A Provincia do Pará de 27 de julho de 1947

(Continuação da setima pag.1 A idéia, avulumava-se, invadia- lhe o ser... · Foi somente no. domingo que conseguiu falar com os filhos. Como de costume, o Pai con– servara-se calado durante o Jantar - enquanto todos con– versavam e riam entre copos de c·erveja. O filho mais velho, com o menino colo, explicava os melhores negócios da sema– na. Pupilas úmidas de ambi– ção magnifica, o filho mais moço secundava com planos para a próxima estação inver– nosa. Um dêles iria a S. Paulo enccmenctar grandes estoques diretamente às fábricas. Am– pliariam o estabelecimento der– rubando paredes ... Fariam isto, mais aquilo. E, como OR negó– cios corressem maravilhorn– mente bem, passaram a trata!', com apartes entusiastices das esposas, da compra de um auto– movel, da construção de uma casa de vários pavimentos ... A primeira brecha se apresen– tou, o Pai aproveitou-a.: - Flhos - proferiu, sem sombra de perturbação, resolvi voltar para Bes.<,arábia. Houve um instante de silên– cio pasmado. Os copos de cer– veja ficaram suspensos à beira dos lábios. Olhos perplexos caí– ram sôbre o sembrante impas– sivelmente calmo do Pai. Dei– xando escorregar o menino do colo, uma ruga intrigada na testa larga, o filho mais velho balbuciou : - Está 3 brincando, Pai ? O P~J sacudiu a cabeça com gravidade. - Mas que foi que aconte– i:eu ?• • • - interveio o filho mais moço. Deves estar doente, Pai Acho melhor ires deitar-te. - Falta-te alguma coisa, Pai? Não estás bem naquele quar– ~ ? ... Se quiseres ,podes mudar– te para a sala da frente, que as crianças irão para o quarto . . . Os filhos trocaram confidên– ciais olhares com as espôsas: - Quem sabe se necessitas fa– zer gastos ? - voLveu o ma is moço, levando a mão ao bolso entufado, num gesto irrefleti– damente profissional. - Pelo amor de Deus, Pai, expl!ca-tt:. Não há nada que esteja fora do nosso alcance ... Debilmente o Pai fez um ges– t.o suplice, quase doloroso den– tro do seu coração solitário e ferido. Como dar-lhes a enten– der essa multidão de coisas ine– faveis que para êles não tinha nome? como fazê-los com.. , 'preender se êles pensavam em , outra língua, se as palavras possuíam para êles significação ,diversa - como fazê-los com- .preender o que para êles seria incompreensível?... Limitou– se a murmurar, numa voz bran– ca e impessoal: - Não posso viver no Bra– sil... Quero acabar os dias la na terra ... comovido silencio dominou a eala. Aquelas palavras tão sim– ples apagadas despertaram em cada um reservas esquecidas de profunda humanidade. Pela p rimeira vez os filhos, as no– ras, sentiram no ancião abatido um ser vil:lratil e humano, como êles próprios. Pela primeira vez encararam-no com e m o ç ão, obscuramente advinharam a eua dôr oculta. confusamente :pres.sentiram o drama calado •ue se desenrolava em tôrno dêles, bem às suas vistas, sem que houvesse desconfiado por um momento sequer. O filho mais velho experimentou um sentimento difuso de remorso, vergonha e culpa. Pulsou numa aru:ia generosa de solidariedade. Tetrai desejado aproximar-se do Pai, di:rer-lhe palavras amigas, comunicar-lhe a sua afeição re– nascida, tornar a ser o seu fi– lho. . . e enquanto o irmão fa– lava, .ficou de cabeça baixa, a vista teimosamente fixa na qui– na da mesa. - Absurdo, Pai. Há fome na Europa. Há misérias, persegui– ção aos judeus. Tu não podes voltar, Pai. O ancião retrucou: - Sempre houve persegui– ção aos judeus. E um pedaço de pão, nunca deixaria de con– segui-lo, não faltam pessôas que creem em Deus. O filho mais velho : - Seja sensato, Pai. Encon– tram-se milhões de pessôas na Europa que dariam tudo que posuem para vir para o Brasil. Fome, frio, miséria. E qualquer dia destes é capaz de arrebentar a guerra ... Seja sensato, Paf. E como o ancião resistisse inabalavelmente a todos os ar– gumentos, o filho mais velho encerrou a discussão: - Não adiante, Pai. Não te deixaremos voltar pan aquele inferno. . . . Dias desoladas de irreme– diavel desespero. Nunca mais que o Pai teria coragem de to– car naquele. assunto. Mesmo que o tentasse, sabe antecipadamen– te ser tudo inutil. Deu para pas– sar as mágoas no cáis. Longas horas esquecidas ficava vigian;., do a entrada dos navios no por– to, vendo desembarcar os pas– sageiros, distraindo-se com o movimento dos guindastes a descarregar bagagem, respiran– dó aquele aroma satura das distancias, de mil teras e mil águas diversas. As vezes ficava contemplando a superfic!