A Provincia do Pará 28 de Setembro de 1947
SEGUNDA SECÇÃO l ARTE E LITERATURA roTAS DE UM CONSTANTE LEITOR OMITO DO PROGRESSO Canclido MOTTA FILHO (Col>JYl(ht doo "D!Artoo AuocUdcl) 8 . PAULO - Setembro - Acabo de ler um Impressio– nante e oportunc:, artigo de Aldous Huxley sobre o m1to do progresso. Huxley é. Ine– gavelmente, um grande ar– tista, naturalmente sujeito a altos e baixos. E o mesmo acontece com o vigoroso pen– sador que nele não se perde na vida emocional do artis– ta. E um pensador de altos e baixos. Quer como artlL– ta, quer como pensad()r, Huxley tradllll: como i::oucos no eatudo dos grandes te- · mas, a crescente inquietação do mundo moderno. Nos seus romances e con– tos, nos seus enulos e estu– dos tllosóflcoa vemos a sua conaclencla cultural incon– formada com os processos atuais da vida, que ameaçam, cm todos oa seus dados es– eenclals, a personalidade hu– mana. Lawrence, iior exemplo, so– lidariza-se com a vida. No seu deeasaombro hí., de uma certa forma, um mpenho de afutar a 1ua reaponsablll– dade ou mesmo a reSl)Onsa– bllldade do homem, por tuoo que acontece ou não acon– tece . Huxley, porém, não se conforma. Es.14 aocledade de massa, essa vida de produ– ção em série, esse predoml– nlo do q111mtltatlvo por aobre o qualltatlvoLeaaa aubmlsaM do tr11,b11,lho numano ao tra– ball)o da mAqull'la, formam, pari. Hu)lley, qm pr01:1:>Lo terrlvel de desagregação . O homem modem11 na !~brlca ou n11, ,randes centros mun– dano• o cqlturat• é um de– vastado que ainda estrebuxa nos (l!tlmos esforços para nf.o ser Cleflnltlvamente -um d~va1tado. Por l~so, Huxjcy pede apolo àa illtlmas resls– tenctas da vida, àquilo que ainda lne orereco a tradição, a crença, a ruoaolla . Quando um pensad<.,r não podo colocar ou solucionar seu problema dentro de uma col)struçlo Joglca, ele ae so– couo ele oqtros meios para attnstr ao se11 fim. Huxley usa dos dola processos. ~– creve rornances e faz, 110 mQ4111o tempo, tlloaorta e so– otoloirta. No fundo, o roman– o~!& é sempre um fll6®ro e um sociólogo. E o fllóaofo e o sociólogo formiLm tambem um romancista. No artigo que acabo de ler está o pensador e o artista e neles uma consclencla <lo momento, examinando Ili" dos problemas bàslcos da vi– da atual. Muitos penaadores têm ~– crtto ultimamente sobre o progresao. Vm deles foi Ma– nuel Garota Morente que es– creveu um magnifico estudo lnt.Jtulado "Erusayos sobre el progresao". Nf.o esqueceu Hegel nem Spencer e &e apoiou na filosofia do valor para estudar as consequen– c)as do progresso. E uma de– las 6 que o homem moderno é um escravo do progrCMo. Huxley, neste artigo, come– ça por ustnalar a innuen– cla deoLslva do progresso uo rumo dos acontecimentos e d!reção cultural . E analisa as virias esferas deM& in– fluencia. A crença no pro– gresso surge, desde Jogo, da clencla, que é um convite constante para o progrew,. Podia-se, desse modo, prever que os pensadores na.scldos ne&ia atmosfera progressts. ta, familiarizados com os métodos e resultados da clencla, estabelecessem sobre as conqulatas do progresso técnlco e economlco uma doutrina para a vida huma– na. Assim, com os ~éculos XVIII e XIX, o dogma rlo progresso começou a predo– minar, baaeado no sonho de que é p=lvel obter alguma coisa por um nada . A no= !