Folha do Norte: Suplemento, Arte, Literatura - 1946
2.ª Página . CONTO REGINA P.ESCE A moca levantou a vista do ivro. e Lançou o Óthar para fóra. o céu estava de um azU.l &ranspa~·ente, com umas poucas -nuvens para as bandas do sul, como flocos de espuma sôbre água límpida. A tarde ia· findando. ,.ias o !,OI se recolhera a'ntecipadamen– te. deixando apenas tima man• eha amarelada sôbre o lençol de anil . como prova de sua pas– sage1n. As folhas, sacudidas delicada– men le por um ventinho a1neno. pareciam balouçar-se nos ga– lhos numa brincadeira ociosa. E, quebrando êsse silêncio, ape• nas a nota solta de um pardal boêmio, ou a denúncia atrevida de um i--•-,tevi gaiato, Sentada perto da janela, a moça olhava o jardim sem ver• aquele cheiro iort,e de pólvora. A confusão era tren1enda, e toda atenção estava voltada para o ini– migo, escondido atrás daque!:, elevação. A orde1n de avança, chegara hã poucos. minutos. E a tropa correu decidida, esqueci– da do perigo na ânsia de ven– cer. Estavá acesa a sensação do jogo ! U1n jogo perigoso. e,n que se disputava .a ,própria vida . .. Muitos tombaram no primei– ro arranco. "M:as ninguém se de– tinha, nem mesmo para olhal os companheiros abatidos. Urgia prosseguir sem vacilações. sem olhar para trás. O coração, na– quele momento. ·,ra apenas um alvo. 3.M" Conclúe na· 3,á pãg. ,; FOLHA DO NORTE . . f ' ..-.<.,....,.-.1,_,_,,__,...,.,,_,,__ ,_,~~-o~..--,., .PAGINAS ESQUECIDAS Í 1 . • , Gilko Moc-hodo 1 1 --' -·-- ._- -----·- - .. •' SONETO _ Amei o Amôr, ansiei o Amôr. sonhei-o • uma vez, outra vez (sonhos insanos) !. .• e desespêro haJa maior não creio que o da esoerança dos primeiros anos. Guarcto nas n1àos, nos lábios guardo em meio do tneu silêncio, aquem de olhos 1>rofanos, ,caricias virgens. para quem não veio e não virá saber dos 1neus arcanos. 'Desilusão momento de· · ansia trist1ssima, de cada infáusta e inmerecida sort o Amôr . e nunca ser a1nad Meu beijo intenso e meu abraço forte, ;om que pesar penetrareis o Nada, 1 levando tanta vlda para a l\'Lorte . .. .. • i ' ' i L----------,~,~- ~~,__~~ Domingo, 11 de .âgósto de 1946 ~r ConcJusáo .da J.• página ~~~~~----=---,~ 1 Tragédia Ou Farsa? i ~-:=:::-==-~.;:: ---- - - -------- estilo elevado e como que arquitetura l. o tança1nento dos proble– mas sub espécie aeternitatia - tudo com a finalidade de criar aqnel;l at1nosféra sent imental que Aristotele;, suge,·e numa definição en, Poética ao afirmar qtie a tragédia opera pela piedade ·e pelo terror a purgação das paixões da mesma natureza" . Na or- d e n1 destei: conceitos. Album de família é um eqúivoco conló tra– gédia. nad<' contérn de 1.ràgétl.i~ ~·enr 0 ~~n t :=> a :inti•traa:édi3 oor ex- celência · ·· • Já se disse que o ·assunto Uct 1..rage ai.u aeve :::.t::t extraorcHnârio. parecendo verossímil; o sr. Nelson Rodrigues ao contrãrio. apre– senta um assunto ordinário. mas destituído de verossimilhança. Com uma despreocupada e até esportiva audácia. que não deixa de ser sin1pática. êle aproveitou como te1na para .Album de família a n,esn,~ situaç_ão trág(ca em. que está baseada uma _das obras-pr :,nas d? teatro gre~o: Ed1po-Re1 de Sofqcles. Na peça clássica. pon'm, ha alguma (:01sa que transcencte o terna do .an,ôr incestuoso , a figurn do ho1ne1n acorrentado i;,elo Destino a tuna irrepará,·<>! , ·es– graça: na do autor brasi!eivo, o incesto tem uma apresentaç[> o " 1)– jetiv? e sünpl_ória como s~ fôsse uma nobnalidade .. e_ as cri :n, · ,,a que dele participam tudo