Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1946
• Ja?_,,, _ __ &~- --.-... ,.,_,,__ _ ·- Havelock Ellis E A._ Espanha Gilberto Freyre E SP ECIAL PARA A "FOLHA DO NORTE" Um ponto que venho procu• rendo destacar nos meu.s es• t udos sõbre as o r i g e n s d.a 1 eociedade e da cultura brasi– leiras é O muito que hà de .africano na sociedade e na cultura bispanicas. Dessa so– ciedn-de e dessa cultura. o ~r~· Domingo, 22 de ae1embro de l9-t6 D h etor: PAUL O MA.RANtlAO · JORNAL DE CRtTICA F isionomia De u • m .ti é hoje u.ma , dll~ prLUC1p;llS expr essões nac1onéllll, com ln- (EspeeW para a. FOl.dlA DO NORTE no Estado do P:lri.) e o n t u ndiveis caracteríslic06 i n o..,·os porém tempte gu.ardan- ..., ••__,, ._ , __,_, ........ , •• ,.. • .., __ ",_. . _ ._ .. , ....,..,_ , _ _ ,..,_ , •• .. •--- •--• AI.VARO LINS - • - • l ■ dl ll 1- it ■ lf ... ft - tl l lt ti _f'_fl_r'~ mJM . 12 • Poet a Classificacão ..:., Do Conto Popular Luís Da Can1ara Cascudo oo tJ·açoe dos velhos povos maternos que para aqu1 se transplantaram c.-om seus va– lores. De modo que a comll_?- 1içií<I élni<:a e a co~çao psico-social d êsses povos nos Lnteressam particularmente. O relevo que t en,ho procu– r ado dar à infiuênci.a a1ricana na sociedade ê na cullura ,his– p a11icas nem sempre me lem v alido louvores mas, ao con– trário. criticas às vezes áspe– r as de pol'tugueses, espanhóis e bispano-ameticanos. Crllicas que d.atam da publicação do ensaio Caa Gr~ & Senzala - onde o assunt o já era dis– cutldo - e se acen tuaram ul – t intamente CQID o aPQrecirnen– to de B.ra ,zll ir:1 lnt.erpretatlon publiea~o t bém. em espa– nhol sob o Utul o de lntffl>re– &acion dei Bnsil e acolh ido com grande si m p a ti a por mestres como o professor :Es– cllavarrla. Mas n ão pelos aria– mstns oenlneularee ou da Ar– gentina, q-ue j u l g a m suas origens limpidamente nórdicas A publicação de um volume d e P&élliu escolbidll$ do sr. Augu..«to Frederico Schmidt rep!"êllenta wna oportunidade para que se tenha uma visão de conjunto não só da sua obra, mas Lambém da sua !ígura humana (1). Aq1l-Í estiio muitos dOiS seus mel]1ores o mais significativos poemas, exti·aidoo dos livros. j .\ publicados - Oa.nto do estTangelro , Pássaro cego, Canto da noite, Elltrela Sol iti,ria, Mar desconhecido - acom– pan hadbs de vários outrOiS tnéclí1os. Essa seleção uão mutila a fisionomia- geral do poeta e o sentido de conjunto da sua ob ra. Há poetas, corno Baudelnire, que ticari;:im prejudica• '1106 no procesao de p ublicação de obras esc:olhldas, pois êles p r6p r.íos fazem a stlecão e escolhem pessoalmente- o que de– sejam entregar ao conhecimento do púb lico; há outros, como Viot.or Hugo, para os quais a apresentação em obras escolhi– drui valoriza o conhecimento do pceta nu.ma forma de síntese esi.éneial, pois estiveram preocupados em cr ia r livremente, deixando aos crfüoos a tarefa da escolh a. O sr. Augusto Fre– derico S<:hmidt p ertence a essa categoria dos grandes lfricoe e dog criadores abundantes da qual Victor R u go é porventura o exemp lar llUlis representativo. J untar, como se fex neste volume de P eetJiq neolhídaa, poemas de dif erentes livros e diversas fases é o processo erítico para uma mais nltlda visão da sua imagem como artista e como personal idade. E esta é uma dep uração que se ru com a colaboração do t empo. Os livros isolados ·são pedaços do autor, cada um dêles marcado e lin-ut.ado _pelas circunstâncias parUculai·es de Idade, ldéiu, tendêncj.lls, preocupações, alegrias, desgostos, problemas in• clivid\U11s e sociais daquela determinada época que levou a data aos volumes; e ,reunir esses pedaços -dispersos significa um anseio pela unidade espiritual, um gesto como o de re– compor um espelho partido, para -ver nêle relletida a 1.lqje• tórja de uma vida e de uma obra em conjunto. Um dos velhos problemas na literatura ,popular é a siste– mãtica do conto •rac'if''r 1 11"Ql que se ti:ansmile oralment e. Hã uma importância 1.