe •vale. • primeira. A expressão, m!!.ls mclsiva, tor- 11a-se mais brasfleira: Temos tanta coisa utilitória para .encarar que esquecemos que somos poetas~ Aconteceu hoje peio manhã, diantE. do humilde canteiro. Que emocão funda me sacudiu . Há tantos anos nã.o ~ * • * -Eu gosto de você como de umo coisa. -Que coisa? ., .,,- -Up1 vestido, um sap~t-o novo ..• e que, por cima das modas lite– rárias e das querelas de ger·a– ções, vai encontrar o grande verso de Raimundo Cor;ei a: o coração das águas sallllfelto Podemos encontrar ainda, en– tre as novas ri(lll.ezas. do poeta: Passei peno da casa do Mlnho– [cão • ac-ora via um pé de miosotis! • \ * • .. • ...com un& olhos ausentes de [não te lembras mais de mint. .• l'~I 118. casa do Minhociio, 1 ' O que havia de antieufônico é ttmovidCI: O menino ia de mansinh.o na ponta dos pés, eom a atiradeira pronta pa«"a um balázio seguro, mas pisou num galho sêco e o passarinho vôou as- austado. . Tôda ação é tristeza. Cada gesto, cada movi– mento cado atitude importo em dôr. Como se ma– tássen:os qualquer coisa dentro de nós. E o me– lhor serio calar. Meu coração e o mundo falam uma linguagem diferente . - Cada um, porérv. que vã des– cobrindo essas riquezas. O ve– lho livro de poemas modernis– tas, aparentemente tão datados, ressurge hoje em t oda a suá novidade, e o amadµrecimento do poeta mais o apurou. E é se– guranJente o mais brasileiro de todos os livros de poem.as brasi– leiros escritos em qualquer tem– po. Nele a influ~cla erudita européia, de carater satirico, que· ainda se faz sentir no monu– mental ·"Macunaima", de Mario de Andrade, por exemplo na "Ca.rta p r ã s icamia.bas" - tor• na-se pratica.mente nula .. Os m .1- tos, a sintaxe, ·a conformação poética, o s11bor. a atm.osfera - não há nada "tão Brasil" em nossos cantores como êste lo.ngo e sustentado poema, que é tam– be.tn um poema do homem e d-0 mun,do primitivo, geral. anterior às (iivisões polltica-3, na trontel– ra "das terras compridas do Sem Fim", Do , po.nto de vista na.clo– •n.a1, e c·om ao.solut a convicção. · . '. Então enforco a cobra eonverte-se em • e-1:rangulo a cobra Economiza-se o adjetívo,! e, grito gostoso de um a.rapapl\ eede .lugar a o grito de um arapapl\ EoonotnJa que permite gastâ-lo ll e outra feita: as ..árvores coan tom-e " tornam-,;,e . terrivelmente -árvores corcundas coro fome". A troca de adjetivos revela o çuldado de expcimir a sensação, em vez de simplesmente regjstã– la: "molura gostosa d.e polpa de perna de moça" f icou sendo ..mo– lu•a macia de perna de moça". Mas o poeta vai ã troca de Imagens, su bstituIndo me-.;mo o * • * Não um caminho que ninguém tenha trilhado, tn'CJS sempre um outro, um caminho que não seja modo triltlar, um caminho que não l_eve direito ao apreço dos.coevos, um caminho escolhido por bem raros, silenciosos viajcmtes, um ca1minho que não at,apalhe ninguém . .. • * Como um gorgeio: - Eu queria ser formiguinha para 'entrar quarto deles e ouvir o que estão dizendo. A outro moca ri . q * • * no * • • Progresso quase sempre se resume nisso: onde havia uma linda mangueira há uma casa de apar– tamentos. * • • Não sou n,a:da, nada absolutamente. Mas perfeitamente _quem é grande e quem não é. * • * • Sei A alma vai em farrapos, mas a roupa é nova e faz, um sol magnifico. O pavão abre o leque de esmeralda. Crianças grifam . apraz-me colocar a poesia de Raul Bopp ao Jàdó da õe seu an.