Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1946

t ." Página l'OLHA DO NORTE Sábado, 7 de setembro de 1946 W- Conclusão da Lª p&,;. NOTAS DE UM DIARIO DE CRITICA (Conclusão de. l." páqina> CCLXVl - Na atividade politloa, na distinção que se faz entre "apóstolos" e "téc– nicos". o lugar dos escritores i o do lado dos "apóstolos". :ties percebem antes dos ou– tros os sinais de uma nova época e são em geral os seus anunciadores; abrem os ca– minhos pela pregação e deba– tes do.s idéias revolucionárias que os colocam tantas vezes em antagonismo com os seus contemporâneos; vigiam e lu– tam para que a fisionomia idealista dos problemas não seja de todo desfigurada pelo realismo grosseiro dos ho– me_ns prAticos. t:les criam as idéias e os sistemas que os "técnico;;" transformam em reàlidade. A não ser em casos excepcionais de fusão as duas missões da vida politíca. a dos problemas que vai assistir a wna festa. Entra ao salão e sente que a música o empolg.i, que as mulheres são belas, es– tranhas ou mísleriosas, que hã figuras de uma tislonomia es– pecial. que bá outras figuras ridículas que divertem ou en– tristecem. A noite vai passan– do e o ambiente dominou o conviva : esqueceu a sua vida para viver, durante várias ho– ras, a vida daqu~le salão de festas, que não é a sua, mas na qual se integrou momenta– neamente. Suportbamos, ao contrário, que êle permanece ali como simples espectador, que continúa a pensar e a se inquietar com as suas lem– branças e idéias. Então é que a festa era desintel'essante, não pudera empolgar os seus participantes. Com o romanCi! acontece a mesma coisa. O ro– mance é o salão de festas, uma vida à parte, na qual entra– mos de passagem algumas ve– zes, durante algumas horas. Se a ficção consegue do leitor que esqueça os seus proble– mas para viver os problemas do romance - então está rea– lizado. Se, ao contrário, o le[– tor per1nanece com a sua pl'Ó· pria personalidade - então está falhado. Creio mesmo que éste é o processo menos abu– sivo para constatar a existên– cia de um romance. Antolog ià De Definições De Poesic · "apóstolos" e a dos "técnicos" sãG be,:n distintas. A do escri– tor em geral não é fazer, mas i1W1.ginar. CCLXVII - O que adianta– rá dizer e escrever numa épo– ca ern que só se pretende aclr1 , Não estaremos, por acaso. assistíndo à vitória irremedia– vel do instinto sôbre a razão, do delirio de viver sôbre o pensamento ? Que itnporta o que estamos dizendo e o que estamos escrevendo quando tóra de nós e das nossas in– fluências está se decidindo o destino • dos sêres humanos sõbre a terra? PÓr que então não parar, não o.ruzar os bra– ços. não 1·enunciar a tudo, até que o equilíbrio se restabele– ça ou que tôdas as coisas se subvertam ? Ou por que não de:.esperar, total.nwlnte. p o r que não fugir pela morte, por que. como Kirilof:t. não se afirmar na suprema liberda– de pelo suicídio? Só uma con– vicção, ou uma ilusão, póde deter a vertigem de tantas in– dagações: a de que uma in• teligência em equillbrio e un1 sentimento reto e justo, mes– mo destlluidos de qualquer fôt·ça material. poden1 exercPt influência nas regiões mais distantes. pelas misteriosas correntes de comunicação que ligam os sêres n1ais afastados ou desconhecidos. CCLXVIll - Não d i g a s nunca a um crítico qu~ lhe fal ta o sentimento da pieda– de. É a piedade que n1ata o aniôr, e nenhum crítico supor– taria os sacrilicios do seu lra– balllo se não estivesse anima– do de um absoluto a1nôr à literatura. CCLXX - A ordem burgue– sa. que já teve as suas virtu– des. vive hoje quase que eic– clusivainente em função do dinheiro. E é a própria perso– nalidade humana que se vai rebaixando diante dos hábitos e deveres que o dinheiro esta– belece como uma nova tirania . A existência fica subordinada a uma espécie de automatis- Poesia, em seu sentido absolulo, é a expressão concreta e artisllca do espírito b u m a n o em linguagem emocional e rítmica. Theodore Watts-Dunton *** Poesia é a linguagem rítmica, imagina- tiva, que exprime a invenção, o gôsto, o pensamento, a paixão e a inlímldàde da aln1a humana. E. e. Stedman *** Poesia . . : arte ele representar, expe- riências humanas, no que elas têm de duradouro e universal, por