A Provincia do Pará de 13 de Julho de 1947

lindas praias e areia pratea– da. E, para os colecionadores de conchas e buzios, as ilhas de Senibel e Oaptiva oferecem a espécie mais rara da Amé– rica, a chamada Junonia. Uma história interessante envolve o nome da Ilha Captiva, pois que foi assim chamada por ter sido o refugio, em tempos passados, de um bando erran~ de piratas, .sob o comando de El Jose Gasparilla, os quais guardavam nessa ilha as suas mulheres captivas. Uma bela Doca de Yatchs foi construida às margens do rio Caloosahatchee, pouco distante do centro da cidade. Ali an– coram as elegantes embarca– ções de . recreio, como também os barcos que se destinam à pesca, singrando as águas do golfo, na sua faina diária. Como curiosidade, Fort Mycrs possue um, dos únicos dois cor– ll"eios ao ar livre, que existem na América. Por fim, Fort Myers abriga uma das maiores escolas de ar– mamento aereo do país, a Base Aérea de Bucklnghan, onde, pe– los métodos mais modernos, é ensinado o uso de todo tipo de armas empregadas pela aviação. Ao nos afastarmos, ainda noa apareciam, ao longe, as be– las poincianas reais, enfileira– das ao longo da avenida, 1n– çendiando a cidade com suas flores encarnadas. Foi a llltl– i't)a visão que tivemos de Fcrt ~ers••• VIII Daytona. Beach, Flórida, maio de 1947 Puzemo-nos, enfim, a cami– nho do Norte. Demos adeus a Miami numa manhã clara e tépida, levando no coração uma saudade mansa dos amiguinhos passagei:ros que deixáramos, também daquelas ruas alegres, e de cada individuo que cons– tituia a multidão anônima e acolhedora.•• MJ;ts era preciso avançar 1 Assim, Qorrendo maciamente sti>bre estradas bem calçadas, o carro nos foi levando ao en– contro de novas sensações. A primeira cidade de maior importancia .foi alcançada após pouco mais de duas horas : West Palm Beaoh. A cidade é bastante movimentada, pos– suindo um centro comercial re– lativamente grande. A paisa– gem mais linda, entretanto, es– tende-se para o lado da praia - a famosa Palm Beach dos milionários. E' a.li que figu– ras mundialmente conhecidas nos meios financeiros têm suas propriedades, que ocupam du– rante o inverno. Palacetes lu– xuosos enfeitam as largas ala– madas, onde majestosas pal– meiras se alinham, às vezes em quatro filas. Um dos maiores cuidados do americano é, efetivamente, a arborização de suas cidades. Enquanto Belém vê suas famo– sas mangueiras desaparecerem, impiedosamente, aos golpes de um machado inconsciente, em toda a América se gastam mi– lhões para a conservação das plantas. E, ao nascer uma ci– dade, o primeiro cuidado é tra– çar-lhe as ruas, margeando-as eom árvores que serão, amanhã, ~u enfeite natural. Assim, Es• tados originariamente pobres de ~etação gozam, hoje, a aombra de belas árvores, im– portadas há. dezenas e dezenas de anos, para que chegasse o dia em que a cidade pudesse aprese ;i.ta .;--.se "vestida" - e ,_,__,,....-,;;.x:;:.1.----.. .1.uu uo !-'~ La. a corredores célebres, como Seagrave e Campbell, que aqui bateram records mundiais de velocidade em automovel. Antes de partirmos para Ma– rineland, nossa próxima. etapa, fomos, é claro, dar uma corri– daz1.nha sobre a decantada pis– ta e é preciso afirmar que o fiel Hudson se sentiu inteira– mente à vontade, mesmo quan– do o obrigamos a correr a uma velocidade de 110 quilometros ! Após duas horas e meia che– gamos a Marineland, onde gastamos uma hora inteira visitando o famo30 Marine Studios - "o primeiro e úni– co ocenar1um do mundo" - onde um oceano em miniatura fo.t creado. para deleite dos tu– ristas, como também para estu– dos científicos. Oonatituido de dois grandes aquarios, um redondo e outro alongado, os peixes viveµi ali, todos junto$, e não divididos por espécies, como se faz em geral, nos aquarios. Situado às margens do oceano, dali mesmo é tirada a água para os aqua– rios. à razão de vinte milhões