-ap,lal nesse processo de sin1plif!-ca– cão, possibilitando controotoa e a fácil anotação bibliogrãU– ca. Naturalmente há uma por– ção de classílicações nllls não a possuimos em português, dep<,is que o "Folk-tale" se tornou ex1>ressão de pri!Tieita grande7.a nos -paises que vn,lo– rizaram êssé estud o até o ní– vel de umR ciência de pes'tni– sa, nos do,nlnios da psicologia coletiva. De t.anto revirar as classdl• ca~ alheias entendi dispôr uma outra, atendendo ao::. ele– mentos "constantes" de cada classe, ruvjclidora dos contos. Nas classifica~ões -q ue conhe– Qo ainda encontro contusão e falha. e vêem com repugnA»cia de wn pas.,ado étnico e cultural que os aproxime de Alrlca e os d!.st.ancle da Europa. u p O sr. Augusto F rederico Schmidt é um homem de ação na vida p rática e um puro intelectual na vida contemplativll, Existem nêle, então. dois homens di!;lintos ? A esta pergunta já respondeu o sr. Tristão de ~thayde ao estudar ~&trela So– litária: "Não )lá dois homens nesse poeta. Há ~ois climas ou dois tempe1·amentos. O que o leva a viver fol'a de si e o que o leva a se _perder denlTo de si. Há o homem do quotidiano e há o 'P()eta". Aliás, num dos seus primeir os poemas, Intitula– do Atmá, enconti:amos uma espécie de confissão d esse d uws – mo que inru~ .riqueza de temperamento: "As vezes eu sinto ,a minha alma Bem viva - Outras vezes. porém , ando erradJo, P erdido na -tu·uma - atraido J)Or lôdas a.a di.stAJlcias. ~ Conthl-4a 1111 2.• ptgme E A - DE - MAN UEL B ANDEIRA Trata-se de classificação das espécJes do conto popul:ir e não tnna slstemãtica dos ele– mentos que o compõem, ro,no o t ez o professor Stiib Thomp– sôn ou dos "motivos" gera.ia cm-actf'.rlst1cos, glória do pto– fa,,r;or Antti Aame. Ne,,sa classlfi-ca._ção dividi os ~ ntos componentes dos livros ultimamente eclitados. M,eJbo– res ContO!I Pop11la1'es de Por– ta-tal, Oontos Tradleionais de Bnsll, Peq~ena htol<1cla de Conto Popular 'Bnsilelro, <ca – pítulo Vll! da Lltuafura Oral, na "História da Litera 1 nra Brnsileir~", dirigida pelo sr. Álvaro Lins). F allou-me citar II p1-opósito, tanto num como no ou tf.o en– gaio, um antropologiS'la e hu– m anista inglês que em traba– lho p ublicado em 1008 jâ se ocuJ>«Va lucidatnenie do as- , sunto. Retiro-me a Havelock E llis que se antecipando a Le– g en.dre e a Kohn, já observava n o seu "The Soul of Spain fLondreit, 1908) : "Just as RU6'Si.a and he- p eople are the connectl11g link between R us– zla and Asia, so S~in is tbe connecting link betw~ Euro– pe and the African C01,ünent i t ,vas once attached to and still so ne.irly adjoins" (p ãtf– J>a 29). ~ ~ D ivulgando.a desejo ap enas facilitar a divisão racional e p r&ica do conto popular, o eontõ de Fadas, a '"história" de Trancoso. de .,aborosa e perpétua vitalidade. Nas onz& secções caberão as vilrlas mo– dalidades do nosso ~nto tra– dicional. <Exclusivo para a FOLHA DO NORTE no P ará) 1 QU.ando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada). • Chovia Chovia uma triste chuva de resignação Como contraste e consôlo ao calor tempestuoso da noite Então me levantei. Bebi o café que eu mesmo preparei, • Cone.o. de .Ene&11.tam.