sabe1n e tudo conhecem dos seus in, · .ul– s.os. Qual a situação trãgica de um amôr incestU<)SO quando '-';•lo– cado em têrmos de obra de arte teatral ? Para que se tenha e 'n– timento da tragédia, nu,n caso destes, 5':rá preciso que ha· ~ ·\m s6 caso de incesto em cena. para que êle to1ne por conseqa, ·ncia o feitio de uma realidade singular. anorn,al. extraord\ná\'; ~ e possa inspirar intens11mente uma sensação de horror: e será neces– sário_ que se caracterize a ação de uma fôrça e:xtra-h1,11nana rr.or – cando dois sêres para a aberração do amõr llegitimo, sem que ele9 • • lhe os atavios àlegres formados pela variada policromia das flô• res. O livro esquecido sôbre o regaço, seu pensamento vagav11 di~tante, muito distante. .. Peregrino Junior Na Academia o perceba1n a não ser no finol. e isto para que possa desp... c.,.a-(· uma sensação de piedade. Em Album de família. -porém. não há tun terrtvel caso de inçesto, mas diversos e banalissimos limores in• cestuosos. e-orno se em vez de tragédia. o autor houvesstj' desejado escrever uma farsa. Tudo aqui é incesto, direta ou indiretamente, e em todos os personagens: Jonas a.1na a filha Glória e Glória ama o pai Jonas. D. Senhorinha an1a os filhos G-uilhern1e. Edmundo e Npnô. E:dn1undo e Nonô an1am a mãe D . Senhorinha. Guilhertne ama a irmã Gl6ria. Não havendÓ excepcionalidade no incesto. o incesto fica uma coisa nonnal e comum - e onde está. então. a t,:agédia? Nem sequer pôde inspirar qualquer sentimento ponde– ravel uma situação que se vulgarizou na iibundància nurqé rica. • Aqueles personagens, por outro -lacto·. estão todos ·mais ou menos conscientes das suas tendências. e cultivam ps seus amores co1uo se ctútivasse-m vícios agraciáveis, n1esmo quando um dêles sé mutila bestamente. e de tal modo que não parecem criaturas humanas, mas pobres diabos que chafurãam en1 perversões s irnplesri,enle hu~ militantes. E como poderiam· inspirar •assitn a nobre piedade que é •\ • ·uma c_ondição da t ragédia? Se o sr. Nelson· Rodrigues. pot·ém, de– seiou mostrar con1plexos existentes, possivelmente. em todos os sêres. o seu êrro continua nos n1esmos lêrmos : consciên"Cia claríssi– ma em cada personagem de con, plex.os inconscientes e obscuros. Se êle pretendeu revelar, por outro lado, sentimentos primitivos e bár– baros, o seu propósito ficou também inatingido, porque a expressãó que _lhes deu aqui foi murcha e pifia até o achata1nentó. Em íacei ' }lá quanto ·tempo ête se fôra? Mais uns poucos dias. e o âno estaria completo. U1n /ino... Uma etecnidade 1 As vezes tinha a iJll!pressão de_ qu,;- não o , ·c:-ia 1nais. A guerra é cruel: mata tanta gen– te . . . Na sua pouca idade, r,,raria não tinha experiência para com– preender a guerra, nem fôrças pa r;, àmaldiçoa-la. Tinha sirn– plesn1ente mêdo. O homem se exalta e sofre menos, porque no meio da luta, ou é tim covarde - e então não vive, ou é um herói - e então não sente. Com a mulher é dl- . fet:ente . Enquanto não vê a Pá– úia ameaçada de perto, não q u<>·· acreditar no }>eor. porque a esperança e a ilusão também Ião femininas. E não quer en– tregar o filho, não quer ver par– tir o noivo, não quer compreen– der a ausência do pai. . . Sofre duplamente, porque tem tempo para pensar. , tr,n suspiro curtinho estreme– ceu-lhe o busto de leve. O que nãe íizera para retê-lo, para t11·ar-lhe da cabeça essa Idéia louca ! Qual ! A longa au– sência de seu berço natal não fôra suficiente para apagàr a chama d.o patriotismo que her– da.ra de