é, diz Huxley, neau dogma do progresso é de tal forma lnU111& que eobrevlveu a 2 guerra~ mur:dlals e .con– tlnúa fioregcente, a despeito do totalitarlsmo e da revl– vescencja da escravidã<;!, dos campos de concentraçao e dos bombardeios. Com easa Intensidade, a crença no progreaso reper– cutiu na atividade polltlca, levando a numanldade civi– lizada a acreditar numa épo– ca de ciutro, num futuro utó– pico e não multo remoto . l!l a fim de auegurar a paz e a felicidade de aeus trinetos, as masaas devem acelt.a r e os governos sem escrúpulo im– por, a guerra, a eacravldão, o sofrimento e o mal estnr moral. :entretanto, a única coisa que todoe nó, aabemos sobre o tuturo e que Ignora– mos, da maneira ma!Js com– pleta, tudo quanto ht de v!r. Na prática, portanto, ea~a fé num futuro melhor e maior é um dos poderosos Inimigos da liberdade atual. , Teoricamente, diz Huxley, a clencla Pl!r& preocupa-se co111 a reClqção da adverel– dado à homogeneidade. Easa preocupação tambem 1nnu1u na vida po)ltlca . Onde há uma a11torl(I de central que se encarrega de ruer os pla– nos pp.ra a aocleClade Inteira, hé. um constran,ilmento ge– r111 . A forma, aceita no, la– bor11tórl011, aplicada à socie– dade humana ee tran1forma numa mornstruasldad11. o processo de slmpU.!lcaç~o torna-se, lne·ntavelmente, um proceaso de reatrlção e a dlversldade humana, redulll– da a uma uniformidade ml– lltar, destrol a liberdade in– dividual. E assim o proceaso de des– trulçlo do humano contlnúa a pretexto da atrnp!Uicaçlo da llberdade, A bue de uroa ação clentltlca é 11 capacida– de de abstração. "Diante dQf <!ados fornecidos pela expe– rlencla, escreve Huxley, os homens de elencla começam por abandonar todos os aspe– ctos dl's fatos não suscepU– vels do serem :nedldos e cx– pllcndrJll segundo causas an– tecede.utes. Agem as.nm pnra melhor conqulstar as ener– gias da naturella . O poder politlco porém não é a m'5- ma coisa. O homem, dentro desse processo é trans!Jgu– rado, porque ele não pas.,a "nac!a mais que Isto ou aqui– lo". As consequencta., polltl– cas des.,a ruosotla são evi– dentes. No decurso dos úl– Umo.s trinta anos elas se m.i– nlfestaram de uma forma Inquietante. Inicialmente ve– rificamos que o renascimen– to maciço da escravatura to– ma as !ormas mais avUtan– tes . A seguir, notamo.s a fal– ta de escrúpulo nas discr1- minações: o furor dos mas– sacres, em tempo de guerra, bombardeios de regiões In– teiras, os bombardeios de sa- (Cont1naa n.a u .• paç ) BELÉM-PARÁ - DOMINGO, 28 DE SETEMBRO DE 1947 Duas acerca palavras de lzabel Breno ACCIOLY (Pala "" "DlArlt>o Mf()dadoo) Faz wua semawi que Isa– bel partiu . E durante todos esses o'.to dias de calor eu tique! como um bicho ln– qu!eto, como se eu tosse tam– bem um carometro que pre– nunciasse chuva. E nos ,:mucos Instantes em que me acalmo, •em ;uerer, remeço a somar cl!ras, para terminar me ,ndlgnando . Tudo venc!ldo por uma ~e– rta. A fazenda Cambãn, ve1:– dlda p ir uma nlnharta. Tempo de séca, os açudes •s– torrtcados, a pastagem rala . PrcJulzos, somente preju!zvs. Negócios de doldc1. Uml.. ati– vidade de comerciante que– ·endo salvar uma falencia . Não quer-. contlnLar &lman– do algarismos . Mas , em me aper~eber cor,tlnúo a rn– cher de cl!ras folhas de pa– pel almaço como se esta mi– nha atitude pudesse reme– diar a 6ltuação. Mas tudo catá perdido. Apenas diviso encruzilha– das . Qulzeram comprar o so– brado de graça e nem ce graça qulzeram os cercad.os de Anta. Pensei ~m ab;mdo– rar tudo. em deixar tudo apodrecendo, o cupim cc– mendo tudo sem piedade, a.s– sJnar uma escritL1. a em favc. :'.a Conf:•:ula de Sào V·cent, de Paul:i, ~ abrir nos pius. Mas não há coragem em meu sangue. Se houve,se, te– ria subs:, !tado os en7eloprs. terminado as rart:,s para l&abel. contando-lhe tudo. As gavetas cheJas d,' car– tas por terminar E todas :is vezes que me disponho a ter– miná-las (que · Isabel não pensasse mais em m1m) os meus dedos parecem dormir, a minha mão parece se anu– lar, sem forças, e meu bra– ço ae tom,- uma Inutilidade. E meus ouvidos ee enchem de sona semelhantes aos q11e raiem besouro.s dnca.ndeados por uma forte luz . E como ae urn frasco de éter tivesse slqo destampado perto de meu narta, meu corpo ae dobra para que eu flqu~ de pesc~– çp mole, me derreando em cima da meaa . VArla., vezes Isto me &cO!l.