A Provincia do Pará 20 de julho de 1947

Domingo, 20 de julho de 1947 A Americ:a--Como ela I e Regina PESCE (Pa.ra A PROVlNOIA DO PAU') 'Knoxville, Tennessee, ju– nho de 1947. Deixando Chattanooga, se– guimus para Knoxville.. onde paramos uns dias. Knoxville é importante centro de ex– portação do algodão, inten– samente cultivado em t oda a região circunvizinha, sen– do, ainda. grande produtora de mármort. Sede da Uni– versidade do Tennessee, ti– vemos ocasião de ver, 11,0 a– travessarmo~·-suas ruas, gru– pos alegre1> de jovens estu– dantes. nos seus uniformes, alguns dos quais bem visto– sos e, à noite, quando esta– vamos tomando um refrl!sco. num drug-store, o estabele– cimento foi invadido por um bando de moças e rapazes, os quais, findo o dia de es– tudo, reunem-se aos grupos e vão ceiar. ou simplesmente qonversar. nas confe1tarla$ da cidade·, numa demonstra– ção viva de uma cama rada– gem que o cinema tant::i.s ve– zes nos mostra. A :r,oucos quilômetros de l{noxv.ille está, Oak :Ridge", o 'ilar" da bomba atômica. Pa– ra lá nos dirigimos, curiosos dé ver a cidade, que, em três anos, não somente nasceu do nada, tornando-se a quinta cidade do Tennessee, como Re transformm.1 ,-- ,•··· - de. numa das cidades histó– ricas da Am~rlca. Ao chegar– mos a meio caminho, porém, uma sentinela nos deteve, explicando que nosso ingres– so somente seria permitido mediante licença. de certas autoridades, pois o lugar a.ln· da está sob vigilancia. mili– tar. Perdernoa, assim, a opo;-– tunldtld& de ver Oak Ridge, p'bla não tinhamas mais tem– po de arranjar um "_passe" como jornallst$s, o que, áe– g11ndo o guarda, noa abriria as portas da cidade. Pode– mos, entretaQto, contar uma pa rticula ridade interessante, ligada à história da oomba Rtômtea : é que, durante sua ~onstrugão, não somente oa habJt.antes de O&k Rldge, co– mo oa próprios h omens que nnla trabalhavam, nada sa– bi.lm do que se estava pre:– r,arando. Apenas um numero Hmitado de engenheiros e oficia.is conheciam esse plano e, ainda assim. varios deles e,perias sabiam sõbre a parb de trabalho na qual traba– lhavam, nada conhecendo sôbre a parte dos demais. Isso criou uma atmosfera ·de i?realidade, pelo fato de se trabalhar fe"oroaamente. dia _ e noite, para prod-qzir na.da. . . que pµdesse ser vis– to ou tocado!. . . :Podemos imaginar, portanto, que os habitantes de Oak Rid.ge hão de ter ficado mais surpreen– didos do que ntnguem, ao sa,– berem que dali salu a. arma c._,Jo poder r.sst'lmbrou o mundo moderno. Com nosso projeto 1::::di– ficado, desviamos caminho e .fomos visitar o Norrls Dam. Esta repre$a, com 25 Olltrari. entre as quais a de Chlcka~ mauga, qU:e conhecemos per" to de Chattanooga, formam o plano gigantesco do T. V. A., ou seJa, o contro\e do Va– le do Tennesse. A t.,acia do rio Tennessee, que cobre uma árt,a de 40. fl00 milhas quadradas de território em sete Estadas, estâ. hoje aos euidados do T. V. A. que, por meio d.e wn empreendimen– to grandioso. conseguiu dô~ minar as enchentes do rio, l)rov~ das pelo excesso de chuvas, como pode, ainda, ir– l'lgar os campos sedentos, nos meses de sêea, gar'3.ntindo– lhes a fertilidade. Não fosse o Amazor1as tão violento e indomavel, e cer– tamente seria possível pen– sar nam trabii-Iho desses pa– ra a nossa Amazônia. Antes de mals nada, naturahnen"' te é preci~o es}'>erl:!,r que os cofres do ;Brasil disponham d.e uma importancia tão fa– bulosa como a que sefia ne– cessária para um empre~11- dlmento desses. Ãpesar de que não tendo () Vl=lle Ama~ -tllõnJco um declive tão acen– tuado como o do Tennessee, não saberia.mos se seria pos– sivel ai)llCp-1'-lhe este i,ro– ct~ de represa11, para con– trole de sua.s aglJ.aS. Temos conttança, :P.ortlm. de que um d,b algo aerâ feito para levar o progresso para e~a região qqe, hOj e, desperdiça, 1ma !ertutdade inutilmente. Com que prazer veriar.