de litros por dia. Marine Studios obedece um estilo interessante. tendo sido dada ao seu topo - espécie de terrasse onde os dois aquarios estão a descoberto - certa se– melhança com o oonvez de um navio, pois a grade que os cir– cunda é no mesmo estilo das usadas nos vapores, não fal– tando as brancas escadinhas, os tubos de ventilação em forma de cachimbo, e atê mesmo um pequeno mastro. O ,·tsltante pode apreciar os peixes de cima, diretamente através da água ou, começando por baixo, na parte interna da construção, onde 200 janelinhas de vidro duplo se sucedem em três andares, permitindo-lhe uma visão nitida do que se pas– sa no fundo do "mar", assim como dali é possível ver mais de perto ·o movimento dos· animais. No fundo, como que naufra– gado, os restos de um navio carcomido dão mais a ideia da realidade, como há, também, um recife de coral ele 7 tonela– das, o qual protege os peixi– nhos menores da voracidade dos "fortes". Deslisando calmamente, ou nadando aos pinotes, sozinhos, aos pares ou em cardumes - passam aos olhos maravilhados do visitante, tubarões, delfins, arraias, tartarugas, e centenas de outros peixes, enormes e miudinhos com chifres, chatos e longos, azues, amarelos, ver– melhos, listrados, barrigudos, ameaçadores, filósofos... Se sua chegada coincidir com a hora de alimentação - que é distribuida de manhã e à tarde - terá o prazer de ver um es– canfandrista, descer ao fundo dos aquarios, distribuindo a far– ta ração de peixinhôs, que cer– tos "fregueses" vão buscar em suas próprias mãos ! Enquanto que os delfins - aqueles ceté– ceos brincalhões que acompa– nham, aos saltos, os navios, mar enfora - se divertem, não somente assaltando o escanfan– drista, como também dando sal– tos espetaculares fora d'água, indo buscar o petisco das mãos de qualqui;r visitante, que dese– ja apresentar-lho 1 De máquina. em punho, ten– tamos fotografar o focinho en– graçado do grande mamífero, ou o passeio de um senhor tu– barão, o qual, orgulhosamente, não se dava com os vizinhos, ....... ..,...., ............ -.......... _...,. .......................... ,.. Autores Dramáticos e Composi– tores da Inglaterra, um prê- mio anual no valor de ....... . Cr$ 40.000,00, destinado ao es– critor britânico de menos de 30 anos de idade, autor da obra !iteraria de grande valor. O dinheiro do referido prêmio, se– gundo desejos é de que os es– critores que recebam tal prê– mio, conheçam os costumes e o modo de vida de outros paises, aumentando assim sua proprle. experiência. A comissão julga– dora, para os primeiros tres anos, já foi escolhida e será. composta de 3 membros. WALT WHITMAN VISTO POR GILBERTO FREIRE A obra poética de Walt Wh1t– man, dos maiores líricos da. América no século passado e em nossos dias, só muito recen– temente começou a ser divul– gado no Brasil, por intermé– dio de uma excelente seleção de poemas, traduzidos por Os– waldino Marques e publicado pela Livraria José Olympio Edi– tora sob titulo de Cantos de Walt Whitman, na sua bela Coleção Rubaiyat. A propósito de Whitman, o ilustre escritor Gilberto Freyre, que em breve nos oferecerá um novo livro - Interpretação do Brasil - pro– nunciou este mês, na A. B, I., uma conferência, ("O Cama– rada Whitman") sobre a vida e a obra do grande poeta, a convite da Sociedade Amigos da América. Deu o famoso autor de Casa Grande & Sanzela, à figura e à obra de Whitman, ' uma interpreta:;ão pessoal do ponto de vista crítico, pois que ele considera o autor de Leaves Of Grass uma personalidade indispensável à com preensão atual da América. RAQUEL DE QUEIROZ E ELIZABETH GASKELL A escritora Raquel de Quei– roz. tradut-Ora do famoso 10- mance de Mrs. Gaskell, Cmn– ford, prefaciado por Lucia Mi– guel Pereira, assim se mani– festou sobre e~se delicioso li– vro, justamente corn:idernndo um verdadeiro clássico na li– teratura inglesa : "Pode-se di– zer