· tecessor mais ilustre: Gonçalves -------------- ----- - ----------- -------------------------- ----- - ------------------------------ (Continua na .segunda págllià} Dias . • • • ~ l'NTRODUCAO ' A DRAMATURGIA INDIGENA . .:,. Continuação Ampla e profunda inlim1dade com essa mUologia levou Paul E.hl 'enreich a edUar "'Die Mythen und Legenden der l'ij•-,..:merika– Jniirchen Urvolke:r und ihre Be:z.iehung :,;u denen NordarlÍerikas und der alien · Weli" . Nessa obra êle rezenhou as a1i'V1dades dos coletores da lite– ratura oral de varias nibos indigenas do B:r~il. deSde I;ery, Hans SiadE-n -e Thevei, Barbosa Rodrigues. Couto de Magalhães e esse insuperavel Koch Gr\inberg. l/ara que essa obra se tornasse monumentill seria neces:sarjo que Paul Ehrenr•eich pudesse aer nosso contemporâneo paza abran– ger o znaterial que, só enire nós, reunh-am Brandão de Amorim. CU1'• :Nimuendajú e H. Baldua. Mas ;nóa 1.be devemos o i'er esh,– riado, com um agudo gênio de analista,, o conteúdo doa nossos. Mi– tos, o ca:ra1er geral dos mesmos, - quer se referisse à criação do mundo, aos caiaclismas, à cosmogonia, aos irmão& genieos, aos he– ,!6is-de-culiura, à emigração dos nossos Mit0s e à sua relação com os da America do Norte. • A dissertação que :Ehre~etch apresentou ao XIV Congres.-, Americanisiá, realizado em 1906, em ~tuttgaz:t, pode ser considera. da, ciomo o trabalho de Franz Boas, em relação à mitologia dos lndlgenas da Am:e.rica .do Norte, wna obra clàssica, na sua est:ru- 1\ua e na âua finalidade. .e evidente quel nesta conferencia, tobsc_ura contribuição a um m(lvimenio cultural dos moços do·HTeairo dos Estudantes do Paràu) -é evideníe, repelimos, que nos puzemo$ à sombra de Paul Ehrenreich F-~21cm,, 'l'RJ'A-AOs.,..Qde_pta:rmos, confiantes e serenos, alra– d... caia:' l\hos wmelhimtes ao, que • utes peN:Oner'am, Ma. é e -.e:nt", flUllbéJn, fl'l.e recor-emot a experiêncf8.l) pe 1>1>:ú!i. q u e • · >miJ;!,amu material ~ nóa me•mos coletado, q1>. ~ d<11mt:11J 1.nte.,.~ d• cacordo c-om o no•so coneelto de libe~ · ~ & e JllOS'lG ~" .o pc!ifu.o »elo M.ovil'i!enio que, nos Milo, illdl :31,Jlff; 6 119áo e. l10rl11Ur.to"lit!i&.J1U11. F no1<. poz bWo, j ff 7 r o qoe acabamos de expor. co .. ,.ff • r:Mll!CI""' - ..... 14ik•• . Nunei:; PERF:IRA ' 1 ' ' rendo lodo quelniado, todo vermelho . .aAHIRA puxou o fogo pua ai, <Je. · novo. Pegou o catanguejo e· pôs•lhe o fogo à çosia. o ca– ~anguejo foi até ao meio do rio, ficando verme]h·o como o cama– PARA o ci:u - ou o d:rama dos qu_e se não podem amar: o :LE- aáo, que se quelniara. BAHI·RA puxou o fogo e pôs na costa da GISLADQR E A MULHER-.u o ·drama em face à Beleza e à Vida. sn:racura. A saracura, que anda mu:üo, foi aié ao meio do ~ío, mas morreu queimada . Então BAHIRA 1!"10U o ' saPo curuni. O Sapo O ROUBO DO FOGO OU O DRAMA DO HEROl-DE-CULTURA. 