A Provincia do Pará de 29 de junho de 1947

Domingo, 29 de junho de 1947 Dona Micaela tinha ,.,,,, razao Conto de Jaques FLORES Há élnco minutos que aeu Emerenci~o esperftva o pente. E dizi:,, meio espinafrado, nava– randa: - E' isto. O pente não voava clà minha gaveta. E' que mexem, mexem onde não devem. Ah! sé eu pego quem anda mexendo as minhas coi.!ias! Dos livros e documentos postos so)1re a mi– nha carteira eu nem falo mais. Já cansei. Todo dia eu· arrumo dum modo, quando volto está. de outro. Não é ')Ossivel uma criatura ficar calâda ... Dentro de casa era um corre– corre dos diabos. Todos procura– vam o pente. Os meninos do grupo escolar já. havlo.m saido. Só estavam dona Mica.ela, a es– posa do Emerenciano, os dois filhos du casal, Ernestina e Ori• valdo, alunos do Colégio Esta– dual Pais de Carvalho, dot , Fi• decina, tia destes por parte de pài e a Etelvina, a ·~!quena or– fã que vinha sendo cr.. d~ pelos donos da casa, desde quando contava ano e melo de idade. - Ernestina, tú não · viste o pente do teu pai? - O' titia, a senhora me faz esta pergunta pela terceira vez. Não vi, não senhora. Eu tam– bem estou procurando ... Dona Micaela, sacudind(, os os seus oitenta e cin,co quilos de banha, remexia todos os esca– ninhos .dos moveis à procura do pente. Ao pux~· · uma r.aveta do guarda-roupa, a gaveta emper– rou e ela caiu \)m cheio com o assento sôbre o soalho. Raivosa, explodiu: - Ah! Tomara que o pai de vocês faça o que prometeu. Deus permiti!,! Não é màis posslvel. Como e que um pente desapare– se de cr.sa? - Foram vocês. • Dirigia-se a Ernestina e a ori– valdo. que, cabi5balxos, procura– vàm o pente p ~o chão, por bai– xo das cadeiras, dos moveis, te– mendo cascudos e puxôes dé o– relhas. E o pente não aparecia. Su– bito, um barulho de panela.o na cozinha e o 'Tito esganiçado da Etelvina: - Achei, achei! todos, já. sa– tisfeitos, ·rumaram para a cozi– nha na certeza de que o pente :fôra achado. Mas que desilti• são! Não era e pente. A Etelvi– na tinha acha dentro de uma panela a chave da porta da rua que, ha dias, havia desaparecido do bolso do Em~renciano. · Recebidr. a chave, o Emeren– ciano, parecendg mais calmo, passc;u a escova pelos poucos ca– belos qa cabeça, concertou a guéla e saiu sem abençoar os filhos e sem dar o costu'"'.'leiro beijo na esposa, o que era uma prova de que ele, enraivecido, estava pisando em brazas. Vamos agora saber quem era Emerenciano. Emerenciano Tra– lhoto do Rosurio. Escrituraria le– tra L de uma :·er:i.rtição do Es– tado, onde contava 18 anos de serviços, o marido de dona Mi– caela era o que se pode cha– mar um homem direito. E' cer– to que, iostando um pouç.o da pinga, nao raro chegava, em ca– sa fora de hora, isto é, pela ma– drugada, rescedendo a "gole". Mas era desses bebedores 50!1• se~ados. Chegaya. Tirava os sa- (Par& A .FROVIN.CIA DO PARA') protando o caso do 8 ou 80, são marca 8. Bebem diariamente um, dois aperitivos e vão embora err dlre,ção a casa. Outros são marca 80. Custam a beber. Mas quando senLam a uma banca só se le– vantam pa.ra mudar de bote– quim. o Emerenciano err. mar– ca 80. Nesse dia seriam 10 horas quando o telefone tilintou: - Alô! Fala o Emerenciano. Quem? O Juca? Ah! sim! Que há. Juca? Hoje, às 18,30 no Bar– blnha ~ Certo. Teu aniversario? P~rabens. Então até lá.. Não, nã.c falto ... O José dos ~medlos Torres. mais conhecido por Juca, traba– lhava no comércio como chefe de um escritorio de representa– ção. Companheiro de lnfa.ncia do Emerenciano, reciproca :-.m!– zade unia, ambos que, de vez em quando, procuravam se avistar paro o entretenimento de uma pal?