que Mrs. Gaslrell neste seu romance Cranford é uma legi– tima continuadora da tradição !iteraria de Ja~.e Austen, a nossa universalmente amada Xv'l.lsse Austen de Orgulho e Pre– conceito. Vê em Cranford a me,nna finura, o mesmo realis– mo minuciorn, mas delicado a mesma arte sutil de apanhar o lado humoristioo dos fatos e das criaturas e, a bem dizer, o mesmo ambiente. Nada, po– rém, de traços grossos de sar– casmo, de tintas fortes de dra– malhão, nem ceticismo. nem amargura. Jane Austen pende mais talvez para o lado do rentimento, enquanto lVI.rs. Gas– kell se inclina mais para a ca– ric::tt.ura; e em ambas tudo é muito leve, com seus traços de humano e de sentido. "Tenho a certeza de que o público bra– ~ileiro vai considerar uma de– licia a convivencia intelectual com essa velhota, pudica, pre– conceituosa cidadezinha de Cranford, - amavel cidade de Cranford onde regras inabala– veis e tão antigas quanto a.s pedras das suas ruas governam a vida dos habitantes, dirigin– do-lhes a oração, a comida, o alimento e as vaidades, inclu– sive o amor, inc~usive a morte". ténêia. Dizia Platão ".Ue a filosCJfia é uma prepara :i para .à mor– te. A poesia, com sua luminosa presença nos roteiros humanos, é sempre de certa forma, uma preparação para a filosofia. Se esta anuncia, aquela prenuncia. O que nos aparece como impre– visto na poesia, algo de eepan– toso e de inesperado, é justa– mentie aquilo que é previsto p,elo poeta. A previsão, está sempre na essencia da poesia. E está sempre em seus contor– nos, na sua capacidade de su– gerir e de animar. E o que ela pode prevenir neste pobre mundo de cenários caídos e de paixões expostas como feridas ? Vimos florir realmenté, por esse desespero,. na França, na Itál!a, na Espanha, na Alema– nha, na Inglaterra e mesmo nos Estados Unidos uma poesia manchada. de 1,angue, contami– nada pelos terrores da guerra, pelos desapontamentos amargos é pelos esforços improticuos. E' que o mundo continúa a nascer, re1<,elando na sua ma– drugada a vida elementar, in– genua, inocente, mas olhada por um.a humanidade experi– mentada e evoluída, cheia de planos e de desdens. Ora, só a poesia purificada,· refeita no seu significado autentico, é capaz de prevenir a humanidade e de pô-la de novo em contaco con– sigo mesma. F..ssa mudança. insupartavel para muitos é, porém, real. E todos .:,5s, ao acomodarmos a nossa vida como simples exis– tência, somos obrigados a re– petir as primeiras indagações sobre ela. E quem as faz por nós é a poesia dos poetàs, ca– pazes de manter a serenidade diante dessa monstruosa rebe– lião das fôrças teluricas, expli– cando pela sugestão e não pelo raciocinio. Ainda, agora, vejo esse estado de coisas e esse estado de espi– rito tocar justamente um dos p:ietas mais in11eressantes do do Brasil atual, o sr, Cassiano Ricardo, Esse poeta de cores suntuo– sas, esse cantor de aconteci– mentos e de paisagens tropicais, situa-se, agora, mais na atmos– fera de inquietações, está tam– bém em contacto com a vida subterrânea do ser. A sua lin– guagem limpida e clara, está, de uma certa forma, caminhan– do pelas grande5 sombras do século. No seu último livro, com o expressivo titulo "Um dia de– pois do outro". há. mais o ele– mento humano do que elemento local, há mais a preocupação pela universalidade dos temas, do que pelas peculiaridades: "Longe de minhas palavra:s", "longe do sol, e de tudo", "sou meu próprio detetive"; "Para me ver, fecho os olhos". "Para me ouvir, fico riudo". Há assim, na música de seus versos, o calor de uma ansia di– ferente, uma inquietação que se prolonga, uma curiosidade que não se extingue. O relógio que tem diante de si, não é aquela máquina de tedio e desencanto, que servia para as turvas ma– licias de Machado de Assis, mas para estimular a sua sere– nidade diante. dos desesperos incompreendidos. "Diante de coisa tão dona• "conservellllO-nos