'oi, ao• pulos, até perio dos Kawahíwa, à espera noutra margem . . . _-,,.o Rio. C,;,mo já ia melo morto de cansado, os Kawahiwa o pu- . ,ànt1gamen1e. O<! Kawab1wa secavam a comida ao Sol. Nao ha- xaram para .te:ra com um cambito e .uma vara, E leval'llnl o fogo \lia fogo. _o chefe dos Kawahiwa. BAHIRA, foi ao maio. fazer ~a para ll maloca. BAHIRA, do outro lado, pensou êo~o deYe:ia atra. cxl)érlência. v~ssar· o :rio la:go. Mas BAHlRA eta um grànde J)llgé, fez O r io Cobriu-se de cupim e deiJou-se, fingindo que estava morto. es.b,eitar•;K'· deu um pulo Pol' sobro as águas e foi à procur.a de Veio a mosca v.a:regeira, viu aquele morto e foi avisar o <ua• gente . íJrubú. O Urubu era dono do foge>, e o l:ra;i:ia sempre consigo, de- Desde aquele dia, os Jtawahiw.a Jlveram fqgo e puderam llSwaz baixo das sua,. asas, dizem. O Urubú desceu do céu, então acom- JK>ixes e caças no moquém. O é:ururú virou pagé. Er.a BAHIRA. 10anhado de outros urubús, da· mulher e dos filhos. O Urubú era um He:roi- de-cultura e o aeu po:vo, os Kawahiwa-Pariniíntin, e:-a -;ente: flnlla mãp. Preparou •O moq!lem e põa debaixo dele o fogo, •imples e l~feli:z, por,nae, como oub:os 1 rovos primili:vos; não poa– enandando que os filhos vigiasaem. Os filh<>s viram que o mor- suia o fogo. E foi BAHIRA, quem lhe deu. to estava .holindo. Diss.era-m ao Urubu. O Urubú ~ão ac:redilou <$> ~ ~ o.os filh,os. Disse-lhes que fosseD). matando aa varegelras, eom as Ei,; ai o Mito de um povo indigí,na, um Mito semelhante àque- nec:hirihas, que haviam trazido. Quando o .fog9, debaixo do mo- te que, na Grecla, está lig'ldo a ouiro Heroi-de-cultura: Prome– quém, esta,va bem acêso, BAHIRA toe levantou, de r epenie, .,. e t.heus. Diferem, porém, os elementos e as circu:psiâncias <lo •dra.– rc·1il>ou, fugindo• . o 11·rubú saiu a persegui-lo, com a sua gente. BA- &a .de$ea dois he~óls, do drãma, ,im,. porque ninguem sel'á um RIRA ,iscondeu-se no óco d.e um pau. p .l1rubú . o •·-suu gente en-· He:rot-de:-eultura $em que sua individualidade estçJa çondiciona– traram no oco do paú airâs de BAHIRA. BAHIRA saiu d.o outro ãa à ação e, portapto, ao drâma. é> dr~a. no Mlio, de P.rome– lado e atravessou i,tm iabocal serrado. O U:ubú não· pôde acom, tbeus. resulta do fato ae hàver ele feito o homem de .argila, anl– ;,anhar. BAHillA chegou à ma-rgem do rio largo, largo•. A geni!I ,nando-o com uma paicela do ~ogo celeste. E;, tanto na ietralogia dele, os Kawahiwa, esta'lla na margem d,e lá, E era mulia gente. "e Eschylq como numa narra.tlva-sintese. ~s#e Drama Jem a ma– m.uita gente. BAHIRA pensou como lhG le-.,arta o fogo, ·roubado 1.e1lade de Ze~, q\le P:romeihews ahontára. ,o U:rubú. Chamou a cobra surradeira. P6s-llie o fogo na costa e à d:rama, no Mito de Bahira, \:res!ilia cio fato de have.r ele ve– mandou levá-lo para a sua gente. Como a su:r-radeira corre muito, ~!ficado que )aliava ao seu p_ovo um elemenio essencial d·e cult;u– logo saiu à-t6da . No meio do rio, porém, a cobra morreu quél- ~a - o fogo - e que, por iuo, nã-, podia• ser feliz. O roubo do mada. D AH IRA , com cambito, puxou o fogo J)!U'a sl. E; o pôs fQ9'1) é um im.peratlvo para êle.' porque sua 11,eêessida!le é um im– nouf.:ras cobras. A. cobl'as iam aié ao melo do rlo, mas não reai s- perativo p,ara o• Kawahiw>i. Oi,a, um Heroi-de-cultura, mesmo na• t (am ao calor <to fogo: m9rriam. BAHIRA puxou o f!)go 11ara ai . 11X;ledades primlilvas. não pode estar alheio às necessidades do Pegou o cama-rão e pó,...Jhe o fogo na costa . O camarão foi até .,;;eu povo, po,:que o seu p~o cone-eito de dexpoçracia • a coll,dl- •o meio do :rw, snliando, mas nao l'étistiu ·l!,O calor do fogC?, moz- {ConMnúa n a, z,a pág.) ,.

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