Treze de maio - 1846

HA MALES QUÉ -VEM PÔR BEM:. Àh ! meu caro J ulio, que gosto tenho de en– contrar-te! que prazer naõ sinto em verte de– pois de uma tai5 longa ausencia ! N aõ sabes, Julio! sou feliz, e feliz quando tu me julgaste desgraçado! Senta-te, meu caro Julio, e escuta o teu amig9. J uiio, que acabava de abraçar o Sl'U querido Carlos, depois de ter desembarcado da .sua viagem á America ingleza, ficou pasmado <la pacifica mudança do seu amigo, a quem elle dei– xára na d,~sgra•; a e luctando com dividas, se– questros, -e com os caprichos da sua querida me– tade. Conta-me, Carbs, conta-me ,qual foi a fe– liz mudança operada na tua fortuna. Ti\'este alguma herança? sahiu-te o premio grande <l'al– guma propriedade em Vienna d' Austria ? Não, Julio, lhe disse Carlos, tendo despido a casaca e tirado o lenço do pescoço; a minha feli– cidade provem da minha pobreza, ha males que vem por bem. Attenrle-me, eu to conto. ,Julio, eu sou o mais fefür dos homens dPpois de estar arruinado. Julio desenrolou um sorriso de de– sapprovaçaõ, e Carlos muito satisfeito conti– nuou. Olha, meu Julio, eu era rico, vaidoso, e gastador. Minha mulher, creatura bella, - joven, e caprichosa como saõ quazi todas as mulheres, tinha um trem de grande luxo: sPges, cabriolés, phaetonte~, parelhas, horsas ingleza_s, lacaios, jocques, &~. Eu nan era senhor de a ver um instante em todo o dia. A Fidalga, J ulio, assim se appellidava minha muLier, andava sempre por casa das amigas e das :\fodistas; de manhã viaj ava no Palais Royal, de tarde nas Tulhe1 ias, á noite no Theatro ita– liano ou 110 Theatro francez. O mais apuradi– :nho Elegante ou Leaõ, o mais alfazemado, era o seu est:udeiro ás ordens ! Os credores saltáraõ em cima de mim! penhoraraõ a carruagem e os cabii\)!es da fidalga: ella agora está sempre em cas,, ! nai5 ha felicidade como a minha! Cada um de nós, ó Julio, tinha o seu quarto sepa rado; o toilette de minha mulher era cousa soberba! raras vezes me era possivel dar-lhe as boas :rioites. A lgTt'ja nos tinha unidtl, mas o grande t ' m nos havia separado! Eu passam as grandes e fastidiosas noite.s do inverno, ora len– do as gazetas, ora enrodilhado no meu cobertor, em quanto a minha t}'l erida metade recebia nos soireés, nos passeios, nos theatros, os suffragios dos Danrfys. Os credores penhoraraõ-me todos os moveis; a cama duplicada foi -se, ella agora assiste no meu quarto, o meu leito é o seu lei– to, o meu cobertor o seu cobertor! Ha males que vem pqr bem! Julio, naõ ha felicidade co~ m,o a minh;:i ! Noite nenhuma nós passavamos na mesma companhia. ! Se eu ia para o theatro deleitar-me .com Rossini, llellini, ou Donizetti, ella ia para as assembléas ! e se eu ia para as partidas, ella ia para o theatro ! Agorn que o mrdrlicto se– questro nos entrou pela porta den'i:ro, minha mulher já não tem aquelle braço quotid iano a que se encostava, os Dandys a abandona– raõ! º" elegantes foraõ--se ! agora ninguem a acompanha senaõ eu! e!ia se sujeita a ir aon– de eu vou! Tenho o r~osto de d<> r-ihe o bra– ço e de apresenta-la t;a lSOCitdarle; sou o seu par nas contra<fanças; em fi m, ha males que vem por bem ! J ulio, naõ ha felicidade como a minha! Por mais que o meu cosinheiro francez se es– merasse e folheasse a arte da cozinha para nos apresentar os melhores acipipes, nada, J ulio, nada estava ao gosto de minha mulher! Eu que queria vêla comer amofinava-me, ralhava, des– pedia o cosinheiro francez e éljustava um italia– no; mas apezar de tudo, e da enorme despeza que fazia no artigo cozinha, nós comíamos pou– co, e era só a bella companhia que nos fazia a honra de nos devorar o jantar e limpar os pratos! -Presentemente rnillha mulher come com appe– tite, tudo lhe parece bem feito! já- naõ tem aquelle medonho fastio que esgotava os tonicos das boticas! tenho até o gosto de comer agora algum guisadinho preparado por aqueilas mãos de neve, sabe-me excPllentemente ! Ju_lio, ha males que vem por bem! naõ ha felicidade co– mo a minha! Minha n~ullH'r egtava 4uazi sempre doente do seu estom;i~o ! Elia havia consultado todos os Medicos de Pal'iz, tomado milhões de pílulas, e bebido centen ares d{~ pipas de agoas thermaes e mineraes ! ElJa havia feito ex premer as tetas de todas as jumentas da c3pital por cauza do seu nervoso; mas nai5 experimentava melhoras, queixava-se de dia e de noite da sua constante inflammação ! Actualrnente mu<laraõ-se as sce– nas: os Medicos a abandotiaraõ; já 11a0 toma pílulas para ser do grande tom: o seu estomago parece já ter juízo: o seu maldito nervoso nllõ dá cuidado; anda esperta, sadia e nutrida. Julio, ha males que vem por bem; naõ ha felicidade como a minha! Grande parte da roupa da casa ·se desenca– minhava: as criadas desarranjavaõ e estraga,,aõ tudo, eu nunca achava nada do que procurava: tudo se somia, e eu gastava rios de dinheiro, em quanto as criadas vestiaõ os seus amantes com a minha guarda roupa! Hnje naõ succede assim; minha mulher faz o rol da roupa, coze, borda, toma os pontos ás meias, é tconomica, arran– jada é trabalhadeira: tudo está em ordem no meu quarto, nada se perde, e a ôespeza é me– nor, graças ao zelo de minha mulher! Julin~ ha _ males que vem por bem! Naô ha felicidade co– mo a minha! . .A w.ezada que eu dava a minha mulher, e nc\Õ

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