– ~ceu . Ontem, ao llbrlr as 111:vetas, me senti obrigado a rfler carta.a que eu ha.vla ea– c.[lto; cartas que não passa– vam de três Unhas. E tam– bem me senti obrigado a ràs– gá-las com fdrla, por ter medo que outra vez meu cor– po ae dobraaae, se amoleces– se. Por que tanta e9var~a ? :!ilo sel explicar. Sinto <iue vlverei toda a vida me ator– mentando, sem poder resol– ver coisas que outros resol– veriam rapidamente . Isabel Já me escreveu qua, tr9 cartas em oito dias de •iisencla . E esses oito dias de ausenola não conseguiram clarear a m1nha memõrta. A., cartas de Isabel contl– n-úam fechadas e eu não ten– ciono abrt-las . Mas aos meus o1hos ~hega a figura de mi– nha mulher, enquanto os meus ouvidos parecem estar escutando Isabel perguntar : (Quando voltas? Quando Vll– tas? Quando vo)Ja.,?" En– tão, eu minto ao lhe respon– der· "amanhã, babel; C1T1a– nhã estarei de volta". Talvez Isabel nunca mais me veja, nunca mais venha a saber do meu paradeiro, po– rém, quando de sua partida. lhe disse que me esperasse dentro de dm dias . E pareço estar vendo Isa– bel amta, ansiosa que os dias passem. que eu chegue logo, debruçando-se no parape!to (ContlnOa na 12.• pa,) LAMOUREUSE Poema de Paul ELUARD (Tnduç4o de MAR.lo FAUSTINO. paza A FROVINCIA DO PARA') Elle est debout sur mes paupieres Et :;es cheveux sont dans les miens, Elle a la forme de mes mains, De pé em minhas pálpebras Seus cabelos nos meus, Elle a la couleur de mes yeu~ Corri a forma de mirihas mãos E a côr de meus olhos, Elle s'engloutit dans mon ombre Comme une pierre sur le ciel. Ela mergulha em minha sombra Como uma pedra no céu. Elle a toujours les yeux ouverts Et ne me laisse pas dormir. TFm sempre os olho~ bertos E r,,:'o me deixa dorm ir. Ses rêves en pleine lumiere Sel'~ sonhos à luz do dia f'Ont s'évaporer les soleils, Me font rire, pleurer et rire, FozEm evaporar os sóis, Fazem-me 1 ir, chorar e rir, Pader sans avoir rien à dire. folar sem ter o que dizer. A OUTRA MULHER Conto de Sherw~d ANDERSON Eu go,;to de minha mulher ele disse - uma observação supérflua porque eu não pn– aera em duvida seu amor pela mulher com quem se casara. Andamos durante dez minutos e, ele tornou en– tão a repetir a frase. VoltP.1- me para encará-lo. Como– çau a falar e contou-me a hlstórta que neste momento pr~t!!~_;'la!_l'.!lr. À cÕlsá qúe lhe ·ocupavá o e&plrlto aconteceu na sema– na talvez a mai5 cheia de acontecimentos de toda a sua vida . Ele deveria se casar 11a tarde de sexta-feira. Na sex– ta-leira anterior recebera nm telegrama anunciando sua nomeação para um carito oficial. Ainda outra coisa acontecera para lhe dar or– gulho e satisfação. Tinha, em segredo, o hãblto de i:~– crever versos e algum deles haviam aparecido, durante o 1fno anterior, em revistas de poesia. Uma dessas aocteda– des que dl!trlbuem premies às l)()eslas Julgadas as m~– lpores Cio ano, escolheu-opa– ra enoabeoar a lista. A h14t6.