meio de linguagem métrica, usualmente com relação principal às emoções e pelos recursos da imaginação. Raymond l\l aedonald Alden *** O mundo num homem, tal é o poéta . moderno. M.iic Jacob *** A poesia está para o saber• humani- dade como o amôr para as outras paixões. Gustavo Adolfo Becquer *** A poesia é coisa humana. Nasce no ho- mem em seu eu mais profundo. nasce onde se originam tôdas as suas faculdades. Raissa Ma.ritaio *** O canto, a poesia procuram liberar urna experiência, um conhecimento subs– tancial. Raissa Marí taln *** Um poema é aquela espécie de compo- sição que se opõe às obras de ciên– cia por visar como objeto in1edialo o prazer e não a verdade. Colerldge *** A pOesia é a identidade de todos os outros conhecimentos, a flõr e o perfume de todo o humano conhe– cimento, humanas idéias. humanas paixões, emoções, linguagem. mo n-0 qual não penetra a vi– bração vitai de idéias e prin– clpios morais. O sentimento A do amôr torna-se simples con– cuspicência: a fraternidade passa a ser uma uniiio formal Coleridge *** poesia enuncia as relações existentes entre os primeiros princípios e a:s verdades secundárias da vida A poesia descobre as leis que fazem viver a política teórica, a paz uni– versal de gentes de uma mesma clas- se. unida na base de inter~ses econômicos; a caridade trans– forma-se numa ostentação de publicidade: os gestos e os atos se desenvolvem numa at– mosfera de convencionalisnlo: os Crágeis sentirnentos se for– mam mais no exterior do que no interior dos espíritos. lnu– lilrnente o espírito de aventu- ra e de poesia procura possi– bilidades para uma evasão 9u para uma renovação. !nu• il– mente. A sociedade do dinhei– ro é uma prisão sombria e in– vencível Os que nela encon– tran1 em busca da vida 5ão os que já perde1·am a vida para Lautréamoo t *** A poesia te1n algo de divino em si, por– que levanta a menle e impele<a ao .subli1ne conformando as aparênci as das coisas com os desejos da alma, em lugar de sujeitar a alma às coi– sas externas. com<> fazem a razão e a história. Bacon ***· A poesia é a linguagem que tem por ambição "mostrar" : o esfôrço ao ritmo tendo ao milagre verbal e por isso é a poesia, afinal , un1a mís– tica. gundo a g1·ande definição de Boc– cacio, poesia ~ teologia Jacques Marltaio *** pal1vras a idéia que se teve de al guma coisa. Paul Claudel *** O conhecimento poético é um conheci- A poesia confina com o prazer. porque mento "por conaturalidade afettva" de til)o operativo ou que tende a se exprinür numa obra. Jacques Mar1taio *** A poesia é conhecimento, incon1para- velmenle: conhecimento-experiên– cia e conhecimento-emoção, conhe– cimento existencial, conhecimento germen de uma o,l:>ra (e que não tem consciência de sí e não é feito "para" conhecer). Jacques Ma.ri.talo *** A poesia póde aparecer tanto em prosa como em verso. A ·essência é o mito, a ficção, ou a poesia - as três coisas vêm a ser a mesma. , F. e. P rescott *** N1t poesia a finalidade é o encantamen- to; na prosa. a clareza. Loog-ino *** Tóda poesia comporta uma parle de en- cantação inexplicável pela razão; seA1 essa encantação, sem ésse fei– Licq, póde haver versos, rimados ou não. nunca porém poesia. André Gide *** P oesia . .. essa magia, que consiste em ela desprende das coisas a pura es-– sência delas, essência que é de cria– turas de Deus e de testen1unho a Deus. Prlul Claudel *** Poesia é a fôrça que atua de uma ma,. neira di vina e inapreendida, alén1 e acima da consciência. Schiller *** A poesia despe, em têda a fôrça do lêrmo. Mostra núas, a uma luz que sacode o torpor, as coisas surpreen• dentes que nos cercam e que os nossos sentidos registam maquu1.il mente Cocte11.u *** A poesia predispõe ao sobrenatural A atmosfera hipe!'sens1vel de que noi. envolve e aguça os nossos se11Udoa secretos, e as nossas antenas n,m·• gulham em prolundezas que os nos– sos oficiais ignoram. Coete&u *** e.. poesia é um vasto "calembouc·· . O despertar sensações por meio de unia combinação de sons... êsse sortilégio graças ao qual nos são necessariamente comunicadas idéias A cfe uma maneira certa, por palavras que no entanto não as exprhnem. poéta associa, dissocia, revira as s i– labas do ' mundo. Poucas pessoas têrn