Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1946

• i F ___ F T .... r.. .. , ..... --■N--•--·· ..--·--·-·"'~·"'-~"--... ~-=-:·:-~· =--=.________:__________________________________ - . - 11.- CI li - , - · - n- • - •- o- •- . •·--- - ------- CADERNO DE VIAGEM , • MARQUES REBELO (Exclusividade da FOLHA DO NORTE, Hoje enterramos o grande homem da terra que pela vontade da mulher, menos que a do povo, veio repousar n o cemitério da sua cidade n atal Morreu moço e sua vida foi um exemplo de tra– b all10 e capacidade. no P ará) ROGER BASTIDE (Copyright do Serviç" F rancês de luformaçao} Filho único, o pa1 tinha \JT'la fazendola nos arredores de Pinheiral. Formou-se em :1'n'rmácia, o que mais não lhe cust ou que uns p oucos con– t os de réis, tão facil é se for- 1 ~ n uma escola superior. E cqm o diploma co1npeten– t emente registado, no canudo de lata, ao a br igo das t raçaf' e barata.s, montou a farmÍl– cia "Minerva" . no velho so– b rado cinze nto que hoje, na p r aça principal defronta o s eu busto em bron2e . obra •de imorta l artista {talo-pau– listano. Ao fim de dois anos a farm ácia fechava a s por tas , o grupinho que ali se r euni a para politicar e cortar na l7i· da alheia passou a f azê-lo na nova sorveteria e o s,obrado p assou a ser um b ilhar, de b olas grandes como elefan– tes e de tabelas duras como pedra. Morrendo o velho, neste inter im, o farm a cêuti– co se improvis a em fazen– deir o, e exatamente após dois anos de gestão, havia uma hipoteca de duzentos contos difícil de liquidar. Mas a capacidade do homem era tr emenda, não lhe s ufo– earam o ardor os dois insu– cessos inicia is da sua vida. E como a sort e acompanha s_emp.re os hon1ens a rrojados, v e.m a Revolução. O homem mete-se nela e dela saiu com um empr êgo de três contos e quinhentos na administra– !;ão do Es tado, ca rgo que mais tarde foi muito justa– mente elevado par a cinco, atendendo à. carestia da vida e à responsabilidade do pos– to. E aí, então, é que se re– vela a sua ex traordinária capacidade, cuja e-vi dência a admiração púbJica tra nsfor• mou em b usto na praça, em r etrat o no Forum, em nom e de grupo escolar (onde êJe e studara as primeiras letras), em nome de hosp it al, em no– m e de avenida, em n ome de t roféu esportívo, et c., etc.. li:m menos de cinco anos a f azenda éstava desipotecada, r ef ormada, mob iliada d a s m e lhores casas de móveis do llio de .Taneiro - geladeir a fC,,nUnlla na 3.• p6gtne 1 ------------------------·------------- ------------ • - --- --------- - - ---- -------------""7- ------ ------ -- l>irelor : PAULO M.AJ\ Al'! -u.AO Domingo, 1, 0 de de_r.embro de 1946 ------------- --- ------- lJm Autógrafo De Castro Alves MANUEL BANDEIRA (E SPEClAL PARA A FOLHA DO NORTE) Tive ultimamente, a en1oção de ler em autógrafo o poen1a "Mocidade e n1or te". ~ sses versos semp re me intri• gararn, por q ue neles se exp rime a fun da trist eza de um tíwo à espera da n1orte : E eu sei que -.ou morrer . . . dentro em Um mal lerrÍYel me devora a Yida. meu peito Ora, o poema está datado de 1864. Nesse an o tinha o Poeta apenas dez~sse te anos e nada f azia prever que viesse a morrer tubercul oso. Er a wn i-ap agão de voz forte que arrebatava a p latéia do S anta Isabel decla n1an rto os seus poemas abolicioni~tas , Serla fingído di7Ja eu coinigo . ' . aque le somb r io desalento de "Mocidade e morte" ? Seria pura "literat ura" de a dolescente ? O poema, no en tanto r esp ira uma tal sincerida de