Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1947
l 1 .ao- o 0 1 11- 11 ■ , a ■ o- o • a _ a _ J1 _1:_ o_a-.. -1J ■ Jv.1- ■ -•- o-•-n- • • ■ n 1• 0 n n ~ ------ ----·- - -------"'---------- --------------------- JORNAL DE CRÍTICA • Notas De Um Diário De Crítica ALVARO LINS - CExclu.'>lvidade da FOLHA do NORTE n o Est ado do Pará) ccxcvm - J us tüicando a escolha do pa t rono da sua cadeira na Academia Brasileira, escreveu J oaquim Nabuco: "Foi assim, pelo menos, que eu escolhi Maciel Monteir o. Nêste misto de médico _poeta, de orador diplomata, de dandy que vem a morrer de amor. elegi o pernamb ucano. A lista das nossas escolhas há de ser ana- lizada como um curioso documen to autobiográfico: está aí o sentido da minha". • .iUITE BARBACENENSE N.~ 1- 1942 MARQUES REBÊLO (Exclusividade da FOLB A do NORTE no Estado do Pará) Dezessete ou dezoi to anos de ausência, Barb acena, já representam uma t.ôa conta 1 - e o trem pára num último e desequilib rante solavanco. _ O frio é o mesmo frio terrível dt? antigamente para me receber, ~a est~ça_o cl_e– serta da madrugada, e um luar de milagre, como tantos luares da minha 1n!ani·1... derrama-se pel a cidade, tor• na maior a br ancura da n, a– triz, desce as ladeiras agor a calçadas, ilumina a bon,ba de gasolina plantada no meio de uma rua íngreme e larga como um humilhante mausoléu, vem morrer aos meus pés entorpecidos como um tapete de pra ta que . . . nenhum rei pisara. Também de Nabuco, um p ernambucano pode fazer o s eu escritor predileto c_om uma justificação idêntica. Admirando-o objeti vamente por tudo o que êle repr~ n– tftu como homem de açao e como artista, ainda poae– mos elegê-lo no coração pelo seu pern ambucanismo. Ja– mais um grande homem de p restigio nacional, v ivend_o na capital ou no estrange1- 1·0 voltou-se tanto para a s~ pr ovincia, . orgulhou~se tanto da sua origem provm– ciana. P ernambuco é um n .ome que está presente em tudo que êle escr~ve: n~s seus discursos, nos seus li– vros, nas suas e.artas, nas suas conversas, no nome que escolheu para o seu p r imei– ro filho. A conhecida pági– na de memór ias "Massanga– na", um capitulo de Minha fo.rmação. não mostra só que êle amou profundamente as p aisagens e os seres do en– genho do Cabo, mas tam– bém que certas lémbranças dos dias de infância iriam infhúr no curso e na orien– tação do seu destino. Dirigi– do a Pernambuco foi um dos eeus mais perfeitos documen– tos políticos: a Besposta àll mensagens do Recife e de J>omingo, S de Jan.etro de 1947 Diretor - PAULO MARAHRAO :NUM. JI Somos três os viajantes que entre malas nos comprimi– mos no calhambeque que o Gr ande Hotel, com uma cer– ta vaidade, coloca à disposi– ção doB seus hóspedes. Mas e> calhambeque, feio co1no um cabrito velho, deyois de alguns espirros, trepa a la– deira exatamente como um cabrito. O so11olento hotelei– ro abre a porta, medroso do frio, o espaço apenas sufi– ciente para a entrada de es– guelha dos seus hóspedes. Com sonolência sobe a esca– da sem passadeira, com so– nolê~cia abre a porta do apartamento e enfia nova– mente as mãos vermelhas e gretadas nos bolsos do so– bretudo de duvidosa côr. O clificil é se entrar ,no apar ta– mento. O mobiliário, em páu cetim, dum máu gôsto emi– nentemente 1915, é compos– to das seguintes peças: uma ~a1na dec casal, duas mesi– nhas de cabeceira, uma pen– teadeira com o respectivo pufe, um toilet~, dois guar– da-roupas, um cabide, um sofá em forma de concha, duas cadeiras estotndas, uma mesinha, uma cadeira sem estôfo e um banquinho de serventia ignorada. Nu m g,tarto de três metroo e meio por três metr os e meio, so– br arão dois milfmetros qua– dr ados, se tanto, para a circulação das pessôas. E a.o abrii·-se a torneira do