agilidade bastante para saltar de um pla110 a outro e seguir a manobra fulminante das relações. Coete•u *** • • poesia e a o6ra da catacrese ua re~ petição. Jean Royerc *** Banville *** Poesia é a tentativa de representar ou de restituir por .meio da linguagem articulada aquel11s coisas ou aquela coisa que os gestos, as lá~riinas, as carícias. os beijos, os suspiros prv• cu.ram obscuramente exprimir. Pau l Valéry *** Poesia é a linguagem que nos diz. em virtude de un,a reação mais ou me– nos emocional. alguma coisa que não póde ser dila. Ed,vio Arlingtoo Robinson *** Poesia é a expressão imaginativa de forte sentimenlo. usualn1ente rítmi- co . . o espontâneo transbordar d~ poderosos senliment-os recortados em tranquilidade Wordsworib *** A poesia é a lembrança construindo não o seu vigôr inicial. mas um vigõr qualquer. O qu~ sempre admira na poesia é a lembrança da felicl– dade que encontramos nela, mesmo quando não tivemos ocasião de vi– ver essa felicidade. W.illatt Fowlle *** Se ao lêr um livro sinto um frio que., nenhum tógo poderia fazer passar, sei que isso é poesia. Se slnto tlsi– camente como se me arrancassem o topo da cabeça, sei que isso é poe- sia. Emily Di.ckio son *** Poesia . . uma criLlca da vida e,n c,-.i dições úxadas para tal crítico p 0 lus leis• da verdade e beleza poélicJs M11.tthew Arnold *** POéSia é a expressão de um a11ailCtlnado amôr da verdade, da beleza e tia. fôrça, corporificando e ilustrando as suas concepçi)es, pela trnagina– ção e pela fantasia. e modulando a sua linguae:em se(!undo o principio da variedade na uni.tormidade Leigh Runt *** à poesia da mais alta qualidade nascG da natu·reza essencial das coisas, a ná<> da sua aparência. Mos a poe– sia é também o mundo vis[vel. com as suas Imagens de maravilha. Edlth S.itwell *** • • CCLXIX - Suponhamos ai- sempre. guém, um homem, com a sua J~an Royere *** A poesia é um sentimento profundo das A poesia é o mél de tôdas as flõres. a quintessência de tôdas as ciências. a medula da arte e verdadl'ira fala dos anjos. Os versos não são, como muita gente e c r e d i ta. sentimentos Ctêmo-109 sempre muilo cedo>, !Ião experl~n- vidll própria, os seus negócios, P a ra remessa de livr os: Rua as suas preocupaç6es. os seus Duvivier, 18, ap. 502. ~~-..,~~1._.,._...~,.....1~--•- t- l._(t..-.u~..., ! LEO~ BLUM E O MATRIMONIO 1 ~ Coru:Jusao d• 1.• pàg1ne que se manifesta com o tempo, poderá vigorá-lo. , Apesar disso o trabalho Im– pressiona pela sim:eridade.com que fala, com a despretensão com q u e argui, colocando sen1pre o leitor à vontade. Pa– rece-me, entretanto, que em alguns pontos Leon Bium exa– m inou o problen1a com u1na certa rudeza. querendo de ca– sos especiais firmar a regra geral Os casall'll'ntos falhados existem em qualquer socieda– de, mas os desvios existentes deven1 ler sua origem variada e não co1n aquêle exclusivis– mo com que é encarado por Leon Blum. Admitir que os casamentos falhados são a re– gra geral. pelo fato de homem e muiber nunca se ajustarem bem seria tirar a conclusão também de que o princípio contrário - os solteu·õ11s e as solteirona... - seriam os mais fel lzes na sociedade. Por prin– cípio não o são: e se hon1ens e mulheres se sentissem (clizes no estado de solteiro não bus– cti riom jamais o rualrimõnio O ea~:.imento é a marcha na– "1ral.. e um .solteirão, prlnci• • 1~ 0-~~ palmente em nossa soci~dade. é apontado como avls rara, e as mulherei, que permanecem solteiras, sem o companheiro necessário, assim vivem por fôrça das circunstâncias, por falta do homem que não as procura. :É certo que em am– bos os sexos há casos de ex– ceção. de homens indiferentes, sonhadores, tímidos, neglígen– tes. e de mulheres capríchosai: ou frias, aos quais o casamen– to é coisa secundária Mas não se trata de tais casos. Leon Bium estuda em sl os casos nonnais, a busca natural do homem à mulher e reciproca– mente. Para o sociaii;;ta francês llá uma idade que é a "idade 1na– t.rin1onial ", em que homem e mulher estão prontos para as– sumir os encargos do casa– mento, a fundação de um lar honesto. a lula final pelo bem comum. ~'[as, qual é a Jdade matrimonial ? Q u a n tos ho– mens, em plena juventude, que seriam capazes de dar óli– mos maridos, e