~tra. Dona Mlcaela não gostava do Juca. Achava que ele, solteiro como era, dado a bebidas e a mulheres, concorria para as irre• gularidades de seu marido den– tro do lar. Emerenciano descul– pava.: - Or~. Micaela, tu não vês lo• go que ninguem vai me perder. Multo menos o Juca que é meu amigo hê. trinta anos. Eu não gasto um tostão nessas paturca– das. Ele faz questão de pagar tudo ... - E'! Eu iei que tu não gas– tas. Pra comprar as coisas pra casll ei. nã.o vejo dinheiro. o ves– tido de seda que me prometeste para a festa de Nazaré até ago– ra estou esperando. E já. esta– mos em ·março. Do velocipe do Duduca eu ·:-,em falo mais. Po– bre de meu filhó! Esperando o presente desde o dia de seu ani– versario, em dezembro. Os dois mais :elhos sem sapatos para o colégio, já disse isto há bem 15 dia.s. Não temos pratos. Se vier uma. pei;sôa em casa e pedir a– gua, :;6 podemos fazer us.J de cuia. Não temos col)o. E vens pra. ct. dizer que não gastas di– nheiro nas farras. Não acredi– to, não ,acredito e não acredito. Eu só "!Ueria me encontrar com e5$e tal Juca! Ah! Ele ia ouvir poUC!ld e bôa:;... ••• Emerenciano não podia tra– balhar. "AquUo" não lhe saia do cerebro. Que tremenda car– raspana hcvia pegado! Procura– va lembrar-se. Barblnha, jan– tar no Central Hotel, Café 15 de Agosto, Bar Fortaleza, Condor. Ai os fios das 1as id~las se em– b~aga,vam. Havia um hiato. Não ~e lembrava como saira da Cordor. ApEna~ se lembrava até o momento de Ingerir 11:quela mistura mise,:11,vel mandada pre– pari.r pelo Juca. Nada mais. Ao pMSar o lenço pela testa sen– tiu o ferimento Ai então se recordou que só deu :?.cor,io de si quando elltava na Vàranda, gemendo, tendo toda a fa– m!lia em tort'lo, E, naquele ins– tante parecia ver os olhos grar.des da Ernestina, ainda inaiores, curiosos, procurando compreender aquE>la cena. Sen– tia-se enleiado, sem Jeito Co- o a &Jlar em c . Re- havia duvida. Estava ganha a partida. A oportunidade não po– dia se apresentar melhor. Era só mandar para casa o que há meses prometera e que, por mo– tivos varias. deixara de . com– prar. E já se via triunfante, nu– ma roda de alegria, abraçado e beijado pela esposa, filhos e ir– mã. Onde, porem, conseguir di– nheiro? E pensava: um corte. de seda, um veloclpe, os dois pa– res de sapatos e os copos. Isso tudo era muito dinheiro. E onde arranja-lo? Meter um vale, não podia mais. Já tinha pedido qua– si todo o vencimento do mês. Comprar a p~estação, ela não queria, não gostava desse nego– cio. Foi ai que ele se recordou do Juca. Porque não recorria ao .Tuca? Contava•lhe o sucedido, a sua si~uação e o Juca, bem co– mo estava na vida, de certc não ia se recusar a atende-lo. Não pensou mais nada. Correu ao te– tP.fone. discou o numero do es– c.ritorlo do amigo e deste obteve a seguinte resposta: E' o Emerenciano? Que é que há? Estais enrascado ? O que, rapaz! Bem, tu na Condor "morreste"'. Ficaste um mulíl,m• bo. Levamos-te em casa. Não, não! Acompanhei-te até a •por~ ta. Abria-a e fiz tu entrares. Tu subiste bem a escada. Como en– tão foste cair? Sim. Vou dar um jeito. Sabes l'omo é. Hoje é 15 e ontem o fogo foi atordoante. Andei gastando perto de dois miL cruzeiros. Houve motivo. Bem. Nã.o é tsso. Tu podes pa– gar-me quando quizeres. Sabes que entre nós não pega nada. Mas o que é? Um velocipe, um corte de seda preta, dois pa– res de sapatos para colegiais uma ,:uzia de copos. Não há dú– vida. Podes vir já falar comi– go. O relogio acabava de dar 11,30, no momento em que um carre– gador bateu à porta: - Vá vê quem bate, Orivaldo! - Gritou dona Mlcaela. - Mamãe, man:ãel E' um ho- mem. Traz uma encomenda pra senhora. Ah! mamã~ o velocipe do Duduca, sapatos e copos. Ve– nha vêr. Venha vêr, mamãe! - Dona· Mica.ela, com a testa franzida, aproximou-se do car• regador: -Está aqui que seu Emerencia– no mandou. Ele mandou dizer que vai demorar um pouco porque está escolhendo um corte de fa– zenda preta pra senhora ... Af, Ernestina arregalou os o– lhos e gritou: - ôba ! Papai é um batuta! Não lhe disse mamãe? Ele cus– tou - pobre do papai - m~s quando comprou, comprou tudo o que a senhora pediu ... Enquanto issJ, o Duduca, já montado no velocipede, corria da sala à cozinha. Toda a casa vibr~.va de alegria. Até mesmo dona Mlcaela já estava com ou– tra cara. - Lá vem o papai! - a Zi– zica gritou da janela. - Bença pai! Bença pai! Ben– ça pai! Bença pai! - Abençôe, sôe, sôe, sôe ! - respondeu Emerenciano. Tome, Ernestlna, vá levar à sua mãe - e passou às !!)