seus avó.s. O sangue in flamou-se em suas vetas. o mes– tt\G sangue que Jãqçou César ~ conquista das Gálías. o mesmo que iez de Garibaldi o guerrei– ro de dois conUnentes l E a voz que lhe exigia o bra– ço p:.ira lutar fôi mais forfe do que a súplica que lhe pedia o coracão para amar ... E êle partiu. Partiu deixando seu amôr e levando sua fé . E ela ficou. Ficou, mandando-lhe uma grande esperança e guardando uma enorme saudade. O noivádo co1·ria tãô feliz, tão sem sobressaltos, sem cuidados oútros qu.e nâo ~s da próxima união! Passava na quietude sua– ve de uma tarde de eterna Pri– mavera - de uma tarde como essa. Havia de explodtr essa guet·ra . . . Agora,. . "Não te preocupes, cara, que eu hei de voltar. Prometo !" A moça sorriu: a certeza com que êle fazia essa promessa !. . . E po1· certo haveria de voltar: êle nunca mentira ! Depois pensava nos bombar– deios, no inferno de balas a per– seguir seres humanos - a pró– pria morte lançada pela bôca de armas satânicas, dividida em mi– lb.ares de cãpsulas, Então a e~– perança também se debatia. e a confiança nas suas palavras ev-0lava cotnC\ íumaça q(le o vento leva... Mas era preciso que êle vol- ' tasse ! Deus era grande: haveria de salvá-lo dos perigos. Sua última carta, descansan– do na caixinha junto ãs outras. trouxera-lhe a noticia que era esperansa e era susto: "Até agora aindii não me enviaram ao i'ront : deixam os voluntários para o fim. -Afinal. não sei que vim fazer aqui ... " Maria fechou os olhos e rezou baixinho uma oração. Quando os reabriü , um sorri.se tímido brin– ca ;1a etn seus Jãbios. Qualquer coisa, interiormente. lhe dera alegria . lhe segredava íelicída• de. O cri-cri de um apre.~sado cortou os cand.o sem respósta. calou. grilo mais ares e, fl– novamente O poente jã se tingia de lál– vos vermelhos, como se no céu também estivesse a espalhar– se o sangue de outra guerra. Mas Maria jã espantara a tris– teza. Maria estava sonhando... ' ... ...... .. ..... ' ................. . O ar estava irrespiravel. com do éonfusionismo de concepção do autor, aliás, não é :fácil saber- se a sua intenção lemática nesta obra. !Vlas a intenção deliberada em -arte in,porta pouco; o que é funda1nental "é . a tealização ;,irtís– tica, e esta me parece complctan1ente· 1nalograda em Album de fa~ mília. ' Quanto à técnica, comõ esta1nos distantes da ór'ig inalidade de Vestido de noiva ! Ela é. nesta falsa tragédia, tão grõsseira quan- to o ' seu conteú~. Alé1n do mais n1uito primãria e arbitrária nosi desenvolvimento~ teatrais. Para sÍ:Ístentar o elernentar jõgo cênico, o autor lança mão de truq_ues pueris e dos recursos n\.ais triviais. Cpm o fi'1' de_col ocar os irmãos em cena, Glória é expulsa do co– leg10, e no mesmo n,omentQ D . Senhorinha comunica ,ao mr,rido :i- c;hegada de outro .filho: "Edn1undo está aí. Edmundo chegóu hoje !' Depois, quando se fala de Guilherme, decla1na Jonas: ''J\olas eu s'ei o_ que_ vai acon.~ecer - . aposto ·,. quilher1ne ainda vai apare– cer aqui, vai dizer: Largue, o senpnar10 ,... Segue-se imedia ta• mente esta marcação: "(Entra Guilhenne, em tempo de ouvir asi úitin,as palavras do pai) ... E diz Guilherine: "Larguei o se1niná– rJo . .'