~ c!s– marenta do mar. O mar que an– tes o apavorava, que o enchera de tantos medos - e agora parecia-lihe o amigo indispen– savel nas solidões. Ficava con– templando o mar e inebriando– se com o silvio profundo, re– pa&ado de vaga nostalgia, dos transatlâticos de partida... No convés festivo, lenços brancos ao vento, vultos brancos e rápidos de marinheiros em manobra, mastros finos embandeirados de adeuses. . . E êle ali com a sen– sação angustiosa de desampa- . ro, de separação, de atrós aban– dono ... O navio sumia no ho– rizonte vaporoso ,levando a ima– ginação perdida . .. Teimosia de ancião ... Obsti– nara-se no seu desígnio e nada havia que o conseguisse demo– ver. Desesperado de alcaçar dos filhos meios para a passagem, experimentou os seus próprios métodos. Um dia em que, não se soube como obtivera licença para vi;:;itar um dos trasatlân– ticos atracados no porto, ocul– tou-se e trancou-se numa cabi– ne vazia. Só foi descoberto no mar alto. E desembarcado, sob vigilância, no primeiro porto brasileiro tocado pelo navio. Os filhos, que haviam passado três terríveis dias em ..aflitivas bus– cas, receberam finalmente no– tificações de que estava reco– lhido na policia marítima. Quando o Pai perdeu as es– peranças de retornar à Bessa– rábia começou a deixar cres– cer as barbas. Em pouco meses passaeava o templo respeitave!s barbas sombrias, raiadas de fios auterosamente grisalhos. com ano e meio as barbas se arredondaram, derrmaram-se soberbamente pelo peito, cres– pas, cerradas e magnificas. 1 uv ·Â"c1;;,:1;~r;;;io... d; Ce-;_ité;i;; de'°'S;_~tã-rii6'ei,-ii-dêJÜlho 1 de 1947 - (a) Leônidas Pinto Bandeira, respondendo pela ad– ministração. · (2645) guaranis. Depois o mito afri– cano através do escravo. Nesse mundo oculto se edi– ficou a nossa civUização. G A N] A DESILEJVA QUILOMETRO 14 - ANANINDEUA - E. F. DE BRA ... GANÇA Uma granja aparelhada para entregar hoje mesmo: OVOS DE INCUBAÇÃO PINTOS DE UM DIA P.EPRODUTORES das afamadas raças ::ie galinhas LEGHORN BRANCA RHODES ISGAND RED PLIMOUTH· ROCK BRANC.n. PLIMOUTH ROCK BARRADA LIGTH SUSSEX RAÇÕES BALANCEADAS QUA'.fhO UNDOS MODELOS INFANTtS - A fazenda quadriculacla está muito em voga para meniuaa. Dois rlestts modelos devem sei ronfeccionados em xadrez. São SEMENTES PARA HORTAS E JARDINS Correspondência: - Caixa Postal, 126. Informações: - AL..!ES VIDIGAL & CIA. i.1ua 15 de Novembro, 83. "restidos para meninas de 5, 7, 9 e 11 anos. bonita ou não. Sabia só qua ~ pareda uma menina, era mui Naqula noite - da chegada to fr;ígil de corpo, delicada d<, cte Leninha em Santa Marü feiçõPs. Lembrou-se do instan- CAPITULO XIII O NOSSO FOLHETIM -ele seguiu o mesmo cami- te - e foram muitos instan • nho das outras vezes. De ve:!: tP.s -- cm que a teve nos bra– em q,1ando olhava para trás, ço3. '·Estou acostumado a es o,;:.ervava se nãc estava se:1- sas coisas, mas não sei - en– do seg11ido; e se ouvia al~,..t graçado - fiquei impres.,ion:i.– ma coisa, u::1 rumor que, ás do. "Era isso que o surpreen– vezes, era de um bicho, escor.· dia. Homem bonito - D. Co~– dia~se detrás de uma arv0r.~, &uelo não .exagerava a seu res– puxava o revolver e ficava n. peito - encontrava facilida– escuta, de tocaia. Só pros:m... óe demais. Sua vida 9.moro•n, guia sua marcha qua.ndo ve não oferecia problemas; e c!c "Meu Destino E' Pecar" Romance de SUZANA FLAG Direitos de reprodução reservados em todo o Brasl1 pelos "DIARIOS ASSOCIADOS" rificava que não havia nadd._ tal maneira que a sua convie.