serenos". "Cada minuto da vida" "nunca é mais, é sempre menQ§" Tudo isso vai fazendo de Cassiano Ricardo um poeta ge– nuino da linha da frente, um abridor de caminho, um esplen– dido espírito de vanguarda, um atual, porque êle sabe que não há. poesia sem atualidade. En– quanto que muitos jovens re– ouam para os temas romanti– cas e se satisfazem com o Ber– viça militar no quartel do uar– nasianillmo, Cassiano Ricw:do está sempre presente, sensível aos novos ritmos criadores: quLsera correr mundo", "os pés sem nenhum compro– [misso" "assim como os anjos e os pas– [saros" "para ver se te encontro ainda" "Aqui está. o meu coração ba– [tendo (veja o mapa) " "E' o pequenino rio" "de sangue que passa em mim, [simples arrôio" "nascido no primeiro homem" "e que há de terminar no lllt!– [mo lá longe". ~ toda essa transfiguração de Cassiano Ricardo se opera sem v:i.cilações e dubiedades. O seu vr1cabulário é sempre exato e i'.iminoso. A sua música é sem– pre adequada e sugestiva. O seu colorido é sempre envolvente e cheio de encanto. E isto se dá, porque, nessa inovador, há uma grande experiência, uma· vida que se povoou de acontecimen– tos, que adquiriu para os entu– siasmos expressionais, uma im– pressionante serenidade. "Este rosto que é meu. porque [é nele" "Que o destino me do! como [uma bofetada" "Pórque nele estou nú, origi– [nalmente". "Porque tudo o que faço se pa– [rece comigo". "Por que é com êle que entro [no espetáculo". "Porque os passares fogem de [mim, se o descubro" "ou vêm pousar em mim quan– [do eu o escondo". Abastecendo-se com os temas da vida, com as procuras que a sensibilidade sempre insinua, Cassiano Ricardo sabe, porém, que "a poesia não nasceu na pedra, mas no chão úmido do lirismo". · Alcançou com isso novos ho– rizontes, uma vez que movimen– ta com os dados colhidos num mundo que derrubou seus mu– ros diviSórios e é uma coisa só. E assim pode cantar a respei– to de sua ida a Portugal. · "Saudade assim por herança" "de coisas que não conheço", "chega a ser, quase esperan- [ça" ... "Esperança pelo avesso", "Saudade tanto mais grave" "por nunca ter ido lá". Na unidade deste livro, na sua larguesa, na sua filosofia desprepdida e tranquila, na constancia de seu lirismo, está, sem dúvida, um magnifico poe– ta que soube alcançar sua ple– nitude, num tempo em que, através do desabamento geral, se procura a poesia cõmo res– piração de um pobre ser ferido. E ao ouvirmos Cassiano Ri– cardo podemos ouvir bem a ?'.esp!ração, marcando no seu novo compasso, a eterna vonta– de de crêi: e de vivei:... .1.U.Ç,UV UUlllli:l.VllU COlU. urn lt!• gitlmo e acatado macumbei– ro. Apesar dos convites, po– rém, só quatro meses dep:ils visitamos a Goméia. -x- Os domínios de Joãozinho (jamais conseguimos guat'– dar todo o seu nome), se es– t('Jldem por varios quilôme– tros, à margem da rodovla central do Estado. Pertenceram antigamen– te ao respeitado "Jubia– bá", lendária figura do rei!l.o da macumba e do candom– blé. Deles fazem parte duus vastíssimas fazendas, distan– tes 6 quilômetros do bairro da Calçada, em Salvador, on• d~ vivem centenas de pe<;– soas ou mesmo milhares, to– das elas respeitando e vene– rando o "pai de santo", que, segundo soubemos, nada faiz vivendo na dependencia d~ seu culto, que, diga-se de passagem, deve dar bons rer~dimentos. Depois de an– dar algum tempo pela rodu, via asfaltada que liga SalvH– dor à Feira de Santana en– tra-se, à direita, na estrada construida pelos antigos se– nhores da fazenda e de pto priedade, hoje, de Joãozi– nho. Ao cabo de dez a quinze minutos o automovel vai t~r ao coração da Goméia, onde se encontra o "terreiro", a casa grande e a "casa dE: Exú" - esta um pouco afas– tada - além de outras pe– queninas casas de taipa. As edificações centrais da Go– méia não são luxuosas, nem as construções são moder– nas. Mas o "pai de santo" vi– ve com