Treze de maio - 1845

[2] e aJí lhe foi entregue a carta que o augusto ca– ptivo lhe escrevera, pedindo-lhe os soccorros es– piritua~s. ,, Está resolvido, lhe perguntou Garat, a ir ao Templo? -He isto para mim um de– ver, e huma honra,, respondeo o Padre. O mi– D!stro o fez entrar em sua carruagem, e o levou a prisaõ: quaõ longa naõ deveria parecer essa passagem ' ao veneravel confessor da fé! mui ad– tnirado ficou elle de ouvir o pomposo elogio que Garat fez de Luiz XVI.,, N aõ, lhe dizia elle, a natureza por sí só naõ pode dar tanta força; em sua coragem ha certamente alguma cousa de sobre humano. ,, Que imperio naõ tem uma Religiaõ, cujo poder os proprios inimigos assim reconhecem ! .... Uma scena a mais interessante, e a mais pathetica teve lugar pouco depois no Templo. o· Sacerdote de Christo, ·que vinha para susten– tar a real victima com suas exhortações, e para ]'!_e 'fazer recobrar as forças, que em longo com– bate devia ter esgotado, sente-se sem cora~em ao aspecto d_e taõ grande infortu11io. Cheio ele hum respeito doloroso elle cahe a seus pés, não ~ncontra palavras, mas sim lagrimas, e o preso se v~ necessario a prodigalisar consolações, e cui. dados a aquelle, de quem esperava piedosos dis– cursos, e ~nselhos salutares. M. de Firmont, restabelecido de sua pri– meíra pel'turbação, se tranca com o Rei, o quai 1lie pede com empenho noticias do Arcebispo de París. ,, Assegurai-lhe por favor, lhe disse, que ~u niorro em sua communhão, e que nunca re– conheci outro pastor se não elle. ,, A conver– ~ação versou tambem sobre o Duque de Orle– ans: ,, Que fiz eu pois a meu primo, dizia Luiz XVI, para elle me perseguir deste modo? Eu não devo odiai-o, elle he mais para lamen– tar do que eu; a minha posição he triste, sem duvida; porem ainda que ella o fosse mais, eu a não ,trocaria certamente com elle. ,, Depois dessa conferencia, o Abhade de F._irmont teve a Jembrança de pedir aos mnnicipaes carcereiros permÍ!isão para que Luiz XVI ou– visse .l)f issa no dia seguinte, antes de ir ao sup– plicio; porem não fallou nisso ao preso, para lhe não causar mui grande abalo, caso lhe fos– se isso negado. A entrevista que elle teve com {>S çommissarios foi longa, e tempestuosa; elles multiplicavão as objecções, e as difficuldades. ,., O que pedís não he possivel, dizião elles; he p_erciso hum padre para dizer Missa. - Este 1,_bstaculo não existe, respondeo M . de Firmont, \r 'j)M, fcStá em vossa presença. - E de mais accres rt!::C~ ão elles, seria isto sugeito aos ma– iores: i_nco • rnientes; pois sob pretexto de fazer comnrnnga1'- Capet, poderião envenenai-o~ a h_is– toria fornece ex,·.mplos deste genero. - Não te– mais que vosso pr~so seja envenenado, respon_– pondco o veneravel padre; este crime só por mim poderia ser commettido, e sugeito-me a '-,< • .. • ficar em vosso poder .até que sejais completa– mtnte tranquillisados. ,, A persistencia impertur– bavel de M. Firmont triunfou da malevolencia, e a !foença foi concedida: quando o Rei foi in– formado, derramou lagrimas de reconhecimento, e abraçou com effusão a seu confessor, para agra– decer-lhe tão grande beneficio. Foi tambem nes– te dia que elte obteve o favor cruel de ver a Rainha, .Madame Elisabeth, e seus filhos; en– tretenimento mudo, em que as lagrimas, e os SO• luços substituiraõ as palavras. A 21 de Janeiro (dia de horrível memoria), o rei depois de haver passado a noite tranquilla-· mente, disse para Cléry. ,, Já são cinco horas? - Ja, Senhor, em muitos relogios; mas não na pendula. - D ti rmi muito, accrescentou o prín– cipe, e tinha necessidade disso-; o dia de- hontem me havia fatig;ado; onde está Mr. de Firmont 7-:– N a cama, Senhor.- E tu onde passaste a noite?– Em huma cadeira.- Oh! sinto muito isso.- Em ham tal modo posso eu, Senhor, cuidar em mim1,, O rei levantou-se, e ordenou a Cléry, que preve– nisse o seu confessor. Preparou-se logo huma commoda em forma de altar; e apenas entrou o padre, os municipaes se retiráraõ para a anteca– mara; uma ametade da porta foi fechada, e a mis• sa começou. Erão seis horas <la manhã. Duran– te toda essa ceremonia reinou um profundo silen– cio, e Luiz XVI tinha a mais nobre attitude, o mais santo recolhimento. Ás sete horas passou elle para o seu gabinete com Mr. de Firmont, e <lisse a este: ,, Quanto sou feliz por ter con– servado os meus princípios! Sem elles, que seria hoje de mim? entretanto que com elles a mor• te me parece doce. La em cima está o Juiz in– cofruptivel que me ha de fazer a justiça que os homens me negão. ,, Cléry entr,m logo por chamado do Rei; e este pegando-lhe · na mão, lhe disse: ,, Estou contentissimo de ü. - Ah ! meu amo, exclamou Cléry precipitando-se aos pés do rei, se a mais absoluta declicação, se n1eu zelo, e meus cuidados poderão contentar-vos, a unica recompensa que peço a V. M ., he lançar– me a sua benção; não a recuzeis, Senhor, ao ul– timo Francez, que ficou junto de vós.,, Dizen– do estas palavras, elle ajoelhou-se diante do Rei, o qual o abraçou, e lhe disse: ,, Reparte-a com tôdas as pes~oas, que me são affeiçoadas; dize tam– bem a Turgy, que eu estou contente deUe. ,, Dá nove horas; as portas se abrem com es– trondo; Santerro accompanhado de sete ou oito mu– nicipaes entra a frente de dez gendarmes, e os fórma em duas linhas; Luiz XVI com mais firme– za do que quando estava nas Tuilherías, lhe dis– se: ,, Esperai hum momento;,, depois levando o seu confessor a pessa, onde havia dito mi:-;sa, ajoelha, e pronuncia estas bellas palanas: ,, Tudo está consumm~do; d-ai-me a vosssa ultima benção, e rogai a Deos, que me sustente até o fim . ,, Cléry desfazia-se em lagrimas, e Santerro estava espe-:

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