• que tinha sido uma ilusão su<1., ção era de que nenhuma mu- gina, Regina". TUdo sacriflci– nada mai3. Seu itinerário, atr& lher lhe resistiria. "MauriciJ l'a, tudo abandonara por amor vés das florestas, era, pro:;>;- está muito mal acostumad 1'', dele, Maurício. Vivia só, no l sitadamente, o mais confu:i, era o que se comentava. E es • meio da floresta, com um uni pussivel. Ele sempre levava ~m tava realmente. Aliás, criar<;.-• co criado, Tião. Mauricio é !conta a hipótese de que es se ouvindo sua mãe r epetin · auem lhe levava os vestid•i,, 1 . tava sendo seguido ; e a 5 ic1. do: "Não há ninguem mr,,is b,, as meias, os lapis de batom, e como se qu!!zesse confundir. nito que você, meu filho . Dmi- trazia as novidades da moch\ · 1 C:esp}star qualquer pessôa _:iua do que uma mulher .. . " An • 1 ··01ha, isso aqui estão usanrl,c porventura o acompanha;~•' . àando, na noite, ele pensavb agora". Eram luvas, chapéu:::. !De comum, não parava. M-isjque a conquista de Leninhr~ isa.patos :ibertos no calcanh1 ·: 'ésta )10ite se detinha de 11; era uma. coisa que estava nel.~. ltechados. Ela vestia, usava tu– em quando; uma vez sent0u 1 na sua vontade. "Basta que- do, só para ele, para recebe-lo numa pequer~a rocha - esta • rer" , foi o que pensou no mc.ü à noite. Era até impressionan-• va dentro da floresta - e Zt- j da noite. Não levava em CJ'1 • 1 te, esquirito, fantastico - ,ei cou pensativo, varias minuto.,. ta a vontade de Leninha, o lá - vêr uma moça linda, vas - A ima~em de Leninha J-"'' seu carater, o seu direito de tida em grande gala, pintar\:.-. €,;Uia-o. "Eu podia. ter ficad,J dispôr de si mesma e o seu de - naquela cabana e naque 1 ..:: hoje na fazenda" Tinha a im ver de fidelidade ao marid,,. ermo. Regina era assim. Tinn~ pressão de que, naquela .ui~ Contava apenas com a sua fi medo de perde-lo - de perder te, podia suceder uma traJ gura de homem, a sua capaci e, seu jovem deus - e sempre dia em Santa Maria, entre da.de de se fazer amado. ')e que ele chegava na cabana, 1:5. Paulo e Leninha. E essa pos;:;i • súbito, pardu. Um nome lhê estava ela, perfeita, irrepree,1- bllidade que lhe corria ago ·1:1. veio aos labios: sivel e, sobretudo, linda, linda r.o meio do mato, fêlo par·:t: - Regina! Agora, que a imagem de Regi- l Hesitou alguns momentos, qua-• Seu rosto endureceu na som- na se 1ixava no seu pensam~n. se - esteve por pouco - vol •· Lra. Recomeçou a andar, 0u- to, ele ia esquecendo, pouco u tou atrás. Mas, ao mesmo tem- viu u!ll barulho distante, um pouco, de Leninha. Apressou o i:;o, lembrou-se da mulher que relampago e:r-cheu o céu e ~ passo e viu, por fim, entre ar– e esperava - era realmente floresta Estava quase cheg:in • vores grandes, a casinha, es. uma mulher - e continuou. O I do ao seu destino. Mais um condida, uma casinha feita de interessante é que não estilvil. 1 . pcuco veria a cabana em !U•! t.1oncos, como no Alaska. P~l9. l certo ainda, não chegav'.l. h Ren:in'l, morava, passava se111 -janela, saía uma luz escassa uma conclusão, se Leninha t:rn cias de mulher solitária. "Re.- (ne,m eletr!c~dade havia; e1·.-. candieiro). Ia gritar: - "Re– gina" - quando viu o vulto d~ Tião correr para ele, de bra ços abertos. Teve um choqu,!, um mau pressentimento, qua~P correu tambem. - "Seu" Mauricio! Depre,;– sa. "Seu" Maurício! Entrou correndo; e viu: Re– gina, deitada, e o sangue cor– rendo, em quantidade incriv,:·. Regina tinha cortado os pul • sos; estava palida, de olhos fe C'lmdos. Só as mortas eram na– lidas ássim. - Ela se matou, "Seu" M9.u– •:icio ! Ela se matou!. . E o velho abandonou o p?