• Qll desse triunto surgli.1 ire– pres.,a nos jornais de sua oi~ <la.de natal e urn deles pu– b11cou-lhe tambem o r~trato. Como era de ae esperar, ele a.pdava e]lcltado e num estii– do de alta tensão ne_rvosa durante a semana inteira. Quaae todas..as noites la vi– altar a noiva, filha de um juiz, Encontrava a caaa re– p)eta de gente e carta&, telc– gra1Das e embrulhos chegan– do aem cessar. Punha-se J!. gelramente à par~ e h-imem e mulheres vinham lhe fa. lar. Felicitavam-no pela ob– tênção do cargo oficial e pe- 19 sucesso como poeta. Pu– recla que todo o mundo o elogiava e ao voltar para ca– sa e para a cama não conse– ,gul dormir. Na noite de quarta-reira foi ao teatro e pareceu-lhe que d~ todos os lados pessoas o reconhecla;1,1. Todos cumprimentavam e sorriam . Apóa o primeiro lllo cinco ou seis homens e du11s mulheres abnadonaram os lugares para se reunirem ~m tomo dele . Formou-~e mn pequeno grupo . Os desconh.:– cldos sentado.s na mesma fi– leira esticavam o pescoço ~ o!havam . Nunca , recebe:a antes tantas atençoes e um estado de ansiedade apossuu– se dele. Como me explicou ao nar– rar o caso, era para ele um perlodu Inteiramente anor– mal. S2ntla-se como te tl!t– tuasse no ar . Ao deltar-.;c, depois de ver tanta gente e de ouvir tantas palavras de elogio, a cabeça glrra,·a-lhe, glrava-lhe. Quando fechava os olhos uma multidão lnvn– dla-lhe o quarto . Era como se a atenção de toda a cldn– de tlve&5e se concentrado nele. As mais absurdas fan– tasias tomavam conta.de s~u espirita. Imaginava-se an– dando nurna carruagem pe– las ruas da cidade. As lane- . las se abriam e pessoas acc.r– riam à& ))Ortas das cuas . "Ei-lo! E' ele!" - gritavam e\ ao som dessas J)alavras, 11m c amor de alegria ae Jev11::i– tava . A carruagem penetr~- va numa rua apinhada de gente. Cem mU pares de olhos acompanhavam-n?. "Sim, senhor! Que suJello você conseguiu ser", os olhr, pareciam dizer . O met.1 amigo não J)odla explicar se a excltaçao do povo era devido ao fato de ter ele escrito um novo poP.– ma ou de ter praticado, :-o novo oficio governamental, algum ato notavel. O apa1- t11mento onCle vivia naquela épQCa rtcava eQlpolelrado n1 - ma rua que. margeava ç alto de um rochedo, nos limites da cidade, e da Janela de ~eu quarto de dormir por aobre a,, árvores e os telhados de fé.brlcas, podia-se avlatar o rio. Não conseguindo dorn1,r, e como as fantasias que lhe povoavam a mente servla&em apenas para excitá-lo ma!s, abandonou a cama e tentou pensar. Como é natural em tais clrcunatànclas, procur<>u controlar os próprios penaa– mentos, porém, ao se sentir à. janela, agora Inteiramen– te desperto, um rato extre– ll\amente Inesperado e h u– ml!oante ocorreu . A nol"Ge estava cla.rae agradavel. Ha– via luar. Ele desejou sonhar com a mulher que la se to~– nar sua esposa, ou pensar em frases para poemas no– bres e elevados, ou fazer pla– nos que Influenciassem sua carreira . Com aurpreza, viu seu pensamento negar-se a qualquer coisa semelhante. Na esquina da rua onde morava havia. uma pequena loja de charutos e Jornais, dirigida por um homem gor– do, de seus quarenta anos, e pela mulher, uma mulherzi– nha ativa, de olhos clnzen– tos e brilhantes. Naquela manhã ele parara ali um mc,– mento para comprar um J<•:– nal, antes de descer para a cidade . A's vezes via somen– te o homem gordo mas, fre– quentemente, o homem niio estava e a mulher atendia-o. Ela era, <.orno ele me garar.- tlu pelo menos vlnte vêzes ao contar-me a história, uma pessoa absolutamente C'l· mum, sem nada de extraor– dinário ou de especial pa . distingui-la, mas, por algu – ma razão que ele nlo podia explicar, o rato de: estar em sua presença perturbava-o profundamente. Durante aquela semana, em que an– dava tão no ar, era ela a única pessoa que permanecia clara e distinta na sua men– te. Na ocasião em que dese– java tanto pensar em coisas elevadas podia pensar so– mente nela . Antes de percf– ber o que estava acontecen– do, a sua Imaginação lá ce apoderara da Idéia de ter uma aventura co messa m•·– lher. - Eu não podia me en– tender - disse-me ele, con– tando a história . A' noite, quando a cidade estava quie– ta e