Treze de maio - 1845

fechàdas, e que as paredes suffoque_m minhas palavras. Pio 7 meditou por um instante, e lançou sobre o desconhecido hum olhar, que penetrou os mais profundos reconditos de seo coraçaõ: - Tomai este papel, meo filho, com este passe assignado por nosso proprio punho, a toda a hora sereis admittido junto a nós. -O desconhecido pegou no papel, occultou-o em seo seio, -~nclinou-se até a terra, e desap– pareceo. Na tâfüe deste mesmo dia (o penitente) teve com o Soberano Pontifice hiia entrevis– ta, que durou mais de duas horas. Nenhum ser humano saberá jamais o que se disse de hüa, e outra parte nesta conferencia: mas quan– do ella acabou, e que o Papa fez signal para que alguem viesse, o Cardial P...... que foi o primeiro, que entrou, assustou-se da palidez do Santo Padre, quiz dar ordem para que fos– se retido o desconhecido; mas com hum ges– to, Pio 7 fez parar o Cardial, e com outro despedio aquelle, de quem ~cabava de ouvir a confissaô. Nos vos escreveremos de Roma, lhe diz o Pontífice com hüa voz apressada, e que pare– cia ter perdido a inflexaõ ordinaria de doçu– ra: esperai nossa decisaõ, e observai: vossa pe– nitencia. Eu Vigario de Deos sobre a terra, e o Cárdeal aqui presente supplicaremos todos os dias por vós. Dous mezes depois desta sce– na apresentou-se hum extrangeiro ao lVIaire, (Chefe do Corpo , Municipal) da pequena Ci- dade de ...... , e declarou q11e vinha alli es- tabalecer seo domicilio. A conducta deste ho– mem começa logo a sei· motivo de curiosida– de universal: foi habitar na extremidade da Cidade em hüa caza arruinada, e isoladó, por onde no dia naõ passavaõ tres pessoas. Huma mulher, a quem exactamente pagava lhe tra – zia todas as manhãas as pro\'Ísoens do dia: um paõ, e agoa. Deitava-se sobre duas taboas, e posto que fosse inverno rigoroso, naõ accendia em caza fogo: sua mobilia -se compunha de hüa meza, hüa cadeira, hum grande crucifixo, e hum livro, em que muitas vezes meditava; era a Biblia. Os solitarios da Thebaida naõ vi– V iaõ com mais austeridade. A admiraçaõ foi muito maior ainda, quan– do chegou o Domingo: vio-se sahir este ho– mem de sua caza, vistido de preto, com os olhos baixos, e dirigir-se a Igrej a Parochial: quando chegou debaixo do porti __,o da mesma, sustentados por duas grossas columnas de archi– tetura Romana ajoelhou sobre a !age, e desta maneira assistio ao Santo Sacrificio. Acabada a Missa, retirou-se a passos lentos, e sem que parecesse perceber o rumor, que tinha feito le– vantar em torno de iÍ: somente seo rosto es- tava demasiadamente palido. N'os seguintes Do: mingas renovou-se a mesma scena: voltou ao seo lugar debaixo do portico. O Cura ahi o foi encontrar, e lhe perguntou - Meo filho care– ceis de soccorro, ou de consolações~ Meo Pa– dre, respondeo o desconhecido, careço de sup– plicas - Vossa penitencia será longa? - Elia deve se-lo: a · expiaçaõ he sempre proporcio– nada ao crime. Sobre esta mysteriosa passagem correraõ os mais contraditorios rumores. Mui. tos habitantes de ..... quiseraõ fallar-lhe, mas elle fez entender, que lhe , estava prescripto naõ pronunciar alguma palavra inutil durante o tempo de sua penitencia. Por outro lado su– as maneiras graves impunhaõ silencio aos ma– is atrevidos. Tinha sido primeiro que tudo objecto de curiosidade, tornou-se a final objec– to de piedade. No fim de hum ílnno ninguem se occupava mais delle, só quando algum es– trangeiro entrava na Igreja Parochial, e per– guntava, quem era este homem ajoelhado sob o portico, immovel, e com o crucifixo nas maõs, se fazia signal da cruz, e se respondia: He o penitente. Havia dez annos, que o desconheci- do habitava ...... e desde muito tempo se deixou de pensar n'elle, quando morreo o Vi~. gario da Parochia. O Padre chamado para sue– ceder-lhe tinha sido ordenado de pouco, e se _chamava Estevaõ: era hum mancebo austero, e melancolico, que desde os seos primeiros pas– sos na vida tinha sido forçado a sustentar hüa encarniçada luta com a desgraça. Depois de ter lancado a sonda em todQs os conhecimen– tos hu~anos, tinha conhecido, que tudo isto era hum eni~ma inexplicavel, hum abismo sem fundo, e se havia refu~iado com hum abando– no completo nos braços de huma religiaõ, que explica por seos mysterios os mysterios da sci– encia, e que offerece a todos os infelices hum p rto seguro contra as tempestades do inundo. Deos o tinha dotado de hüa imaginaçaõ ar– dente, e contemplativa, mas suas meditações se exercitavaõ somente sabre as cousas divi– mis: e a poesia, que .satisfazia sua alma havia achado hüa irmãa na poesia- do Christianismo. Tinha hfía eloq4-encia agradavel, e maneiras, que o faziaõ amar. Estas maneiras eraõ acom– panhadas de hüa tal singeleza, que se o to– mava por hum homem simples, e occultava com tanto cuidado todos os rasgos de seo genio, que ninguem podia suspeitar, do brilhante ra– io de luz, que existia em seo interior. A primeira vez que Estevaõ vio o peni– tente sentio-se para elle arrastado por meio de invisíveis rdações, e por huma inexplica,,el sympatia. Informou-se de sua historia, e sou– be o pouco, que delle se sabia: mas os deta. lhes, que lhe deraõ sobre sua ex_istencia aus• tera e mysteriosa, lhe augmentaraó o interesse1

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