Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1946
- Clarinha ! Clarinba ! IA estão a ;;; rneninas a gi·íta1 . . • o • • t 1 - - • Conto De Regina Pesce • ted>.a oa olhos uues, e tem uma lingninha vermelha e d o1" 1an1 inhos alvos ! Mas noje não se z;,n~i com o~ chamadoi; i 1np,.. , •1nen1es. tistâ alegre porqUe :;, , .:-vrdá– la. sua mamãe be1jou-ê jPse• j.indo-lhe telicidades. .:11 cn11e– lendo-lhe que. à ta.rde. iríam sair juntas para comprai uro presente. t. que hoje Clarinha fa7. anos : 7 ! (Cla..c:sificado no "Grande Concurso de LE1.'RAS E ARTES". Suplemento da "A Manhã, do Rio) O ..:u.raçao de Clarioha pare– ce queret saltar-lhe do pe1to. Feli2 e assustada. não póde acreditar no que vê Nem se mexe. de modo que tudo não p asse de um sonho lindo e no fim desapareça. E que lindo vestido I Azul come nf olbi• nbos 1•• Há dois anos que sua mãe é coiinheira nessa casa e ela. desde então deve serviJ as duas filhas do casal atenden– do-lhes todos os caprichos de meninas r icas. Clarinha d e i x a o quarto apressada para atender SU11S patroazinhas. Mas hoje não se mostra aborrecida ao lembrar que terá de calçar-lhes os sa– pa tos. de ajudá-tas a se vesti– r em. de pentear-lhes os cabe– los. u1do isso sob uma chuva de desaforos. aturando chaco– tas quando não tabefes. Clari– nha vai risonha, os olhinhos brilhando mais. a cabecinha a remoer coisas lindas. sonhos ~lic.tosos !. . . Eslá ficando mo– cln~ . Glarinha ainda se lembra de .;;eu oai. apesar de vagamente. ~aquêle tempo tinha brinque– dos. não trabalhava, fazia o que entendia, e recebia muitos beijo~ do papal e da mamãe. Podia talar alto quando bem en• endesse. cor rer pela casa. até mesmo iesobed~e:i- de vez em quando Depoi! êle morreu. Foi _ntã.o que sua mãe arranjara êsse- emprêgo de co– zinheira e ela tivera de mudar dt> vida. Não tendo onde dei– xá- la. sua mãe tivera de con. co!dar com a sugestão dos pa– t,roes : as. menlnas tinham pouc~ anos maJs do que ela e~ dariam bem. De tato. afó– r.i umas t.raquina<las malvadas, pt'i)prfas da Idade, elas vivb1m muito bem Mas CJ.al' inh._ co– mo tilha únJca. aprendera a ter suas vontades. aJ>esar de po– bre. E é por isso que não rece– b! de bom ip,ado as i.mposi– COf:S das duas rneniD~ - ClaruJ.11.1... .o.\naa togo 1 A garota iesperta de seus 1evaneios e, com um suspiro. entra no quarto das patroas. Mas . . . que sucede ? AB me– ainas já estão levantadas, já vestiram o uniforme do col~ gio. já estão até penteadas ! Terá se atrasado muito ? Chili ! Lá vem Mcarão" 1... - Meus paraMns I Meus pa– rabéns 1 E as men inas correm a abra– çá-la. Clarinha não co1.1segue dizer nada. Decididame11te, êste é um dia fenomenal . Se atê as meninas. em vez de brigarem com ela, a abraçam ! E se aprontaram para ir ao colégio 'lem a sua ajuda ! Mas é obrigada a abandonar • • - seus pensamentos. ...uci. a IDJllS velha, revestindo-se da impor– tância de um m_a~islrado. diz– lhe seriamente : - Clarinha, voct lembra da– :iuela sua boneca que o .foU ·omeu? - Sim se . senhora . Mas não tem lmportãncia ! - Tem, sim senhora ! - re– bate co1n veemêncla Amélia. Clarinha leva um susto; a.n– tes não tivesse djto aquilo. E é melhor concordar - Sim senhor a tem... - Mas agora continúa Luci - vamos pagar-lhe o dé– bito de J oll tle é wn animal por isso não ~be o que faz. Mas nós não podemos atu.ra.r •• ISSO 1 C1a rinha nem pisca - eslà illÔUllii :'>Ull .:,;,Oe cwha d12 que 'sim" ou que '-Oãoª ·oncor– iando sempre com as palavr~ ia ou tra. Que eslará aconte– ::.endo ? Quem sabe se as me– 'linas não estarão doentes ? - E resolvemos - prossegue Luci - reparar os estragos do nsensato JoH E, t;repando no banquinho da penteadeira, um lápis na mão à gutsa de varinha. ord~ na majestosamente à Irmã: - .t\.mélia ! Traga o presen– te. Com pôses oão menos lea– õ(ais. Amélia vai buscar uma caixa que estende a Clar1nha Esta. quando vê o que é. lar– ga-a rapidamente s6bre a me– "'ª· como se lhe queimasse as • Senhor. és tu a quem escuto nesta noite de treYas ? Ê:s tu que Tens de leYe acordar o i:rresistív-el pranto •a ~i8$0luta face onde 9e esconde a :máscara de u-m medo de mi} anos c!Jras e & tu que lanças o olhar como r~s de fogo aôme o meu pobre • insuportáYel exí.lio? O Senhor. eou aquêle a quem teu nome gera o 11Uicídio f Longe de tí meu coração é forte, longe de tí u dôres são mais braJtdas e a lembrança da cal'Jle fére menos que o sonho t Sem ti e&tarei protegido pela Yalaa e pelo mêdo e aeste qua.rto por onde a solidão se-meia praato. tomarei éter até que o azul • manifme • recitarei depois 13audelaire em altas Toz... mãos. Os olhos arl'ega!ados, a vc,1 incerta oroetu, 1x-pUcar · - .. Mu . Q'JUJt\. ot>rtgada. dona Luci. Mas esta é a bone– ca que a senhora ganhou no dia de seus anos . . . Seu pai não hã de ~ostar ! Não é para mim . - Póde pegar ! - encora.ja Amélia. Nós vamos ganhar ou– tra. Essa é prá você, Papai não se zangará. Mas ... - Se você não quiser, então deixe ! - ata.lha Lud. impa– ciente. Assustada com a ameaça, Claril'lha acerca-se da caixa. Que ilhda 1. . . Os cabelos parecem de gente, tão louri– nhOi!! e encaracolados I ll ela • \ • Clannba 1ança um olhar rã– pldo e medroso para as meni• nas, e Logo os abaixa. num encabulamento pela sua gran– de alegria. Agora compreende que sua mamãe tem razão. quando lhe dlz _que as meni• nas não lhe querem mal que s6 a aperreiam por brincadei– r-a. - Uma "coisa" parou bem no melo de sua garganta nill• cultando-lhe a resplraç5<' D evagarinho. passa oi: -ierios de leve sõbre a carinh11 bem ! eita da boneca custosa. depois pú:lca a mão rapldame11tP co– mo se tocá-ls tôsse um sacri• légio. e olha. interroi?al rva– mente. para as menina-E que, d'e lado. tingem superio ri d-nde e mal escondem um sorri!'" - Pegue logo. debce df' rer bôba 1 - aconselha Aniélia. Clarlnha enfim se decide. Tira a boneca da caixa. se(U• ra-a delicadamente. aperta-a de encontro ao seu peltiDho que arfa descom'Passado. e em• bala-a em seus braços, tal co– mo sua man\áe fa z às ve:i:es com ela. De repente. estrei• ta-a maJs estreitamente de en• eontro a sL e ri desenfreada• mente. rt a rnais não poder, numa reação de seus nervos desconttolados. CoTre até à po.rta. depois se acalma. pára e, virando-se para a.s meniDas, perl!Unta a medo : - Pr.,;so 1Pvá-la? 1: mesmo minti a ' - Pôde,. sun . Clarinha agradece, satisfeita, coi sa q~ s6 agora lembra de fazer. E então. quando já estã t.rans:pondo o limiar. as me- . - . .... 