-:>s aqueles campça infindos cobertos de wna veget.a~ão que fosse ali.– manto e f011se riqueza t Mu vamos. esperar n~e dia, ou antel!. vamos traba– lhar, por eMe dia ! Dia em q1,Je a. A.mazõnta. deixe de ser ~unto para a Literatura e ae torne urna dH melhores paglnaa da Economia do pais. Dl& em que a Amazõnla, em vez de gerar 11acys e ina.ti: h- tapereras, em vez de abri• gar doenças e insucesgos, contribua com o seu poder e a su.a !or~a pal.'a mais en-, rrandecer o BtasU l ••• A PROVINCIA DO PAR.A' TRES POE Osvaldino MAR~U~S (Pa:ra os "Diários AseociadÓ&") R ECESSION A L M&.i.s parece um regresso ... A volta sôbre os passos num gesto de sabedoria; Não mais o horizonte apetecido~ a praia de origem: .'\. renun~·ia con~entida; mudo retorno às sombras. Cambiatttes vi,;;ões, já não sois im,prescindiveis, Um caixilho de paisagem já ba,sta para os olhos, A hirta mo ~1tan.ha ensina humildes aceitações E a noitt cnmpacta acaba por persuadir. Sim! Alguem sangra em paixões inconsoláveis E há labios porejando de desejo. Alegrias inaug 1 ,1rais irrigam coi-pos em crescimento, Alguem arrosta carceres por uma idéia generosa. A vós, (lUe ensaiais vôo, digo~vos que é um milagre, Nâo vos retardeis por mim - Desafiai os céus l E' dever do capitão sossobrar com o navio. • SONETO DO "QUATTROCENT() ,. Urdi.:.n.e de alegrias e pesares, Fios de sr.•mbra e luz entremeados; Intriga que se não trama ern t eares, Alcatifa ele sonnos e cuidados. Cairel unido que o viver descarda E o manto nobre envilece em andrajos; Vinr.o que com o tempo se abastarda, Fragata que naufraga entre naufrágios. Rio mero túete no escoadouro, Astro quão mais subido mais poente, Leit,o de aruor esquife de desdouro. Após tanta labor descontent ado, Que é víver se o premio dado à gente Mai.3 abate que exalta o premiado! POEMA. Do centro da infancia envolvida em Bruma Chegam-me gritos de homens do mar. Hom0ns do mar n a cerração difusos, Não vos guardo a face de musgo e rochedo, ~- --'1! - - --A. - -' - ARTE E LITERATURA - Págin a 7 ----- ------------------------------- ------- 1 N T I A Conto ele Breno ACCIOLY (A José Otávio de Freitas J unior) ~f;es de vagir, ae destnoq&r o: ventre por in~rmédto de forceps, quQ.n.t10 o :ntéd,Jco, n\tm.a últl~ tent,i.tiva, já. ,e dlspunl"!• a reoorrer a um11, cesariana, o anjo que iria- cl,~lglr o~ de11.ti • l'lOS <taquola. mentna pareceu ser m4u. l)Uu, porriue nu11e.11, mais a ~ claquell:L criança p~vai·ta do a.conch6go de um eoleh/i.o, da. alvura dos lençól,ç, nunca ' 11u1ris sentiria o ehe}ro cie 1'!-lfa– ~enui. que se qu,etma n_a., .~– térpfda.d.es . :Máu. ~rque, então mortii,, ficà.rl: l, a pobre mulher al!'lda por tnuito tempo à e~pe– ra. que & ()Utra. vide. !<>~~ salva para que the dessem um CQm– prido e.strado à guisa. de ca.;na, para q-qe lhe parecesse o pretu• me qaquele cofre uma. escuridão de noite. l(á, 'uma llo-r11- que a mãe nio sentia aquelas _dôres, a princi– pio vagas, toleráveis, depoi5 violentas, cortantes. Aqueles chutes que lhe pareciam ;asrar o ventre. aqueJes cole!