todo o confortu A'quela época, ainda soltei– ro, antes do seu ruidoso ca– samento com uma senhora paulista que lá permanecera varios meses em "tratamen– to", mantinha-se ele ao par da última moda e a sua ca:;a. apresentava o que se pode de sejar de bom, embora sern ostentar riqueza. Pelas pare– des da sala principal, arti.,• ticamente colocados, podem ser vistos quadros com foto– grafias de figuras famos~s do mundo artístico interna– cional, entre as quais uma. significativa pose de Eros Volusia. Todas as fotos têm sugestivas dedicatórias e re– lembram a passagem pelc:t Goméia, de musicos, canto– re.3, dansarinos, etc.. Fomos amavelmente receb!– dos por Joãozinho. O conhe– cido "pai de santo" é um ca– boclo simpático e elegan+,t•– Mais ou menos bem educado, conversa sôbre vatios assun.• tos com certo desembaraço. Traja-se simplesmente e im– pressiona à primeira vi~,ta. De quando em vez, enqmmto falavamos, aproximavam-se varias de suas "filhas", qne ele atendia polidamente, dando ordens para atende– rem os visitantes,. -x- A'quela noite era especlàl. Celebrava-se a festa de, "dé.– na da casa"• .R~fl~t!ndo a lm;· dõ art1stico disperso, com os seus valores deslocados, quase fragmentados, um conjunto har– mônico, inteligentemente con– catenado, e bem arrumado, a mostrar à gente da terra e a romeiros curiosos e observado– res, os nossos tesouros de arte, como êsse que a Prefeitura pos– súe, aliás já bastante desfalca– do, mas agora em arrumação definitiva, capaz, pela orienta– ção bastante acertada que lhe deu o arrumador Garibaldi, sob a direção e feliz idéia do gestor comunal daquêles dias, o já alu– dido senhor Figuelrêdo. Não pude, naquêle momento, observar o novo ambiente, mas lá fui depois, tomar a minha impressão, de todo lisonjeira e agradável e que me deixou de– sejos de outra mais demorada visita, para uma visão acurada do que existia ali, do passado e do presente. Uma exaltação I Que feliz ins– tante de prazer espiritual, na convivência de velhos mestres eminentes, de jovens eleitos que derramaram por aquelas paredes o seu gênio criador, tanta bele– za, tanta sensibilidade ! Quase genufletf em 1•everência, cheio de unçãio, à. presença de De Angelis, de Parreiras, de João Batista da Costa, de Oscar da Silva, Benedito Calixto, Blaise, Girard, Irineu, Carlos Azevêdo, Teodoro Braga, Levindo Fanzer, e as gerações de hoje, Pastana, Frazão, Mariz Filho, Cota, San– tiago, Monte, Pinto e outros e cutros, todos reunidos no conú– bio das côres, no conúbio da arte com o talento, com os emo– tivos, com os cerebrais, com os celebradores de estados de alma, flagranteadores de atitudes, cor– porificando o incriado, a arran– cá-lo à visão interior do mundo de seus sonhos, no desêjo in– contido de criação, na vertigem dolorosa de suas concepções ... E revivemos, num instante fugaz, um tempo que passou, e o meu olhar tomando certa ob– jetividade, pesquisou de novo a pinacotéca, notando chros im– portantes, ausências talvez nu– merosas de télas de real valor, intrínseco e estimativo, pelo tempo e pelos autores, E um fato recuado relampejou-nos na imaginação, cresceu, avantajou– se e materializou-se. Espiritis– mo ? Vidência ? Parece, porque o objéto dessa instantânea re– cordação alf não estava, alí não mais figurava, êle que fôra alvo, há 35 anos atrás, de sérias e diversas publicações em que tive parte saliente. Onde estaria, Gnde estará o celebrado qua– dro ? E que téla é essa que tanta celeuma le~antou naquela épo– ca? Vejamoa, no comentário agora oportuno, de que trabalho se tratava, qual o seu valor verda– deiro e t'.juanto custou êle, por capricho pessoal, aos cofres da derrancada Intendência daquela época. Vejamos o relato do caso, no que escrevi e aqui vai, e em cujo texto aparece em clestaque a grande figura do pintor mili– tarista francês Eduardo Detail– le, por trás de cujo prestígio se abrigava a audácia impertinente de um cabotino. Eu dizia, sob o pseudônimo de Páris, nêste jor– nal, naquela edição de 6 de ju– lho de 1912, momento de lutas e apreensões, as palavras acer– bas que aquí vão como comple– mento das linhas anteriores. "Bem poucos dias fazem que uma exposição de pintura ocu– pou a atenção do púhllco pa– raense, que se voltou para ela, curioso e interessado, acudindo ao pregão, que em tôrno do CJ!;– positor os seus arautos e a im– prensa ii!i!:eram. O artista, um mact av , à romos f~.t dia cta sua mau~:uração, ,.