." Co1no se vê. o truque não poderia ser mais simples mai!l co·r.r!qu.eit·o e tan1bém mais pobre como recurso cênico. As oporiu– n'fd~des Pª!:ª as !!:randes ce1;\1s._ o' sr. Nelson, Rodrigues pe,·de-as todas _por u1suf1c1enc1a de tecn1ca ou pela incapacidade llterâda de elevar o uivei dos diálogos e da expressão das paixões. Uma cena. por exem·plo, que poderia ter sido de positi v.;, grandeza V<"r– b"al e sentimental é o daquele encontro entre D. Senhorinha e He- . loisa, diante do cadáver de Edmuúdo. Heloisa fôra a .sua n1ulher, PEREGRINO JúNIOR AO LA DO- DE MANUEL BANDEIRA a q4,ern êle nunca pudera a1nar: D. Senhorinha era a mãe, a quem. êle amava. Encontram-se ai; delas~ e que . oporttini:dade para -uma cena realmente trãgica, em que se defrontassein .dois estados de espírito ! Pois bem: esta cena em Album de familia é de uma cha– teza constrangedora. Eis como se e:«primem, por e,:cemplo, as cluas n1ulheres: "t-Tão gostei, nem quandó ela_ nasceu: Uma vez, há 1nul- Por-- ocasião de seu ingresso na Academia Brasileira, Pere– grino Junior- foi saudado por Manuel Bandeira. · · O grande poéta proferiu be– Hssima oração. Na. impossibili– dade de trãnscrevermos todo o discurso, dado o pouco es– paço de que dispomos, extraí– mos, todavia, os seguintes ex– pressivos trechos: da ru'3, num largo ilu1ninado de sól. :i c:rpt:l a. E eis tudo. O res~o sãv l::.E<'OS de palh JÇas diluindo-se na anasarca dos pauis de tijuco". Inferno V"/r– de ? Qual o quê ! protestast~s. "Literatura. . . Inferno de ter– ra pôdre, de ãguas envenen-1- das, de espectros miseráveis e riam causar estranheza êsses versos. Porque saberoos.,.como em vossa atividade espiritual se conjugam harmoniosamen– te as três fôrças da imprensa, da literatura e da medicina. tos ànos , quase afogo Glória na lagoinha. Mas na. b.ora velo gente, faltou poucQ !" - dii. D. Senhorinha: e Reloisa - com· a n1arcação ..des-esperada, encaminhando-se pa'ra a porta, de fl·ente para D . Sen\"\orinha'· - assim encerra o diálogo: "Vo1.1-me embo~a. não aguento mais" ( . .. ) "Fique com seu filho - faça bom proveito". Outra cena que deverill ser magnifica numa tragédia, e ficou dis– solv.ida no mesmo e jnvariável vJílgarisn10, é a da morte de Glória, assassinada pelo irmão. E quando, já no terceiro ato, D. Senhorí– nha• confessa ao marido o seu amôr pelos filhos, exprime-se a in• criviel senhora cotn a linguagem dengosa· de uma sub-literata do Clube das Vitórias Régias: "Linda comparação - linda ! J!:le sem– pre, teve queda para escritor". "Já di$sestes, como , Raul Bopp: "A maior volta do mun– do que eu dei foi na Amazô• nia". Ambos vós ficastes mar– cados para sempre pela visão foçmidável daquêle mundo pa1ud"ial e como que ainda em gestação. O poéta cantou no grande poema-delírio da Co– bra Norato as assombrações daquelas terras do Sem-Fim:. Aqui é a l'.loresta subte-rrânea [ de hálito pôdr.e parindo · [ cobras Rios · magros obrigados a tra– ( ba}har As raízes inflamadas est ão ( mastigando lôdo Batem martelos ao fundo Soldando serrando serrando Estão fabricando terra . . . Ué! Aquí estão mesmo fabri– [ cando terra t t . t .. rises . . , • • • • • • • • • • • • • • • • • ♦ •••••• - • • ♦ Eis ai, em escorço magisttal, o quadro terrível pintado pelo colombiano José Eustasio Ri– vera nas páginas sombrias do seu romance : o homem prisio– neiro da selva, devorado por ela: a selva - sádica e alucina– tória, onde, com9 diz o autor de "La Voraginé", "os senti– dos humanos equivocam às suai- faculdades : o ôlho senle, a éspádua vê, o nariz explora, as pernas calculam e o sangue clama: Fujamos, fuja1nos !" Mas Rivera, lemperam'?nto hiperestésico, só tinha olhos para a tragédia, ao passo que os tendes também fóra da sel– va, nas cidades e nos vilóriós para a comédia e para .a farsa. 