quando eu devia eswr dormindo, pensava nela In– cessantemente. Depois de dota ou três dias assim, a pre– sença dela. penetrou nos meus pensamentos dlurn~ . Estava terrivelmente conf11- so . Quando la vlaltar a mu– lher que é hol e minha espo– sa, vertctcava que o meu amor por ela não tinha 51(10 em nada afetado pelos meus pensamentos erradlos. No mundo Inteiro só havia u.,,a mulher com quem eu des_– Java viver, para ter como companheira na tarefa rt me ajudar a melhorar a mi– nha personalidade e a minha posição no mundo, mas, nu– quele momento, o senhur sabe, eu queria a outra mn– lher e mmeus braços. Ela ti• nha conquistado um lugllr em mim . Todo o mundo di– zendo que eu era um tTande homem, destinado a ruer grandes coisas, e eu naqueia situação . Na noite em que fui ao teatro, tomei o cami– nho de casa porque sabia que não conseguiria dormir, e para satisfazer o Impulso Irritante fui colocar-me .,na calçada junto à loja de cha– rutos . O prédio tinha dois andares e eu sabia que a mu– lher morava com o marido no andar superior. Perman1,.sl por longo tempo na eliCurl– dão, o corpo contra a parc:Je do edlflclo, e pensei nos d~ls lá em cima, Juntos na cama, sem dúvida . Isso me enru1e– ceu . A ralva de mim meamo at!– mentou . Fui para casa e deitei-me, tremend ode ócllo. Hã certos livros de poesia e certos trechos de prosa que sempre me comoveram vro- cconttna.a na U .• pa1.) Era uma dessas estranhas e melancôlica.s manhãs de inverno em Santiago do Chlle. trm céu carregado, cinzento e triste, que deixa a alma neutra e faz a gente pensar que o mundo Intei– ro está em agonia. As árvo– res estavam núas, gotejan– tes e negras como as árvo– res que circundam as fábrt– cas. O termômetro a zéro grãu, o interior das casas cheirando a mõfo e a ausen– cla de luz, provocavam uma Intensa saudade do sol e um forte desej_o de aconchego. Não obstante, as ruas esta– vam cheias. meto do rio. ~z outra pergunta, mas ele tambem não estava mui– to bem inCormado - e nada respondeu. Sem sequer olhar-me, tentou romper o grupo para ver de mais per– to . Fl!I: o mesmo . Ao forçar para abrir caminho pisei no pé de alguem, que se voltou encolerizado e deu-me com o cotovelo no estomago. Con. segui passar com dificuldade e cheguei junto da amurada. Bem no melo do rio estava a mulher, estirada sobre uma pedra. Parecia-me que esta– va sem sentidos. "Natural– mente - pensei - caiu aci– ma da ponte, rodou até aqui e ancorou-se 011 pedra". CONTO sondando o terreno onde pi– sava, velo até à margem, on– de a multidão o aguardava Impaciente. Ao atingir a rampa de cimento baixou o corpo da mulher, descansou– sobre os Joelhos e distendeu os braços para desentorpecê– los. Depois ergueu-o de novo e subiu para a amurada . Os que estavam próximo toma– ram o corpo e estenderam– no sobre o melo fio . O des– conhecido galgou a amura– da e ficou contemplando o corpo Inerte por uns segun– dos . O estudante estava agi– tado, dlz1a que ela se enrege– lara e que era necessário fa– zer a respiração artl!1clal. Deixou o grupo inteira- ' mente absorvido, ávido · <le curiosidade, e to! andanão devagar, rumo ao Parque Florestal. Então houve um novo e último rumor de vo– ees e todos olhavam para os lados. Lembraram-se do des– conhecido e perguntaram em cõro: Desci as escadas, atraves– sei a rua M2neda e d1rlg1-me para a Praga de Armas. Pas– sei pelo Correio Geral - e segui, rumo ao Parque Flo– restal, andando depressa. Ti– nha um encontro na Escola de Belas Artes - e não sa– bia quantas horas seriam. Quando faltava pouco para chegar à. Escola, olhei à es– querda, sob as àrvores do Parque e vi um enorme gru– po de homens e mulheres junto à amurada