ba– nheiro, cái, como não poderia deuiar de cair, uma pedra de gêlo. E o sabonete, um sabo• n e t e extraordinàriamente económico, recusa-se termi• nantemente a fazer espuma. Há dois cobertores, refor ra– dos Por uma grossa coJcl:)a. Talvez ainda seja pouco. Mas a lua subre a cama tam– bém é um lençol res_plenden– te e romântico. ('&peclal para a F OLHA do NORTE) 41!!uareth. Em 1906, vindo ao ruo para a Terceira Confe– rência Pan-Americana, re– cebeu no Recife extraordi– nárias homenagens. Pro– nunciou, então, no Teatro Santa Isabel a ftase famosa que lá se encontra hoje numa placa comemorativa: "A verdade histórica será esta: aqui nós ganhamos a caui;a da Abolição". E será o Recife a terra bras ileira q v.! êle contemplará pela última ve;i:. Quando de vol– ta aos Es tados Unidos, o na– v io chega a Pernambuco de n oite, em hora que torna impossível o desembar que. Recebe a bordo os amigos, os estudantes, os conhecidos, e escreve depois no seu f,'lj ár io: "E assim me despeço do Recife, talvez para sem– p re". Voltou ainda ao Reci– t e, 1nas para o túmulo, quan- ~ Conclue na %.• página • - Deitado nc chão. Estátua enrodilhada, viaja ou dorme. enquanto componhr o que já de si repele arte de composição. O pé avança, encontrando a tepidez do seu corpo que está ausente e presente, ciente do que pressão vale em ternura. E viaja imóvel. Mas eu ptbssigo tecendo fios de nada. moldando potes de pura água, louças estruturas - do vago mais vago, vago. O Qtte duro. duro. duro ofício de se exprimir ! já desisto de lavrar êste país inconcluso, de rios mformulados e ,i-eografia perplexa. Já soluço, já blasfemo, já irado me levanto, êle comigo. De um salto, decapitando seu sonho; eis que me segue. Percorro a passos largos, estreito jardim de hera e formjga. E nada me segue de quanto venho reduzindo sem se deixar reduzir. Assim o homem sem sombra • - . Carlos Drum·mond desejaria pactuar com a menor claridade. Em vão. Não há sol. E êle me segue, cego. Os dois vamoe rumo de L ugar Algum, onde, afinal: Encontrar ! A dileta circunstância de um achado não perdido, visão de graça fortuita, ciência não ensinada, acl1ei, aclíamos. Já vol t<' e de um.l bolsa invisivel vou tirando uma cidade, urna Ilôt", uma experiência, um coloquio de guerreíros. uma reclamação humana, uma negaç:ão da morte, vou arrumando êsses bens em pr eto na face branca. • De novo a meus pés. Estátua. Baixa os olhos. Mal respira. O sonho, colo cortado, se recompõe. Aqui estou, diz-lhe o sonho. Que fazias ? Não sei, responde-lhe. Apenas a companhei êste homem. Negócios de homem: por que a ssim os iazes tão teus ? Que-sei, murmura-lhe. E é tudo. Sono de agulha o penetra, separando-nos os dois. Mas se . . De Andrade ,_, . __ ____ ••• - Eif" Conclue na 3.• págJn;:i ASCENSO FERREIRA. - a grande Tos lírica do nordeste, esteve no Rio durante umas semanas, tempo suficiente para matar as saudades dos Telhos amigos e dizer os seus novos poemas no saJãQ da A. B. L. onde foi apresentado por Manuel Bandeira. que assim falou: Um Bardo Da Vida -Nordestina- . Alguem que ouviu Ascenso declamar os s;:s ve·r;s, opmou que o grande poeta pernambucano não devia ter dado os seus poe~:ias em livros e sim em álbuns de discos: porque a p rosód1a dos seus versos n ~ essita da voz do poeta para f~er s~bressair !odos os valores r ítmicos q ue estavam na mtençao do artJsta no momento da elabora- .A maioria das pessôas aqui presentes são amigas e admiradores de Ascenso Ferreira: conhecem-no de sobra. Esta apresentação se dirige antes àqueles que nunca vit·am nem ouviram o autor de Catinibó. Quero tranqui– l izá-los, dizendo que não se assustem diante do tamanho e da catadura do poeta. Rubem Braga contou que As– censo tem cara de cangaceiro e de