$ de bi– cho bravio, acua.do numa fur– na estreita, havi11,m deSl!,pa!'e- 61do por completo. Há uma hora, de P.eito gelado, as mãos geladando cruzadas naqu~lé gelo, enquanto uma vela, à ca– beceira, mornamente, amarela– va-lhe a fronte. De cortinas cerradas o quaftõ fioara C!lmpletamente _ em 111• lencio, como se os . metros de f!ló pudes.sem amert,cer o veato, tàmbém pude~sem os tUolos se . separar à maneira de q.ma bôca que se· abre e se fech-1!,, pari,, engulir tõd.os os ruidos qt\e che- • guem da rua. . Pesaroso deixou o pat &,!'tuela. improvjs!14a çA.ma:ra arde{-1~– ,\batido li se !oi abafando os P11ssos pelo corredor, de cab,ça baixa, de corpo bambo. Mas, ao ver. pela primeira vez, aqueles gritos de carne nova, ao ouvir a sua filha.· chorar, e5queceu-se de que, em breve; a sua espôsfi iria embarcar numa slngti11~r condução que aceitava, apenas, uma. passagem: a de ida. E. fi– cou ·abQbalhado, ansiando tom&r a filha., eatrett.á~la J:t()S braços. e beijar, beijar muitl'/,s ve;i:es aquele rosacto corpinho, aquflles ell"\os que mal se abriam, aque– la cava de ossos mole~. Nem escutou a · repreensão dl:l, enfer– meira, nem sep.tlu que q'a mão lhe batia no ombro, convidando– º a afastar-se dali para não contaminar 11, f!Ureza. do berço. Apeµ11,15 via e escutava aqut>le bóltdnho vagir, se \Jrin&ndo de m!j.ozlnhas tra.ncad11,1, fazendo earetai;. A beira. do berço o :pai enfiou ~ m~s nos bolses para não evidenciar aquela nervosa alegria. Sem !!Orrir, má.o: com uma. expre~ão de feliciqade & lavar-lhe o rosto (a enfermeira o havia repreendido novaf1'len• te), voltou para junto da e~– põsa. Mas, desde então, nin– guem mais o viu chorar, cobrir ,,., nlhrui ,-r,m n le.nr ..n A.mA.n-0- (Copnllh\ dOI Dlince Mmdadoel empoa.vam. IOI poucos o pó ta ~ greta.lido, &e r~endc:>. dd– xanao fl. impreaalo de que a. faee de Olntia. f6ue um pa.ntaM, que houveaee secado t1, lléca, a lama se fendem,. À vo1 pa - :reela sair de wn quart.o escuro onde um tJalco, ao pedir um co– po 4•'81Ja, extenorlllaue a rou– quldlo de ~ua. doen~- Nlo se d~ nvolviu - como u a mentl'la. âos doze anos nerüluma ond)J– laçfin arrebentou-lhe a secura do :peito. Masro, e.nzuto, mais puecta.m 01 eeus eeiOa duaa tea• tas, dota :pedaços de minnore. qualquer objeto que fõeae plano e frio. ~ to pobre de carne, escorresa.vim as ancu pelu c:ox , a. oo,tt.a ~ perna.a, eomn M tudo ~ fõase um único rnom o de -00mpl~ ra.qu !tiea. O vestido, como ae ocúltasse o pudor de uma vaa– soura, mas de uma V&l$lura eqorm.e, de rna,dei~ de lei, que, de tão resisten~ . chq&Me a varrer o sujo de tr~s ;erações. E neJ1huma pulseira pudera e1T1beteza.r.1he oa braços, nenhu• ma voltll., no pescoço de Ointla, pudera. reter dentro de si a frieza mutnha das pérolas. Ne– nhum exagéro nessa.s com~a– raçõei;. Quem eaereve esta hls-. tória. não se· encontra vestido de e11-pa. :rireta,, não deixa cres~ cer a · barba, nem ~ pouco é um méq.lco que fôsse capaz de aba.ndonar a. sua profUSllão para !icl!,r com 011 oll~os cheios de sonhos ! Nada disso. A metamorfose da J:Q.enina Oíntia. eJ.1\ adolescente fõra se– melhante a de um m,eiüno que, ao se sentiJ rapa;, continuasse CQmo fõra. d'antes, f;raoo de pe!to, pobre de alegria, tnsatls· feito consigo próprio; Pelas gengivas de Ofntia um dl!ln!:e ise ql!~ctava de outro. com.o se t! J.ls fQ.l~s !