– queno quarto, foi chorar 1á fó– ra, debaixo da noite. Estreitou ainda mais o ab.9,· çc, (queria que a mulher ~ri . tasse) e rept>tiu: - Que é que adianta voce gostar mas do outro, se eu so·, e· marido e faço o que eu qm– ser? Adianta alguma coisa? - Não faça isso, pediu Le– ninha, qu11.se gritando, faze,1 do um eaorço doido para ná.L• gritar - não faça isso que mA marhuo.t. rault., riu, na e,scuridão; tevt (~18 aquele riso silencioso que o :a cudia como uma tosse absu!'– da. Ela não podia mais e d'3- bater, espernear; estava tolh.– da, presa, sem poder fazer ,rn. movimento. Nunca pensara que um homem pudesse ser tão for– te e que uma mulher pude'i-;~ ser tão fragil. O marido fala– va, agora, dizia-lhe coisas nJ ouvido. parecia estar achando uma graça infinita naquilo t•1- do, querendo exaspera-la até P loucura: - :Mas se eu quero mach11 • car mesmo! Se é se machucar! - Vai ver - foi uma ame& • ça d€sesperada e infantil - ,ai ver querendo eu sair daqui. E chorou, vencida, humilha. da, molhando o paletó do m-J. • rido, na altura da gola, com R.S suas lagrimas Ele. então, de • safiou a mulher; sua voz d<:?i– xara de ter humor, ironia, pas • sou a revr.lar a irritação qu~. pouco a pouco, o invadia: - Por que é que não eh 1 ma por ele? Chame agora: - Chamo sim: Maurício -Assim, baixinho, não. Que ro ver alto: Mauricio! Mas gri– te mesmo! · - Mauricio ... O nome saiu imperceptivel eia não tinha voz, aquilo ,ré'l. ouase um murmúrio. - Que é isso? Bere! Ande. berre! De novo aqueel riso su:· :t,, . Que odoi, meu Deus, que odi0 Sentiu que ia se humilhar não aguentava mais - pvr que é que as mulheres são l;ã , mais fracas que os homen'3 ' Sup 1 'cou chorando, . com tuio doido por dentro, amassa·h Dignidade, altivez, tudo tinha àesaparecido; preendentes. Na Galeria Charpentier reunem-se pintores, esculto– res, criticos e escritores de vários paises. E a surpresa. é geral. Aq9ele homenzinho simples, com jeito de campo– nês, provoca os mais since– ros e calorosos aplausos da critica, vencendo tudo, até mesmo as divergencias ideo– lógicas. Não há escola, não há correntes de pensamento, não há nem pode haver ne– nhuma prevenção poutica. O que ali vêem não é uma tentativa demagógica para impressionar; é o sofrimento do mundo. E', sobretudo, o sofrimentu de um povo, que o talento de um artista sin– tF,ro e honesto transformou na t!lais legitima e poderosa. tealidade humana. Ali está o mundo em toda a sua cho– cante e cruel realidade, jo– gado nas telas depois de pas– sar pelo filtro da sensib!li– dade de Portinari. Após essa consagração de– finitiva, ele regressa ao país, contente por havê-lo honra– do uma vez mais no estran– geiro. E' o mesmo homem simples e bom, o mesmo jei– tl, de camponês, cada vez mais fiel à sua Brodowsh.1. - Me largue, pelo a.mor d~ Deus, me largue! - Só se você pedir perdão. - Não peço. . . Estúpido! - Então, melhor. Vamos fi- car assim a noite inteira. Ele afrouxou um pouco. La· ninha pode respirar melhé>r, mas como lhe dotam as coste– las ("Ah, bruto, ele vai ver, eld me paga"). - Que é que você quer de mim? - Peça perdão. - E depois você me sol+' - parecia uma criança. - S0lto. - Perdão. Pronto. ,A.Jl'a solte! - Assim não quero.• ,~m que ser uma coisa vinr' '11l fundo do coração. - Perdão. Peço-lhe le r-ie perdoe. Agora me la 1 e, m11 largue e acenda a lu, - Você viu como :ª a .nt– nha mercê? Eu 1"' 1 ª fazq'! agora o diabo. ·Mas 10 . f:lço. - Eu sei - b~ UClOU, na. sua humildade de llher, n:al– tratada, pedindo Deus qu • ele não a aper..,e de nov,:., com aquela forr-luase sobre · humana, triturJra. _ Mas eu J farei n--..14. Pcrque você ; me iater~3~ sa... . Repetiu, t• 0 -a amda n ')S bra,;c.s, sur11ando as pa .- vras: _ você . me Jnteressa 'i- s1camente .:la. Nao a~ho gr-1- ça em VJ Acho voce desin teressant Magra, ossu.:h. 'c.!I.and" JU perto de você, é mesmo ! nao estar diant1;; rle ·nuJ nenhuma. Agor·t, , ou--s~ ibora, ca:1mament'!, percel' Passe mmto b~m (Continli,.1)

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0