nos seus acentos dolc,rosos, qu~ eu nao podia admitir a lúpótese da dor sinntiacta. A.gor a o autógrafo t udo explica. Menciona o mês em que .foi escrito : novembro. E depois dã da t a esta decla– ração:_ "Na so tea ao toq~e da meia noi te, quan do o peito me do1a e um p res:entt 0 • me passava n'alma" . ~ d~ Poe ta ! o p restentimen t o, que des pertou na sua 1magmaçao to"1o o quadro dos f ut uros padecbnent os t ísi– cos .e morais, não o engílnara. Vou transcrever a lição do a u_t6grafo, ,Que p ru·ece a original, porque em n1uit os pontos foi alterada e n,;Je !'"esmo há correções, a lápís, do p róp rio p uruio do autor. O PHTHYSICO 1 Ao meu Amigo Marcolino M. Albuquerque Sinto tomar-me o leme a mio da E perto avisto o porto nebuloso chamado Eternidade. 2 (Laurindo BebelJo.) Oh ! Eu quero viYer. beber perfumes Na flor silvestre que embalsama os ares. Ver minh'alma adejar ~lo infinito Qual branca Tela 'n amplidão dos mai'es. 'No seio da morena há tanta amora ! 'Nos seus beijos de fogo tanta yjda ! . . . a - Arabe errante - YOU dormir à tarde À sombra fresca d·a palmeira erguida, morte. Mas uma TOZ I epeie-me so1nbria • Terás abrigo sob a iage_a fria. Morrer ! . quando t:a1te .mundo é um parais.o E alma um cy1one de dou.radali plumas ? ! O regaço da amante é um lago rugem 6 Quero boiar à tona das espumas. Vem tormosa mulher - camelia pallida Adornada com os prllnlos do arrebo\ • Ma alma é a borbuleta qu'espaneja Das azas o pó d'ouro à luz do sol. ' E a mesma Toz repete-me tenivel Com gargalhar sarcHtico : impossivel. Eu sinto em mim o borbulhar do genio,, Vejo alem um futuro radiante. .,Avante" brada-me o talento n ' alma E ao longe o echo me repete "avante•. O futuro . . . o fu!uro , . . no seo seio EnJre loUl'OI e bençãos dorme a gloria ..• ' Apés. • . um nome do univeri.o n 'alma Um nome ~!:crüo no Pantheon da histo_ria. E •· m1:sma voz repete funerarea ~ Teu Pantheon - a ~dr• mortuaria. MorreT ... é ver exiincto d' entre u nevoa1 o . f».nal q- nos guia na tormenta. Condi<nl nado - es:::uiar dobres de sino - Voz da morte -. que morte lhe la111P.nta. Tiocar os a stros pela lus dos cirios, • Lei to maci o por esquife immundo. Trocar os beijos da innocente esposa Pel-o sepulcbro solit&rio e fundo. P Ver ludo ~indo - só na lousa um nom• Que o viandante a pe_rpas.!lar consome. • E eu sei que Tou morrer . . . Dentro em meo peüo Um m.al terriTel me de-vora a vida. - Triste AshaTerus q · no fim da estrada t♦ Só tenho os braços de uma cruz erguida. 1l Sou o cypreste que inda m mo florido Sombra de morte no ramal encerra. Vivo vagando sobre o chão da morte 11 Mor to entre os Yivos a •agar na terra. Do sepulchro escutando o triste griUo 13 Sempr6 e sempre bradando-me maldicto. 14 ' "".c::-o-m- o-:-to-:d:-o-s 7 is-:-te_m_a_,_q_u_e_d_is_•_J_O_R_N_A_L_D_E_C_R-:í=T'.':'IC_A___________ _ põe de uma concepção gera] da vida, o marxismo apresenta tllmbém alguns conceitos f un- t::õilr' Contt·n'Aa a• t .• ptgl11• ' t\llmentais sôbre a arte e a 11- t\ratura. Nem Marx nem En– gels, como se sabe, escreveram obras especializadas sôbre o f enõmeno estético, ambos vol– tados de modo apaixonado p ara os assuntos políticos e econômicos. Não f oram indi– ferentes, porém, aos proble– mas da v ida artística e literá– r ia que discutiam constante– mente nas suas obras, Invo– cando-os muitas vezes cumo documentos e exemplos para as suas téses doutrinárias. Vá– rias das suas cartas, além dis- 10 , revelam os gostos, as pre– ferências, as