ão~ da filha o cor– t.. A V<>i;;t.inn A PROVtNCIA DO PARA • • o mais nobre espec1me Poema de Bruno de MENEZES (Para A PROVINCIA od PARÁ') Encaro o tf:U 9erfíl Como um nobre especíme vegete:!, fr(?ndcnte, fu1f,:i:han:e, aos ventos df:';".".l~ ,frfos. Pelo tel' corpo inteir,;, circula a seiva moça, Que torna mais vigoroso O sangue que hou,e.s da terra humosa e produtiva. Os pomos dos seio~ trêmulos, Que e!li ti oflororn virginalmente, vegetaf Deseja-os na rnat, rêscência e no sabo: rl ,s doces frutos. E q•Jc.ndo as d,,.:vas generosC"s Lavam de oxigenlo os teus cabelos floridos, Urnt:i estranha clorofaa se espelha na tua epiderme, Fazendo-a quase moreno como a ::ôr de tua nudês ..• Penso, então, de onde virá porf'I a fec1Jndação maravilhosa, O beijo que irá depor no tua beca volutuosa O mistério ci_, amc,r 1r1cauto, os anseio:, lr1:.ó'.:tos da carne• Corno se f ôras u planta adolesr.ente destinada a frutificar ..• De certo, anda no espaço, o polt.'!n dos teus desejos, Ao qual, agitado e sôfrega, Como os ramos e as folhas nos temporais, Abrirás os brqços nús à 111iss60 da natureza, Para o único mi'1uto da perpetuação d, .. ,~ e3pecies. O desenho do teu perfíl lembro o corte das umbelíferas, Acolhendo os ninhos amorosc.s e os insetos irisados, Dmdo a esmola •~.J ~.ombro ao peão rJtJt: precisa repousor. Porque, dos teus artelhos, brotam raizes poderosas, Que "õl.i'JOnl os a~,,~~ reconfortantes do ~.oio nutriente, E assirn se robustec~.,, Poro o embate doi, loucos vend:.ivois. Pois a beleza dcs frondes é obr:-:J an~nima das raizes. Porisso é que sob a ,:.cão Do h~liotrop:smo c-!os meus olhos, O teu perfíl avulta em direção à Luz, - A' Luz, que vem •:e Azul, que aure.J 1 a o ieu corpo arbóreo, E fo.:: que eu veja P.m t'. o mais nobr!! '!:,pecime vegetal, NOTICIAS DE RAUL BOPP ZURICH, Mato - Bopp era para mim um conto de caro– chinha. Vira que vira, eu via com amigos objetos e11tranhos, ou o.bJetos comu ré Vera Pacheco JORDÃO (Pai-. e» "Diários A8oclad911) eu tel:laho, de experiencia pró– pria, que essas coisas não pa– gam dividendos. Falta-Ih~ apli– cabilidade na vida prática. transporte e familiaridade com o motor. 10 - Xadrez - Para uma d!cciplina do raciocinio. Arte de refletir para acertar. Serve Al?TE E LlTERA'fflltA - Pãgina , NOTAS DE UM CONSTANTE LEITOR A atualidade de Cicero Candido Motta FILHO (Copyright dos "Dl&rloe Associados) SAO PAULO, Junho - Pas– sando de novo, . os olhos nas obras completas de Cícero, na edição organizada por M. Nl– sard, fico com a. impres1,ão de que sua vida se torna mesqui– nha diante do poder universal de sua obra. Chego mesmo a pensar, \).uando recordo l!,lgumas de suas biografià.s, entre elas, a de Plutarco, que sua vida se resume realmente em sua ati– vidade de intelectu11,l, é princi– palmente em sua atividade po. lítica. Nesse intelectual de qua• !idades invulgares, havia uma atormentada ambição política. E é realmente com essas duas torças que Cicero conquista a eternidade para seu genio. A sua posição diante de Cati– lina., ganha em grandei:a . por essa transfiguração do aconteci– mento político em obra de in– teligencia. Esta encontra, no tumulto i;.olitico, o seu iienario. Clcero sente, dentro dele. cres– cer a sua personalidade. E co– mo na hora de sua morte, morte tragica. e revoltante, pão encon– tra esse cenario, ela perde em nobreza e até em dignidade . Cicero é assim o beroi da ci• dade, que se alimenta tão só da. vida pública e que não tem capacidade nem força para vi– ver de outra forma. A liberdade que ele conceituou através da filosofia grega, torna-se tão só liberdade política. Não ná. politica onde não h?