1Y.Ies1no em cont-os de assunto trágico, vémos as personãgens como que refractárias à tra- · gédia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A vossa atitude foi diferen- Não yos poupei, meu caro te. Sois mais um observador. confrade. no. comentário do um analista do que um poéta. vosso único vício - a criinica Viajaste_s na Amazônia reco- mundana. Não vos pouparei lhenclo em cadernos um "aslo tão pouco numa falta mais materíat paisagístico e huma • grave. Dissestes, em certo ca– no que mais tarde iríeis t.ra- pítulo das memórias que estais mar na urc!iciura dos vossos escrevendo : "Sem nunca ter contos. Não sei se naquêle perpe1rado versos, eu sempre tempo - ereis ainda um ado- senti em mim a vocacão da lescente - já pensáYeis na poesia". Não é verdade que medicina. Como quer .que !ôs- nunca tenhais perpetrado vet– se, a Amazônia foi para vós sos. Esauecestes que no :ooto um caso clínico. Não se sente "Caboré" déstes razão à vos– em vossas ·descrições o tiome1n sa veia poética, descrevendo deslun1brado. senão o homem em versos onomatopaicos uma atento e lúcido. A miudo vus dança de negros nos -mocam– servís de j.1nagens-diagnósti.., bos do Trombetas. Vou dizar cos: "Alí bem perto daquêles aqui, êsse poema, que vos darã seringais hidrópicos e abando- entrada na minha antolo~ia nado:.;, onde cochilam de pitpo dos poétas bissextos, porque no chão, sem · ter o que fa7.f-r, êle póde ser posto ao lado d<•S dezenas de desgr,;1çado:,,, é o poemas negros de Raul Bopp vilório:lriste , que os "do sitio'' e de Jox:ge de Lima. conv1::ncionar«m chamar - ''a ... .......... .. .......... , . •. • cidar1e". Meia dúzia de casas Aos que vos conhecemos miserâveis; •unià' rua:· No .- fiz.Q. --mais · intimamente não · pode- À êsse aspecto não h~ traba– lho que melhor e mais com– pletamehte vos represe?te do que o 'voS$O estudo sobre a Doença e Constituição de Ma– chado de Assis. Nesse.livro, se o médico firma com seguran– ça o seu diagnóstico, o ho_mem éle letras, o crítico revela-se cabalmente na documentação literãria sacada da obra do romancista. E o ensaio, que podemos ,consider::ir ~efinitivo, resultou da ampl1açao de Uil). simples artie:o de jornalista que sempre fôstes e continuais sendo. Particularmente inci– sivo e esclarecedor é o vosso capítulo sôbre a ambival ência de pensamento • sentimento, não só na vida. como na obra de Machado de Assis. Augus– to Meyer já havia, notado que "êsse, homem era uma colônia de almas -contraditórias. como toda personagem complexa : o· niilista feroz foi ur.n funcio– nário exemola;r, o céptico fun– dou a Academia de Letras. o cínico deliciava-se mental– mente na comP.anh_ia da pér– fida Capitú porém_ amou_ a "meiga C3,rolina'-'. Sentindo em si próprio tamanhas con– tr.adicões. não queria o desen– ganado ·esoectador da vida deixar-se lograr nelas falsas aparências dos móveis incon– fessáveis. Estava sempre em guarda contra as bôas açõ4s o u c o n t r a · o humoris.ino al heio". "CANTO . DA NOITE" Apareceu uma nova edição do ''Canto da Noite", um dos melhores livros do poéta Au– gusto Frederico Schmidt. Nes– se livro, "a. voz do poéta" - éscreve Tristão de Athayde - "atingiu" uma' grandeza que raros •poétas têm alcançado eni nosso liriSmo". Todos estes aspectos provindos do confusionismo conceptiva a da '<!e~ic1ência técnica. deixam muito eviden~e a ausência do ca– ráter. da estrutura, do espirita de tragédia em Album de família. Não desejo lembrar a peça clássica do teãtro grêgo para fazer al– guma