Impressões, as idéias com que julgavam e sentiam as criações estéticas. F oi com êsse material que Jean F réville organizou, na e o]eção Les grands textes du muxlsme, uma antologia des– tinada a o.ferecer um conheci– mento de conjunto da concep• ç íio artística dos f undadores do marxi smo. Utilizou-se, para a escolha dos textos, da edição das obras comp letas de Marx e Engels, publicada pel o Ins– tituto ;Har,t-Engels-Lenine, · e • ----------- LITERATURA E MARXISMO ALVARO LINS (Especial para a FOLHA DO NORTE no Estado do Parã) de originais que lhe /oram for– necidos pelo mesmo lnstiluto, sendo auxiliado na sua tarefa de seleção por Indicações e su– gestões de criUcos soviéticos. Nessa antologia Sur la littéra– ture et l 'art encontramos assim alguns princípios e ídélas fun– damentais sõbre o caráter, a signi!icação e o fim da criação artlstica que a todos será ne– cessário conhecer como uma das correntes mais atuantes da cultura moderna. Extraordinário instrumento de crítica, investigação e - co– nhecimento, o marxismo não • pertence apenas aos seus par- tidários ortodoxos, mas deve ser utilizado no estudo objetivo de quaisquer problemas dos nossos d1as, ainda que venham a ser r esolvidos sob a influên– cia de outras convicções. Não seria mais poss1ve1, nem útil, ignorar hoje um tal sistema de pensamento, inclusivé na vida literária, quando vários escri– tores a êle se f jliaram apaixo– nadamente, obrig.audo os críti– cos a i ncursões nesses planos ideológicos, diferentes dos seus p r 6 p ri os, para cun1prirem aquela principal missão do seu oficio : a de compreender, ex– plicar e discutir autores e obras, quaisquer que sejam as suas tendências. Ma.s, por ou– tro lado, que caricatura do marxismo apresentam às vezes alguns dos pi:óprios escritores da esquerda ! Não são apenas os seus adversários que defor– mam o sistema, mas certos partidários que atraiçoam os princípios por ignorância, le– viandade ou fanatismo. 1:les lmaginam que a posição revo– lucionária no conceito maneis– ta resulta de uma simples de– cl:irnção, de uma méra atitude de eiitusiasmo epidérm.ico ou de calculado oportunismo. Ig– noram a n~essidade de duas condições prellminares : uma natureza humana realmente revolucionária e uma sistemá– tica educação JDarxista. E isto acontece quando se fixa o pro. blem11 do ponto de vista e:x• clnsivo dêsse sistema. pois o marxismo não detém o privi– légio do potencial revolucioná– rio, e !óra dêle - no cristia– nismo. por exemplo - um temperamento e uma inteli– gência revolucionárias podem encontrar outras f 6rmas de expressão e desenvolvimento. De acôrdo com os seus prin– cípios fundamentais, a litera– tura, no conceito marxista, é uma superestrutura, como a ciência ou a moral, condicio. nada pelos fatores economlcos e pelas :fórmas de produção. Permanece assim assinalada como realidade dependente e segunda, embora lhe seja re– conhecido um certo desenvol– vimento pa1 licular. Marx e Engels e)rplicaram mais dé uma vez que o seu &istema não tinha por Cim sustentar que o fator econômico era o único na história. mas apenas que êle era o predomináote. Engels ' chegou a reconhecer que uma grande parte do equivoco sur– gira por culpa dêles mesmos : em face de adversários que tudo negavam. cegamente, êles sentiram a necessidade de -fi– 'ltar com tamanha insistência o principio essenciàl ·que bão mais tiveram tempo nem oca– sião para 1azer justiça aos de– mais fatores do desenvolvi– mento sociaJ. Tudo, porém, se