– liherdadc, não há liberdade on– de não há política. Talvez ess.a. conceituação fosse predominan– te em seu tempo, em Roma principalmente com uma civi– lização pregmatica e objetiva, pouco propicia à.s indagações metafisicll!!. Ma&, em Cícero, ela é uma c.ondtçã-0 de seu des– tino. Assim, sua vida mediocre e contraditoria foi apenas um tiretexto para a sua grancte obra. Não foi, em verdade, mais do que !s..co. Em Roma, quan– do a política enche as horas da República, Cicero que quer opi– nar, porque. antes de tudo, era um opinative. E Cic.ero opina– va, defendendo ou ataca:t'1do. Convem, neste passo, assinalar o que CICERO significa como influencia. Era sectário demais para ser jurista. eloquente de mais para pari!, ser filosofo, político bastante para alcançar o valor das liberdades civis. Ele é o ecletico procurando, na harmonia dos conceitos, os dados necessârios à paz di:i, Re– pública. E' a fina flor do genio político que bem condiz com o t!lmperamento romano. Ele de– sabrochou nos momentos d!ti– ceis de Roma. Viveu suas preo– cupações, em meio de calami– dades, ·,1aquele tempo em que SYLLA, voltando da Asia, 1:1meaça,a o poder do povo, para aumentar o do Senado. No voz do grande advogado, cuja eloquencia nã.o tinha ri– val, vivia porém sempre a am– bição polftica, com o empenho de conduzir na mesma pauta as pretensões divergentes, que faziam :1.s aflições c\a cidade. CICERO só está bem assim. -••---"- -••co em desordem, os desentendi– mentos, paradoxalmente, procu– ram se ocultar. As opiniões flu• tunm sem alcance, como se es– tivessem destituidas de vitali• dade. As vontades não são mais vontades. As convicções são fal– sa11, porque despidas de subs– tancia. Aquela "anarquia dos man– dões" .de que fala RUI BAR– BOSA (Uma campanha politica, pag. 32) é identica à anarquia dos mandados. A politica não tem realmente em que pegar, porque não há quem possa dis– tinguir, gregos de troianos, ou melhor, patrícios de plebeus. Não se ,abe onde está a desor– dem, se nos exemplos do go– verno ou se na atitude dos par– tidos; r;e Ú!!, descrença utiliza– da pelos oportunistas, ou na indiferença utll!zada pelos artl– !icios dos intelectuais. E' o que se nota em Roma, nas crises do II século e é o que se verifica nas horas crepuscu– lares da República quando, por entre rumores e dissimulações, uma politica incapaz abre facil caminho para as sandal!as de Augusto. Cicero tinha necessidade de falar como político. E era fa– lando, principalmente que ele colocava nos planos da vida prática os temas fundamentais da vida. Nesse esforço se estabelece po– rém a diferença entre a inte– llgencia de Clcero e a politica. de Cicero, entre a sua. biografia e o seu pensamento. Há, na sua eloquencia. na construção de suas frases, no teor de seus apelos, na graça de suasevocações, no tragico es– plendor de suas invocações, homem na sua evolução his– a'.go que é destinado ao tórica. ou melhor ao ho– mem de todos os tempos. O que ele diz, muita vez Llnpe– lldo pelas circunstancias do mo– mento, pe.Io jogo de sua vaida– de pessoal, pelos estimuloo de sua ambição, percorre os séeu.. los com um aviso desinteressa• do e r.áblo. Além do mais, Cicero acen• tua com sua autoridade sem– pre' invocada, da responsabili• dade imensa do credor político, do homem que procura atuar por melo da eloquencia no es– pirita das massas populares, noa comícios e nas assembléias. A sua a.titude teatral, de . ges• tos e p.xclamações, diante de Catilina é um dos exemplos maiores que ele oferecia para. mostrar que entre os grandes poderes do Estado, está o po– der da tribuna. o perigo da desordem não está só entre os que se acos• tumaram a falar em voz b11,lxa, nos carrilhos e conspirações, mas também entre os que fa– lam em voz alta. Um grande orador politlco não só é ouvi• do como é temido por isso mes• mo. E foi o que salvou a Ci• cera. Enquanto póde falar pôde ser ouvido e ser temido. Há um momento, por exem– plo, na história de Atenas em que ela caminha pela voz de ""'.o Nn~o .Q U f'W::'

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