do rio Ma~ pocho, um pouco abaixo da ponte. Muitas pessoas fala– vam e gesticulavam ao mes– mo tempo, nervosamente . Embora eu estivesse a mais ,de 100 metros de distância, percebi que alguma coisa es– tava acontecendo. Resolv! Ir ver o que era. Ganhei a Ala– meda e andei rapidamente, 10b as ârvores núas. A'l cne– )lr perto da amurada per– .Juntei o que havia. Um su– jeito gordo e corado olhou– mP. com Indiferença e Ms– pondeu sem me dar maior atenção: - Há uma mu!her lá no O rapaz que saira primeiro, chegou trazendo uma corda enrolada nas mãos . O sujei– to gordo tomou-a sofregl!– mente e põs-se a desenrolà– la. Logo descobriram que ela não alcançaria . Era nec~ – rlo esperar que o outro che– gasse. Alguns segundos de– pois surgiu novo pedaço de corda, que foi emendado eo primeiro . E co.neçaram a Jogá-la para o melo do rio . A distancia talvell não pas– sasse de uns 15 metros e a corda tinha mais do que Isso. Contudo, era leve e p,,r Isto o veuto Impedia que ela atlnglsse o corpo. Lembra– ram-se de que o único recur– s.:i seria amarrar uma pedra na extremidade. o estuda~-– te objetou, explicando que se a pedra calsse sobre a mu– lher, era morte certa . Agora. a discussão se pro– longava, todos começaram a dar opiniões e nlnguem se entendia . Em d1do momen• to um novo personngem sur– giu Junto da amurada, Um desconhecido Oswaldo ALVES (Para 01 "Dli.rloa A!.soc11.doa") atralndo a a tenção geral . Aproxlm-ir:i-se com dificul– dade, avançando sem atro– pe!os, mas decidido . Olhou para as pessoas que est'lvarn próximas, viu a corda, ouviu algumas opiniões· absurdas e sorriu . Vestia um capote grosso, trazia luvas de pelica e th1ha um cachimbo aceso entre os dentes . Seus !lestos eram calmos e seguros. To– dos olhavam para ele sem atinar com o que lrta fazer . Sabiam que havia nele uma Intenção, sua atitude era a de quem sabia a decisão exa– ta que o momento elxigia . Mas ninguem alcançava o sentido dessa decisão. Que poderla ele fazer? Com a mais absoluta natu– Udade o homem tirou as lu– vas. Os gestos eram tran– quilos, mas rápidos . Em se– guida tirou o grosso capote e depot.:; nm blusão de couro. Dobrou o corpo para a trent.Eo e suas enormes màos de ope– rário desataram os cordões dos sapatos, descalçando-os. Asora compreendiam o que o desconhecido la faa:er. H:i– vla uma atitude geral de eR– pectat!va ansiosa, o silencio pesava, nlnguem se atrevia a dar uma única opinião . Era como se sentissem vergonha, diante daquele sujeito enor– me e simples que sem uma palavra tomava em alguns segundos uma atitude decisi– va. que não ocorrera a ne– nhum outro . Olhavam-no com surpresa e admir11ção . Ele saltou para a amurada com lncrivel agilldade, des– ceu a rampa de c.lmento e entrou na água . Seu corpo estremeceu, os lábios cerra– ram-se violentamente . Tiri– tava de frto, mas avan~ava sempre, lentamente, sondan– do u leito. A' medlda que anvançava a água la subindo, subindo . Andava com difi– culdade, a correnteza agita– va-lhe o corpo, em torno do qual ;e formavam asas de esoumas . Houve um momen– to· em que ele cambaleou e quase submergiu Exatamen– te nesse Instante uma súbita r:eação tocou os presentes, que começaram a falar de novo . Agora torciam como · numa partida de futebol, pa- ra que o desconhecido reall– zasse a proesa sem contra– tempos . Apesar de estar com a água até quase ao ~esco– ço, via-se que todo o seu cor– po tremia de frio. Quando ele chegou à pe– dra e tocou o corpo da mu– lher, todos respiraram pr~– fundamente . Tudo Isto du– rou uns minutos . Ergueq e corpo gelado da mulher aci– ma da própria cabeça, e re– começou a travessia, agora com mais cuidado. E sempre - Sou