modificava bastante quando se safa do terreno da 1eoria para a caracterização direta num determinado per íodo histórico: é o que êle confes:;-a nUIJla cal'• O francês foi sempre um povo de senso critico e \l\h f :,; em n enhum outro pais haj.i tantos dissecadores de ideias e dcscol.lridft r es de . novas Inter• &H·etações. , rerltíca-se. e o m fartura, que essa veia oà\l se esgotou , tenilo o "M!lndo Clássl<'o·· t e l\ndrê Rousseau:Y 1Albín 11 i – ch el 1. Aí ,•einos como um n,l– tologo. Georges Oome.:il re– n ovou 1,1 história. dos inic:iuF ,!e Roma e mos l;rou o bom êxito de Tito Liv lo em transrnr•-.1 a r mitos europeus em rragmPnt'>S his tóricos. Ou como r a 11 1 Maur1 1 modilleou CODllll ••t.,– menu uo!'sa lnterpreta~oãn •le Virgílio por uma nova clà•• i– ficação ,la,; éclo~as e a otili– zal'ão da m ística dos númer,1s, cer tamente das mais hr l::s de~bulai; da fUologla fT<> u – eesa néstes últimos anos. S i,o é de crer, contudo, que André Rousseav:x •e limite, ueS'-'lS excelenlu C1itica,, a r e!Uinir a contribuição d011 oulrus. S eus estudos, iJlva.rbveJm;, nt e ritos e saboN>Sos, são sen1pre eheios de observações p essoa is que me parecem, em geral. justa.!! e novas. M.oliere. por exe1oplo. surge ai como de fato foi : 1,artidirio. não de uma ordem somente burguesa. po– rém mais elevada ., mais p-ro– ro:n11ame11te humana. Om im· ralt-lo entre Proudhon e Pr-cuy esclarece com luz surpreen– dente as fontes pop11Jaru des– ses rlois crandes esmtoref. : o homem da J•sU~ e o tia Mlrl– dalle. Mas ss.ri~ deru.tsbulo Jonr o en11111u ar tudo o tf.U t- <ie encontr::rá de l 11 ler e ssnnle nê35e livro, q11e nos oomJ111, t1e Sófodes a M.allanni. Dlran~os somente que honra a cultura. francesa. Os ensaJos de D~ls Saurat, reunitlot sob r titule "Tendcn– ctas", são mab cw-tos. Poutos de vtsta, renc,rõea à margrm tle ,:rantles eseriterea mais do que estudos propriamen\e di– tos. lneonlesta.velm.ente as 11á– ginas de malM t,iterêsse aáo as consagradas a Proust. De– nis tem o cuidado de nos n1os– trar quanto o pensamento. a senslbllld3de e mesmo o e11tiJo •le Proust devem a essa "gôta 1le sanxue judeu", que r.orria, çi;mu se sabe, nas suu vejas. M.u Proust rui.o se contentou em abordar a11 rrandes l11 h1 i– ~õCJt da ~bala, nlnca,11uC)âo, lei sexual e eternl-dade d i\5: idi ias : por suu ral:aes rran- rConUn6a oa a.• 0~111t1 ta a J oseph Block, em 18fl0. Imaginemos assim que Marx e Engels reconheciam no fcr.ô– meno estético uma situação mais ampla e mais indepen– dente do que aquela que :ipr. – rece de modo expUcllo n cs seus escritos, embor a com ~ certeza de que o materiaJisn10 hJstórico impede até certo P'-'' - to a compreensão do que há de imprevisto, de irredutivelrr ('li· te pessoal e autônomo, na cr,:1. ção artística. Decorrente logicamente n n determinis1no, do malerjaJ .,_ mo llistórico, ,é a r1çida prop(l– s1çiío marxista a respeito ri ~ idéias gerais como conseqné-•1. ela das idélas da classe dnn,i– nante: "as idéias da classe do– minante siio em cada época ;i• idéias dominantes, e isto quer dizer que o poderio material do.minante da sociedade é igualmente o poderio espiritual dominan1e". Esla é uma té-i,e que se póde aplicar aos, pen– sadores e artistas de determi– nado tipo, os da maioria. aliiis, em cada época: os conserva. dores, os rotineiros. os ·confor– mad os, os tranquilos. M.as co– mo ignorar os outrQs, os que (CónUnúa na 2,ª pa:h1a)

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