~, • lhendo um mom,,nin de a.1•s•.n– cia do f'xpositor. Fni r-ur: n, a nossa vl~1ta, e de~;,,;1r:lora a nos– sa imrrcss1io, Ent·:"tant . nc dia seguinte, ali volt.unas, f~t1<lo a Teceber-nos a figuri:;ha do µ!n– tor, mesureiro e salama!ecoso, tre,sand,1rdo a filaucia e dese– qu1Iíbr1o mental. P,:,rco,remos, demoradamente, a galErb.. deta– lhamos as télas, ohsenanws os gêneros e estudamo:: os k:~,1pe– ramentos que eb., revelavam. Uma funda piedac.e inundou– nos a alma, diante daquela disparidade, daquela orgia de trabalhos, que expr\mla.m, fla– grantemente, a alma, a visão, o temperamento de pintores vá– rios, desde o aprendiz claudi– cante da paísagem aleijada, do copista inexpressivo e incaptu, de criar, ao mercenário clos nús. dêsse~ que contam com a eula l!bidinoBa de organlzaçõer. pato– lógicas para o negécio I endc~d. Começamor p A l a s paisagens. Tudo frk, twJo envolto ·.mm verde c.u~ nã.. :> é precisamente o noslJ/J, t ud-i <tJsprovido i',a ar– dência da no';l't-t mç::,, e d: nosso ,,lima. As ág-uas sem rnflexos, núvem-1 empastadas, ecmo nlu– mas de algodão em rar.1a ·e a .,usência da luz caractrri 0 tica de nossa terra tropical, da l11z i;:lc– riosa que ilumina, que dá vida,. que faz a vitória das télas de Batista da Costa, Téles, e ou– tros. Adiante, lrta, dura, sêca, a "Cabeça de Velho", atestan– do, apesar dos seus defeitos, não ter sido trabalhada, vii;ionada pelo pincél das paisagens, mas por outro mais consciente, mais seguro, mais criterioso. E lá vi– nham os nús, detestáveig aca– demias imbutidas em paisagens que subscltuiram o seu primitivo fundo, quadros remendados ex-– clusivamente para efeito do ne– gócio, de um comércio da arte. Adiante, pequeno bucéfalo, mon– tado por um homem de pernas de gigante, que com elas podia abarcar o animal e suspendê-lo, como quizesse. e por fim, o fa– mos') "Ataq,1e a um Comb6b ·•, a té!a vultosa, de algumas Qua– lidades, que completava a obra do moçu geniaL Paramos a con– templá-la. Tcda a feição do ta– lento de Detaille, ali se expri– mia, transparecia no traço, na composiç/'í.o, na fatura, nas tin– tas, no sentimento. Se bem que, certos erros ressaltantes à pri• meira vista, defeituassem o mo– vimentado quadro. nêle est:na, no entanto, expresso o espírito criador de um grand,~ artista e mestre naquêle gênero da pin.,. tura. E logo formamos o juízo de que, ou nqu2le t:-abalho não era, nãq podia se:- do expositor, ou repres~ntava um:3, cópia, se bem que desvirtuada, de 1•ma obra notável. Não prejulr>:áva– mos, tínhamos uma intuição. Enquanto fazfamos tais cbser– vações íntimas, a língua da fei– rista taramelava, preconizando o stm gênio e o seu trabalho. Quase não o ouvíamos, e só de– pois que terminamos o nosso exame à galeria, é que o fomos escutando, prestando-lhe aten– ção. Afigurou-se-nos, então, um propagandista de missangas, e a nossa piedade do comêço trans– formou-se em revolta e tivemos ímpetos de o esbofetear, pelo cinismo com que falava da sua "arte", a quem via e sabia vêr com modesta consciência os ele– mentos daquêle certame. Fugi– mos imediatamente do contacto do intrujão, com a intenção fir– me de tirar-lhe a máscara. Cá fóra voltou-nos a piedade, muito do nosso espírito cristão e de tolerância, lembrando - nos de (Oontinúa na 8a._ página)

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