1ünas gritam em côro ; - Primeiro de abril I Prl• melro de abril ! Pl'jmeiro de abril ! Clarinba estaca, llvida. Seu b elch1ho com~ a tremer, ir– re-rente. E. enquanto as me– ninas riem às bandeira des– pregadas. repetindo a cruel frase, divert.idaa com sua J>i• lhêri-a. ela deixa a boneca sõ– bre a mesa e sái -a correr, cho– rando convutsamente, Fioj,e, por&n, nem se lembra disso. Seu coraçãozinho es1á cl- .t.io de conformação e bôa voniade Vai dizendo para si mesma que hoje é o dia de. ~eu aniversá rio: que já esü m?Cinha Cfôra mamãe quem o afirmara); que quando tllr nrand'e sairá de$sa casa: que à tarde ma:mãe vai lhe con1prar 1;1m presente. . Que será? Ela e quem vai escolher - disse– ~-o a mamãe. Que escolh~ rta ? Ab ! uma bon eca I A sua as meninas deram para O .Joli e qtlllndo ela foi vêr, 0 ca– chorrinho tinha comido uma perna e um braç0 e tinha lam– busado todir a carinba da !lia L~ló. Ela chorara mutto nesse d1a. enquanto que as menmaa riram a valer. Mas. pensando bem, Lol6 afinal já estava mesmo veThinba. Agora teria uma nova! Ou p1:eleria uma bola? Daquelas de cilres? Ou, lalvez... Senhor, Senhor, És o U,ímigo oculto em cada hora noturna 1 Pois ae Lázaro llão aou. abre-me a porta Quando a mãe, afli ta, vai procurá-la em seu quarto, ain– da a encontra debruçada slibre a eama. a chorar desesperada– mente pela fel icidade gue du– rara tão pouco. : MAR PORTUGUU O mar salgado, quanto do teu sal S;io ~ágrimas de Portugal ! Por te cruzarmos, quantas mães choraram Quantos filhos em vão r ezaram 1 • Quantas no,ivas ficaram por casar J>ara que fõsses nosso, ó mar 1 Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar alé1n d-O Bojador Tem que passar além da dôr. Deus ao ma1· o pe.rigo e o a bismo deu. Mas nêle é que espelhou o céu. O INFANTE • néus quer, o lion1ein sonha, a obra nasce. • Deus quis que a terra fósse tôda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e !ôste desvendando a. espuma. E a orla foi de ilha e1n continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E víu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te p ortuguês. Do mar e nós em tí nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se der.fez. Senhor, fali.a cumJ)rir-se Portugal ! • DE UM CANCIONElRO Sol nulo dos dias vãos, Cheios de lida e de calma, Aquece ao menos as mãos A quem não entras na alma t • .u para sempre lil.Uça-me no abismo. ROY GUJLHEBME BARATA E ante seus olhos empana• lloe. 11elas lâirimas, ainda apa• recem aquêles dentinhoa alvos. aquêle rostinho de b is c u f. aquêles cachlnhoe loiros, aqui– lo tudo que seria seu se não tivesae t.ido a desdita de nas. eer em um primeiro de abril. • • Poemas De Fernando Pessôn • Que ao menos a mão, roçando A mão que por ela p asse, Sob externo calor brando O :frio da alma disfarce ! • • • Senhor, já que a dôr é nossa E a fraqueza que ela tem. Dá-nos ao menos a fôrça De a não mostrar a ninguém ! 0 LAGO Conten1plo o lago mudo Que uma brjsa estremece. Não sei se penso em tudo Ou se tudo me esque~. O lago nada me diz. Não s.into a brisa n1exê-lo. Não sei se sou f eliz Nem se desejo sê-lo. Trên)ulos vjncos riscnhos Na água adormecida. Porque fiz eu dos sonhos A minha única vida 7 MARINHA Ditosos a quem acena Um lenço de despedida 1 Sà<> felizes : têm pena ..• Eu sofro sem pena a vida Doo-me até onde p .ens~ E a dôr é já de pensar, órlão de um sonho su.-inPru;o P-ela maré a vazaT.. . E sobe até mim, já farlt. De impro:ficuas agollU¼s, No cá.is de onde nun<!a parw, A maresia dos dias. · • ....
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