que depois, a custa de viver e olhar, só vêem decepção? Quantas mu– lheres assim também que em p leno v 1 g o r da mocidade, real idades irreais. um taclo do ideal, uma revelação de Deus. Thomas Nashe *** cias. Ra intr ~faria Rllke *** .Jean Royêre *** O espírito da poesia : o espírito religio- Poesia é a expressão das experiên<'i11s A poesia é o Cruto de um contacto do espirito com a realidade e1n sí m~– ma in~fável e com a sua fonte, que acl'editan,os ser Deus mesmo no movimento de an\Õr que o leva a criar imagens de sua beleza. so t6ra de tôda religião precisa, - sem dúvida o que Paul Claudel pin– tou perfeitamente ao nos dizer que Rimbaud foi um místico em esta– do selvagem. mentais e emocionais dos hotnen. na 1naneira mais direta e me vel. *** Edith Sitwell A verdadeira função de tôda verda41e l • Ralssa Ma rita ln *** A poesia é o efeito de uma certa neces- ra poesia é a expressão de um, verdade pessoal. humana Otto-Marla C'arpeaU 'iC *** Po~sia é ontologia. de cet'lo, e até, se- sidade de fazer, de realizar com as prontas para o amôr e para o lar, e que sotnente tarde são alcançadas pelo homen1 ? A idade .matrin1onial lem de va– riar. como varia o próprio co– ração do honlem e seus sen– timentos Mulheres casadas aos dezesseis anos tornam-se exemplos de virtude. Outras. matrimoniadas ta rdiamente. ~ão fracassadas. Na minha banca de advogado, na pre– sença do falo em si. muitas vezes tenho presenciado coi– sas inexplicáveis, que a mais ardente imç1ginação não po– deria j usl üicar, n e m con1- preender. Quem poderia ex• plicar .que uma mulher. casando por amôr, fundando seu lar, com nove filhos, de um rnomenlo para oulro se transforme numa adúllerl vul– gar ? O falo é verdadeiro e a todo o motnento encontramo– nos diant~ de casos c1u.e des– tróem de maneira · absoluta a teoria de Leon Blum. O as– sunlo é muito complexo e a 1nelhor lição é não dar lição nenhuma. Cada um compre o seu bilhete e arrisque, não im– portando a idade dos nubentes. Multo mais sério. e penso que servirá de melhor solução ao problema. será a educação do hon,em e da mulher. Na edu– cação está tudo. Os sentidos violentos se dominam pela edi.lcação, embora não sempre. n,as quai:e sempre. Um moço póde ter bons principios e mantê-los, enquanto que um velho póde ser um debochado e um clnico. Como resolver, então, o assunto pela idade. ou pelo uso continuado dos sen– tidos? Sim, para Leon Blum, homem e mulher devem des– gastar-se bastante. na juven– tude, e depois de havê-la gozado plenan1ente então pro– curar o 1)1alrimônio como o ú.lLimo refúgio. Isso tudo oo- deria estar ce1'lo se não levás– semos em consideração a na– tureza da mulher. Em sua adolescência, delicada e trãgil, com o sentimento do pudor tão vivo, estaria muito mais preparada para respeitar-se e ao espôso, do que mais tarde, sacudida por mil pai.xões e muitas vezes arrastada aos exagê.ros dos sentidos. Leon Bium se esquece de que a cor– rução acompanha o homem e a mulher. e son,enle muita fôrça de vontade, n1uita edu– cação, muito conLróle dos pais em relação à mulher, pode– riam excluí-la e livrá-la de cair em despudoramento. Ape– sar dos casamentos infelizes de casais milito jovens, apesar disso. êles desCrutariam mui– to mais alegria, muito n1ais amôr nessa fase da vida. Há homens gue aos vinte ano• têm a circunspecção somenle alcançada por outros aos cin- quenta. o mesmo acontecendo com as mulheres As conclu– sões mi rificas do grande so• cialista servem apenas para ajustar seus princípios aos n1oldes do marxismo materia~ lh,ta. mas não chegam àquela plenitude que o mundo espi• ritual deseja. Repiso que o li· vro é magnüico. que há ob• servaçóes profundas, que noa levam a constante mediloçio. l\,1as deve ser lido com cau, tela, com espírito crillco per• manente, reagindo s e 1n p r e contra o fasc[nio da penetran• te argumentação do autor, ar– gumentação absorvente e per– turbadora. É u1n livro úlil aM ho1nens, n1as infiel às mulhe– res. por suas promessas ilusó• rias. dcsn1enlidas pelos nossos dramas diários. Mal andamos sem as idéias de Leon Blu1n. mas pior a.ndariamos se í&se– mos ao encolço delas, princi • paimente as mulhei:es.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0