ladr ão de cavalo. De cangaceiro tem mesmo; de ladrão de cavalo, não sei, pois nunca me vi cara a cara com um ladrão de cavalo. O que posso afirmar positivamente. baseado numa experiência d e mais de vinte anos, é que Ascenso é o que no Norte ee chama "uma podrura", quer dizer, uma criatura man– sa e bondosa até à fraqueza, incapaz do menor gesto de crueldade. ~se gigante nasceu paradoxalmente na Rua dos Tocos, em Palmares, cidade- do inter ior de Pernambuco. Aos sete anos perdeu o pái, vitima de um acidente numa dessas cavalhadas que êle cantou num de seus melhores l)Oemas. Mas o orfãozinho tinha unia mãe admiráv.el, abolicionista que adotava os discursos de Nabuco para mo– d elos de análise lógica no colégio em que era professora. Foí ela a sua mestra. Aos treze anos começou Ascenso a trabalhar no comércio. Vale a pena citar o que sôbre i sso escreveu o poeta, porque as suas palavras explicam cemo se foi forro.ando o seu mundo poético ao contacto da vida que levava então; - MANUEL BANDEIRA (ESPECIAL PARA A 'TOLHA DO NORTE•) "Entrei para o comércio. Estabelecimento de ponta de rua, cujo dono er a meu padrinho, homem de coração largo e barr iga cheia, mas intransigentíssimo com os em– pregados de seu balcão. "A Fronteu:a" nome da casa em que eu trabalhava, está mesmo indicando a sua po– sição entre a cidade e a zona rural Passavam os com– boios rumo à estação da estrada de ferro e de volta fa– ziam pouso para as compras, lavar os cavalos, dormir no "Rancho" . Foi o "Rancho" o grande principal cená– rio de meu mundo folclórico: toadas de engenhos ! Toadas do sertão I cocos I sapateados I ponteios de violas ! histó– rias de mal-.assombr ados ! caçadas, pescarias, viagens, . " narraçoes ... Por êsse tempo Ascenso não era ainda, como é hoje, grande em três dimensões. Até os vinte e quat ro anos foi tão magro, que lhe puseram o apelido de tabica de se– nho.r de e~genho. Depois é que pr incip iou a botar cor po. Meteu-se na política e por causa dela teve de dei)(.ar a cidade natal. No '.Recife, onde se 11:xou, começou a recitar nas ruas e em casas de amigos os seus primeir os poemas. Publicou dois livros: Catinibó e C.na Caiana. Não tar– dou qlre o seu renome chegasse ao Sut Boje é conheci– do em todo o país. ção criadol:'a. Essa elaboração é, no caso de Ascenso extr~ente complex a, - quer quanto aos elemento~ exterior es, quer no que diz respeito ao Iundo à substân– cia dos seus can~os, tão caracteristicamente brasileiros. Os poemas de Caiimbó e de Cana Caiana são ver da– deiras rapsódias nordestinas 1 onde se espelha a aln1a ora b.:fucalhona, or a pungentemente nostálgica das po~uJa– çoes da zona dos engenhos e ào sertão. Ascenso senti u o drama doloroso dêsses mest iços, debr uçou.-se com infi– n ita piedade sôbre os sofrimentos do matuto, ainda q uando êle era o cangaceiro que a fatalidade mesológiea marcou com os estigmas :io crime. Poeta de inspiração popul ar, a sua técnica do verso é no entanto sutil e requintadfssirna. Costuma-se falar de verso metrificarlo e ver so li\rre eomo se algum abismo os separasse. Ascenso Ferreira é o melhor exemplo de que não existe êsse tal abismo. Nos seus poemas mistura êle os versos metrificados e- r imados, aquêles de r itmo mais martelado, os que por isso mesmo os cantadores nor – destinos chamam "mar telo", com os versos livres n1ais ondulosos e soltos, e até com fr ases de conversa, e músi– ca pelo Jneio. Todos êsses elementos se fundem admi– ràvelmente como numa coísa só, uma peça inteiriça, onde - . nao se nota nunca a meno11 fenda, a menor gauche.rie. Não conheço na poesia brasileira culta. na poesia culta de aenbum ouu-o país, poeta que a êsse r espeito o supere.
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