comparação inadequada ou arbitrária entre Sofocles e o sr. N"elson Ro(lrigues , mas gostaria de assinalar, por exem,_plo, o ter– ror que sentimos em Edipo-Rei quando Terezias revela o segredo trágico, segundo fôra previsto pelo oráculo : "Serã para todos o ir– mão do seu próprio filho, o filho e o esposo daquela -que o gerou, aquele que ocupa o leito do seu pai, depois de o ter matado'•. ou a piedade que Edipo provoca ao exclamar: "Ai de 1nim I A\ de mim ! Tudo é claro agora ! O' luz do dia, vejo-te pela última vez. eu que nasci de quem não devia nascer, e me casei com quen, nã<> devia casar-me, e matei a que,n .pão devia matar !.. , ou a nobre sin– geleza co1n que o Arauto anuncia o fim de Jocasta: "Chorou sô-– bre o leito em que, duplatnente infeliz, teve um marido de um marido e filhos de um filho". E Isto a! fica, apenas como nota su– gestiva, na miséria de uma livre t,·adução em segunda mão, Um pouco constrangido. embora. ofereço um exempl o da linguagem de Jonas, com um chicote em punho, nu1na cena de Album de fa-1 mUia : "Quando um filho se •revoltava contra meu pai, êle usava isto! U1na vez eu grilei com êle - êle então me deu com- êste negócio! J.\o[e .pegou aqu.f - deixou na cara um vasto lanho, roxo!". E que ninguém. -a este respeito, como argumento de defesa, venha lembrar que a peça se desenrola nun1a fazenda do ínteriot, pois segundo afirma o seu prefaciador "Album de família é uma tra– gédia ,se1n idade, fora do tempo e do espaço, que transcende da mú.lfo a estreita visão naturális.ta" . Além disso, é uma verdade in-, contestavel que a tragédia, ao lado do estilo pessoal de cada autor.t requer um estilo -particular. que foi. entre ,;1ós, excelentements - caracterizado num artigo de critica de Mário de Andrade: "A t1ca– gédi_a, pa-ra nós dar a sensação presente do trágico, exige que a sua forma tenha aquela grandeza latente, aquela grandiosidade imanen– te, aquele a,·rebatamento de proporções que sentimos diante do qua é verdadeiramente trágico". Na par.te do estilo. po·rém, é que Album de familia se apt·esen– ta · numa absoluta fragilidade. Não hã nela um sô diálogo com a grandeza for.mal da tragédia. Mais ainda: não há nela um só diá– logo que tenha consistência verbal, valôr liter~io e beleza estilística. Exprimem-se geraln1ente as personagens numa linguag_em grossei– ra, chula e banalíssima, ostentando uma desoladora miséria voca– J)ular-. Aquelas deficiências de escritor do sr: Nelson Rodrigues - tão sem recursos na arte de escrever quanto poderoso na arte tea-– tral em si mesma: ficaram despercebidas em Vestido d.e noivat porque superadas, nessa admirável realização, pela técnica, pela orlginálidade, pela audácia de imaginação, p~la den$idade poéti• ca e psicológica da estrutura em conjunto, animada, além do mais,, pelo brilho da mlse-en-scen13. Sem estilo, sem técnica teatral. sem Imaginação e sem poesia dramãtica, eis que Album de familia sos- sobra num ·mar de enganos. eq_uivocos. êrros. atrapalhações ·e in• suficiências. Sob o ponto de vista a-rtistico é uma obra para ser es– qyecidà. enquanto espera.~o? do sr. Nelson Rodrigues (!ma nova peça_ à altura do seu indlscutlvel talento criador: E num caso destes, não vejo -motivo para escândalo intelectual ou social. a não ser corno mero artific"io de publicidade. , (1) - Nelson .Rodrigues Povo· - Rio - 1946. Album de fami lla Piu:a renaéua d.e llvroa: Rua Duvlvier, 18, ap. so. Edições d<Jf ,. • •
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