estudante de medi– cina - e sei o que deve &er Celto . Arranjem um capote ou um cobertor e agasalhem– na bem . Vou fazer a respira– ção artificial. O desconhecido olhou-o com um sorriso lndeflnivel, ainda tremendo de frio . Com a mesma calma, abai– xou-te, calçou os sapatos e deppls vestiu o blusão Pas– sados os primeiros 1nstantes de surpresa e espectatlva, dt– saparecera aquele re,-pelto quase rellgloso que ele susci– tara . Agora punha o capote sobre o corpo ainda gotejan– te, por cima dos braços. Os lábios estavam roxos, as mãos se recusavam a fazer os movimentos . Foi com di– ficuldade que calçou as lu– vas . Pôs o cachimbo apagado na boca e, com a :nesma des– preocupação e tranquilidade foi abrindo caminho entre a mu!tldão. Sentira que já nko era necessário, agora havia gente demais para cuidar da mulher, - Onde esté ele? O Jornalista recobrou o senso profl&slonal, agitou-se, olhou tambem para os lado;;. - E' verdade! Onde está ele? Alguem gritou, - Olhem! Lá. vai pela Ala– meda do Parque! Vártas pessoaa corr~ram atráa. - EI! Um momento, se– nhor! O homem parou, ainda ti– ritando de frto, e esperou se– renamente, até que os uutros se reunissem em volta dele. o reporter perguntou: - Quem é o senhor? Ele não respondeu, conti– nuou quléto, o caehimbo en– tre os dentes, os lP.blos roxos. o Jornalista sentiu-se nov&– mente confuso, talvez enver– gonhado, mas refez-se logo e disse delicadamente: - Sou reporter, senhor. Tenho que escrever a repo1 - tagem para o meu Jornal. Pode dizer-me o seu nome, por favor? . Aguardaram a resposta com lndlsfarçavel curiosida– de, mas ela n§.o velo. O ho– mem sorriu apena.,, aquele mesmo sorriso !ndetlnlvel nos lábios arroxeados - e depois fitou-os com simpa– tia e uma certa expressão de pena. Em seguld:i encarou o moço com as aparas e o lapls ná mão e lnd&.11ou: 1 OITO PAGINAS! PAGINA t ErnUs llrant.c. a auto:-3. de ·•\\."t:1e:h:: lt t.h:.~·· (''0 t: .. ro 1101 Vaatot lnnt01") 1 num retrato a óleo do pintor Patrlclt Ur muU n,onto, Mi lrmlo, que te enconu-a na "Nallon.al Port.ra.Jt O&llUJ", dt Ntw YarlL, o Amavel Henri ~leine por Roger GIRON (Copyright S.P.I., ..peclal para A J'ROVI?<CIA DO PAJIA') A personalidade de Henri• Helne é uma das mala atra– entes que exJstc!n. Numero– sas são obrM que lhe foram consagradas . A que devcm<>s ao sr. Victor Bernard é cer– tamente uma dila mala com– pletas .i lê-se com tanto pra– zer como um romance . Tudo o que nos 6 permiti– do saber a respeito do poeta de "Intermeezo", de suas ori– gens, sua fam!Jla, seus amu– res, suas relações com con– temJ)oràneoa (de Goethe e Karl Marx>, tqdo o que se Sllbe tambem a respeito de sua obra, e de suas Idéias em matérias de religião, polltlca ou literatura, o podemos sa– ber por aeu novo biógrafo. Nilo pos oculta detalhe algum de exlstencla apaixonada e apaixonante, e, enfim, tão dramàtlca . Poderemos cen– surar o ar. Bernard por mos– trar pelo seu herói admira– ção e simpatia demasiadas? Mas não temos, nós próprios, sentimentos !dentices por esse maravilhoso espirita, o menos alemão dos autores alemães, descendente de Vol– taire, de quem herdou a Iro– nia vingadora, a paixão e o senso da .medida, e de Rou,– seau, com o qual tem de co– mum a sensibilidade em san– gue vivo; por essa natureza e,pontàneo., desenvolta, sin– cera até nas contradições e no arrependimento, pelo co– rajoso franco-atirador da li– berdade e da toleráncla? Como deixar de amar esse poeta. nmavel? E llllel. Ele tem a malicio– sa palavra de Llszt que cn– creveu a música ~nfeltlçado– ra da Lorelel e dos "lleds". Em 1836, Henri Helne, re– fugiado em Paris, estava paupérrimo. Lutava contra terrlvels