~t• : - C'orrel;pondem aos contos de Fadas, histórias da Ca-roohl– nha, Tales of 'Magic. Tales ot Snpematural, Cuentoa. Conf.i. Raconti, Fairy Play Marchen, S ktu:kl, M i-SOl!O dos ne-gros de An4ola. Caracteriza-os os ele-– mentoe sobrenatunl, mtra1.-u– loso, mirltico. Dh-se no Norte do Br asil "histórias de Tran– coso" . embora não haja o r>ta– ra-vilhoso na "História de Pro– veito e Exempl<>". de Gonçalo Fernandes Trancoso. - see. XVL Haveloclt Elli6 aeentúa o fato do chamado homem ibero - ser quase sempre moreno. "Na m~" - salienta Ellis - "o espanhol é um tanto m ais escuro na côi- da péle ~ ue o italian o e ai.nd.a gue o eàbelo loure e OI olhos claros ae.jam comum em muj(..•u,, si– n ão em tõdM ae parle da Es– p anha. J)ll:rece não haver re– gião do pai8 em que, deitN> Depois me deitei novamente, acendi um cjgarro e fiquei pensando .. . Humildemente pensando na vida e nas mulheres, que amej Coatos d.e ex emplo : - C:on. tos morais, Exemplo, Ex:empU, "E n :a: em p 1 o, F i.residestoria, Storie, Ongina1-y Fo.lk-Tales, Novela, no tent ido geral. Hà M!Dl'f)re a lnt-..-11ção dout1i11 ft– ria. Conseja. Couselha. <.;asoa eclifloanles, Exemplo dos ser- ... Concl'ru! 1IIJI li.• r,àf. Silvia ru Ollcllar a l'fde com uma leve p,ressiio do _pé tão lmpercepüveJ movimen to como se teme.se que pudesse pertur– bar seus pensamentos. Os cabelos lhe e!!«:Or riam pelos oml)r03 n um gostoso desalinho, o corpo dourado e perfeito se at nnda nu maU1a1 da rtde com o peixe goroo, os olhos estão no céu, toda ela pede amor - tem dezoit o 1mos. SeWI penllamfl'nto. não são claros - também t6m dezoi to anos. Carlos é baixo, quase louro, Abelardo é alto, moreno, com os lábios muito groesos e dois ou trê$ fios brancos - el a viu! - se escondem no cabelo cortado mu.ito rente. (lnclina– ae pelos homens mais velhos. Desci'e menina que é assim - g ostava de ser acarinbada pelos amigos mais velhos d o _pai, a chava e& rapaus muito enjoCld0$, m ui to tol os, presumidos, n em olhavam para ela, como lle f osse ~ reba ixamento olhaT p ara u•a menina, rnesmo bonita, porque ela sabia q ue era bo– n ita -se era !) Mas Carlos tinlla óculos, Por que é (IUe os óculos emprestam mais idade a llDl homem do que mil ca– belos branc()S '? Não podia gostar das armações de tartaruga. Pesavam multo no rosto duma pessôa e mesmo não estavam na moda. Por que é que Carlos não trocava a sua por uma arm.acão modem.a, dessas sem aro, que não escondem a.s so– b rancelhas, que não põem sombras n o r osto e dão um ar J..i111po e alinhado de professor UJlive~târio americano? óculos, estava visto, eram como as u.nbas pintadas, tinham de a companhar a- moda. boje vermelhas, amanhã :r6seas, depois brancas, mais farde r oxas, verdes ou iuues fatalmente prá– teadas am dia. E Carlos não compreendia isto, mas com– p reendia o que era paradoxal, tudo que era modttno e o_por. tnno. sabia clistingu:ir perfeitamente o verdn<leiro do falso, sabia o que era bom ou máu gõsto, não se iludia, DUflCB I com as aparências. Se ditia de uma coisa - "não presta", não J)l'elltava mesmo. N o entan to, 011- óculos de tar\.aruga conU- 11uavam. . . Os óculos e a voz i.ncorrigivel. Bem, como pO• deria comparar a voz aos pinotes de Carlos com a voz ondu– Í<\nte, escorregaclia, de Al:lelardo, aquela voz qne só tinha sons ~os e llll.roOS como se todas as suas frases f()ssem uma d.e- ação de omor ? "Silvia, Silv.la ••• " A música era mo.te , ' Conto de MARQUES RE.BÊLO E xclusiYo para a