<>s.liem ja– nelas para. a a.stüda de 1eu co– ração. Di,pols das refeições lá ei;tava a lfngua a deter-5e em tais janelas, à. maneira de quem limpasse porcas vidraça.s. Ami– gos ? Colegas cl,e escóla ? Dua..s perguatft,s que forçarão horrt– veis resJ)ôStas, mais uma vez podendo eomprov11-r a esqueJ1iti.– ce .daquela razão, o retarda– mento daquele tnstint.o. empa– ca.do como um '!)u:rro, que se reeUBa.va a compreenel,er ª!I ne– ceestda.des da v1da, impossibü!– tado de d!ferenciiu- as letras C'lo alfabeto. Como aprender as · 25 letra.1 de Cíntia, às vezes, (;en– tla,-se cadela, depoi,s girafa., · en– firn, qua~quer outro animal que ·apenas vivesse pa:ra comer e dormir ? Como poderia. Cintia reconhe.cer u cores, se, como égua, rel1ne}).ava para depois correr desen!readall'lente, ro:– çando })tllo muro do qu!~tal, de cabelos ao ve:nt-0, à. procura de um maeh,o par11, o seu cio ? )41.s <bem pouca,5 foram ~as vezes). Cintia também voltava. a ~e sentir mulher: U'a mulher nnA t.tvp;;:_qp $t. l"A-mnrAAnd~ "1.ni: : tar o bucho do eoelhJnho. sem• pre a responder-lhe afável : - "Bom dia, minha querida". :a: esses gestos de Cíntl pa• r11ciam abrir um clarão na tr!&• teza do pai. Lá no sotão, a.bo• t, op.va, ~ olhos em cima da ti• lha, coroo se o imã que deles artlsse fosse um Poderoso in• grecllente que completa~ & manipulação de -um derradetr~ r médio. E o pai chegou a acre• ditar na cura daquela doença 1 Como um milionário que pre• cl:;a.sse gaatar muit.o, ·multo, p.sra que por uns t.em.po :-: pu• de5se d,eixa.r de sentir o pe~o /'\e uma. abarrota.da fortuna , c:Jmo um louco lá se foi de con~éroo à fóra, comprando rodas a bo– neoa.s. todos os velocípedes t udo, toda. eapée!e de brinquedo. E veto de Nova Jersey um poni de pelo macio. para. Cintla. ave– ludar a.s mão:; quapdo lhe ac• • ricta1159 anc . Horrivel surpre&a I Tio ru– na,ta, como se a. tragéc:U do .Apoclipse surpreendesse, de re– pente, aquele pai t Surpreen– de como um raio que df.s• trul!ae tudo. queimas..,;e todas a3 folhas de um livro querido qu tivesse Cl!Crito na capa : E·T'c:– rança ! Como um raio que o queima.sse pa:ra sempre, que o queimasse até as cinzas· que, invisivci11, evolassem como o oxigênio. o pai derreou o oorpo sóbtt o peitoril dn. janela, como se tivesse sido dividido em dois por um alfange. Lá em baixo Cfn– tla tocava fogo nas saia.s das bonecas que, l!,marr11.das umas à~ outras pela cintura. come– çavam a arder. Tocava fogo no urso, sacudia o coelhinho no meio daquelas brasas lcer • mente as mola.o: daquela enl!Te– nagem, com o choque, assumi• ram a repetição das cordas doa relógios), e, mesmo depois de tõrrado, os ferros de seu bucho Jetnbravam em est,ranho esqúe• leto que tivesse carne na bOo& e repetisse cada. segu.odo : - "Bom dia, minha querld,•, O pai amaldiçoou a DeUI, espalhou aos quatro ventos qµe Deu:i o havia esquecido, que 61e não era um Jab para. aguental' ta.manha desgraça.. E aposenta· ram-no aos 42 anos, deixaram– lhe de dar aquelas tarefa11 de medir terras, nin~em ma.li o v)1.1 oom a.quele chapéu de agr6- noino, de botas, de culote, de blusão pardo, de trena na mão, subindo e descendo morros para determinar. em quil.ômetrot quadradas, a superfície de en• co~tas, planaltos, vales. O p!l,i não podia mais deshu• ta.r a paisagem ctue a janel~ a.o totão lbe oferecia. O rest.o C:a vida passa-lo-ia em cima de um colchão, em estado de uma semi-coma que jamais lhe per. mitisse raciocinar. Cheííou a ae esquecer do próprio n<,me. 4e nu.e era nai. viúvo. de 1'111 ti.nhA..----'

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