embaraço& finan– ceiros, na iminencla de co– nhecer a Salnte Pélagle, a prlaão por dividas . Pensou mesmo durante algum tempo reconclllar-se com as auto– ridades alemãs, e foi para lhe evitar tamanha humilha– ção que sua poderosa amiga, a princesa Belglojoso, pediu a Mlgnet que Interviesse a seu favor Junto ao Thler!. Gulzot, e depola, Napoléon IlI, resolveram manter-lhe a pensão. Mas nada, absoluta– mente nada autoriza a dizer que ao aceitá-la, o escritor alienava sua liberdade. Os ~eus sentimentos para com a França nunca variaram : de-,de então como sempre, 1oram os dum amigo. Helne não se naturalllou francês. O que o Impediu de se tornar francêa, foi a cona– rlenola orgulhos& que tinha de ser poeta alemão. E:tpll– ca-se a esae respeito .:om a maior franqueza: ·•seme– lhante coisa nào convém a um poeta que eaorevcu oa mala belos "!leda" alemãe1..• Ver-me-la a mim próprto tomo um deases .non1tr01 de duaA cabegu que se moa– tram nas barr11,cu de fel• ras" . Um grande amor deallll• dldo nos valeu o "Intermm– zo", cujas lamentações an– rustlosaa continúam alnda melancolicamente em n– corações, porque 'O J)Oeta ta– la por •.odos 01 homellli. O sr. Victor Bernard mo1tra multo bem como a obra tle Hclne está toda Impregnada da aventura com aua prima Amélia Helne, mocinha um tanto levlalll\, ao que parec~, e sobre a qual quue nada te sabe . Esae namorico de ado• legcencla, em suma, um Jl()U• co bannl, dominou tod.'\ a AT\ vida. Devemos ver nelP um fenomeno de auto-suget• tão, um belo exemp.v 1e crlstallzação como pretende <., sr. Robert Kemp? H•lne criou uma Amélia. escreve o noaso colega. Criou cs des– clens, a frieza de A;-:i.élh.L Sofreu realmente dess~ amor cerebral, dessa catástrofe Imaginada como duma ant– ção autentica. AI!. , malorea 1ores aão as que inventa.Jr.01 para nós mes.: 1.os. Pa.a a poesia, tem ·Jm caráter de generalidade que lhe abre to– dos os corações. HlpóteAe :nulto aceltavel. A e&88 rea– pelto, o sr. Victor Bernard deixa a nossa curiosidade ln• satisfeita. E' láatlma. Amé– lia. é verdade, não fez con– fidencias a nlnguem . E, afinal, o que Importa? Deixemo-nos embalar pela ,1elha história que perm1,,ne– ce sempre nova. Admiremos. sem constrangimento, o ce– nto "apaixonado • alaclal" (conforme Oérard de Nerval) que da aua grande meltlnro– lla tirou pequenu cançõe, lmortala; cançõe1 em que derramou o aeu torm,nto e os seus queixumes, que são tambem os nosaos, e nosao1 ficarão, enquanto houver ho– mens e homens que aaibazr amar . AI por -.oua de 19Z5, ba-.ta aqw. em Belém, a AMoclaçio d09 Ncm,e, ,nml? llterárlo que consrepva a Ja-.atude vi· br&Dle e oonbadora - moçu e ,..,.._ - ~le ~:~n:t:.!U:: 1::=,:n;; ":! aoclaçio, Arlindo Ribeiro de Cu&n, fale· cldo qD&Ddo multo d, belo ainda - de IO eoperar de ""' tlor~ eneaalada. ~~• luJar de destaque, Dlo 16 pela m&plJlotD– cla .do utro. como pela 111perlar urdidura de ~us venot harmontoaoa. O aoae&o • A ::::li.~r d:..~~6~~.. ~~ = :: miltlqulos armadOI a preceito, -.ale por uma collf~lo de DOMU pal&nu. - J. F. A MORTE DE PETllONJO E Petrõnlo morria . . . A última caricia Fóra um sonho de amor da 111& bela eacrava, Vlera a morte. enfim, com a deqraçada Eunlcla, A mulher sem Igual, que tanto o sublimava 1 E Roma, então, chorou .. . 114u Nero, na delicia, Era o rei da volúpia eta o rel que aterrava; Jamais se perturbou, quando • fa~I notfcta Transp& o Palatino onde o lllfortWllo entrava. A nolte. o Imperador, empós gre,o b&ll&do, Ador1necera, a sós tendo a citar "º lado, A frescura gentll de linguldo favonlo. :er"o~~~ :~~-~~=::':ia.. Julgando ver na treva. o vulto do Peu6nlo. A. BIBEIBO D& CAaTaO
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