FOLHA DO NORTE n o EsJado d o P ará pegaJ0$8, na meia l uz do ca.ssino e a voz maoi.a e s.urda escor– regava-lhe pelos o~dos, vlnba cair quente no coração, !azja~a trêmula, emocionad a, e os passos por um maravilhoso encanto estavam sempre certos no comp asso, enquanto a garota can– tava: .. Meu coração brinca com o teu", caindo triste sôbre o microfone, como se caisse numa boca perdida,. Mas também ficara trêmul a, sim, ficara trêmula, emocionada, na tarde do jardim em que se J!ncontrara, por ac.aso, com Carlos. O sol era uma l esta, o mar nunca foi fão a%ul. Iam devagar. O saibro estalava aoo seus pés. "Silvia, Silvia, você sabe..." - e êle tinha os olhos no ehão, o passo Jncerto. sim, ela sabia, e a voz aos pinotes, CQm u•a· máquina emperrada que L-entasse se mover diria-lhe gue ... nã,o I não l he d.era a mão como êle Carl os não in&imu. Os pa.rdats estavam doidoe no gramado. pedira. Era preeiso que êl.e sofreSIS'e -antes um pc;>uquínho.•• Os minutos voavam. wva.mos, e,sto-q na hora". E subiram a esc.adaria da igrejinha da Glórla para o casamento da a.miga. "Que tolice l . .. " 1.ombou a v~ aos pinotes. "He.r(!je !" ("Mesmo não estou apatatado para ~e granfinismo todo". (Estava com uma roupa cruenta clara, 06 sapatos b rancos, !M!m ahapéu como anoo.va sempre). "E entii.o ?" êle pnl'ou n o adro, puxou um cigarro: ''Quer que espere?" disse. "~ii.1> !" e queria dher sim , E as velas a~s, e o cbeiro p erturb a – dor da c!ra, da,, flôres, do lnoenao, e o canto n ul)dal. os vio– linos, o ó1·gão, rolando como mÚSica do céu, e a voz feminina • • {Conlinúa na 3.ª página) • -- rolan dt., pelas paredes de pedr~ NJl:llo um chamado absurd-0 e aquela v ontade de ser ela a doiva e ajoel har-se aos pés do p adre vermelh o. com um véu qu e seria tão comprido que quando ela estivesse no al tnr a cauda ainda estaria, branca e rendada na _porta da igre ja I O coração pesa. Por que disse-, ra wnão" ? Alguem deveria dizer: "Silvia, decide-te. a vlda é um mom~to". Mas ninguem lhe diz nada e -ela afinal não sabe mesmo o que é melhor: se uma sessão de cinana com Carlos - "Nunca v1 fita mais besta" - "Adoravel ,.. - se um banho de mar com Abelardo, os bichinhos da areia pi– uicando-U1e o corpo nas barracas d o post o dois e os olhos dêle comendo o seu corpo .suado. E o mais complicado é que Mis– ter Loogan tem automóvel, Lulz Antonio e Non6 Sllveh.i são tão s lmpãticos, tão camat,arlas, tão a seu gosto, e João l!~sta as gravatas mais lindas dêi;te mundo, e dansa divinamente 1 De repente a mãe grlta de den t:ro: -SDvia ! Almoço 1 Cort.ou-se o no de t udo: -Já vou. . - Vem logo (a mã.e está irritada). Você não sabe que estamos sem empregada ? 1 Levanta-se e wn magi-o sol joga no ladrilho a sQmbra deformada de seu eotpo queimado. Mas antes de entrar dá uma espiada lá para baixo, para a rua, como um viu.io ino– cente a que não _pode tugir. Um homem, outro b.omem, duas crianças, um gasogênio falhando; dá um suspiro: -Maluca que eu sou. Em vão as azaléas sullerlnas do vaso teimavam na varan– da do apartaml!!llto sõbre a praia. As outras varandas, todas as outras varandas, estavam silenciosas e sem Ilôres como tú– m ulos abandonados. Ninguem percebia que era o primeiro dja da Primavera. Uma nevoa espei;ga, leitosa, escondia as montanhae, o mar, as ilhas, atrapnlha-va os aVJões. e 06 jorn:iis da tarde noticfarrun lacôonicameote a morte de dois avladore9 civis que n ão encontraram. o campo de treillamento ao lentar dc-Jcer num vôo cego.
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